Considerações sobre o § 1º, III do art. 51 do CDC
Análise sobre o art. 51, § 1º do Código de Defesa do Consumidor. Norma geral proibitória de todos os abusos contratuais.
O § 1º do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor somado ao inc. IV deste mesmo artigo é verdadeira norma geral proibitória de todos os tipos de abusos contratuais. [1] O § 1º, ora citado, explica em três incisos o que vem a ser a expressão “desvantagem exagerada” que é empregada no inc. IV do já mencionado art. 51. [2] Cabe aqui a análise do inc. III do § 1º o qual estabelece que se presume exagerada a vantagem que “se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso”. (grifo nosso)
Com efeito, o CDC visa garantir o equilíbrio nas relações jurídicas de consumo e, para tanto, traz mecanismos capazes de coibir a sobrevivência de cláusulas que se mostrem excessivamente onerosas para o consumidor. Nota-se que a repressão à onerosidade excessiva está ligada ao princípio da equivalência contratual [3], que está disposto no art. 4º, n. III, e art. 6º, n. II, do CDC, como base das relações jurídicas de consumo. [4]
Verificada a onerosidade excessiva podem ocorrer três conseqüências: a) a nulidade de cláusula por trazer desvantagem exagerada ao consumidor (art. 51, IV c/c § 1º, III, CDC); b) o direito do consumidor de modificar a cláusula contratual, a fim de ver preservado o equilíbrio contratual (art. 6º, V, CDC), c) a revisão do contrato tendo em vista fatos supervenientes não previstos pelas partes quando do fechamento do pacto (art. 6º, V, segunda parte, CDC). [5]
Destarte, constatado que uma cláusula contratual é excessivamente onerosa, não só a nulidade absoluta da mesma serviria como sanção, mas também seria direito do consumidor exigir a sua modificação ou a revisão do contrato. Sendo possível ao juiz modificar o conteúdo negocial. [6]
Uma questão que se impõe é se o fornecedor também poderia se valer dos mecanismos trazidos pelo CDC para ver declarada, em seu favor, a nulidade de uma cláusula que se mostre excessivamente onerosa. Ou ainda se poderia requerer a modificação da cláusula visando garantir o equilíbrio contratual, ou a revisão do contrato em virtude de fatos supervenientes que o tornaram excessivamente oneroso.
Outro não poderia ser o entendimento, senão no sentido de assegurar ao fornecedor o direito de cumprir um contrato equânime. É o que se infere dos princípios da boa-fé e do equilíbrio das relações de consumo (art. 4º, III, CDC), e do disposto no art. 51, § 2º do CDC: “a nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.” (grifo nosso)
Neste sentido o Prof. Rogério Ferraz Doninni:
Pelo disposto no § 2º do art. 51 do CDC, vê-se que não somente o consumidor pode valer-se da resolução contratual, mas também o fornecedor, pois não teria qualquer sentido conservar um contrato que traga ônus excessivo a qualquer dos contratantes. O fornecedor pode, eventualmente, pelo disposto neste artigo, estar impossibilitado de cumprir com uma obrigação contratual que lhe cause ônus excessivo, o que configuraria uma violação ao art. 4º, III, do CDC, pelo qual os contratos devem ser celebrados e executados sempre com supedâneo na boa-fé e no equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. [7]
Destaca-se que a onerosidade excessiva deve ser aferida no caso concreto. Muitas vezes no ato da conclusão do negócio a cláusula não se mostra abusiva, podendo tornar-se excessivamente onerosa posteriormente em decorrência de fatos supervenientes. [8]
Cabe frisar que o CDC fornece alguns parâmetros na consideração da excessiva onerosidade da prestação, quais sejam: a natureza e conteúdo do contrato, interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso (art. 51, § 1º, inc.III, in fine) [9], protegendo as legítimas expectativas dos contratantes.
Dessa forma, percebe-se que o Código busca garantir o cumprimento de um contrato de consumo justo e equânime, fornecendo mecanismos capazes de assegurar o equilíbrio contratual, coibindo o cumprimento de contratos que se mostrem excessivamente onerosos para uma das partes, mas sempre visando a manutenção do pacto, fundado no princípio da conservação do contrato. [10]
Bibliografia
DONINNI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código de Civil e no Código de Defesa do Consumidor. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2001.
MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 1ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
MARQUES, Cláudia Lima. Contrato no Código de Defesa do Consumidor – O novo regime das relações contratuais. 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Defesa do Consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª ed., São Paulo: Forense Universitária, 2001.
NAHAS, Thereza Christina. Cláusulas Abusivas nos Contratos de Consumo. 1ª ed., São Paulo: LTr, 2002.
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000.
SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Cláusulas Abusivas no Código de Defesa do Consumidor. 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003.
[1] Cláudia Lima Marques, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 631.
[2] Cláudia Lima Marques, op. cit., p. 636.
[3] Luiz Antonio Rizzatto Nunes, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 581.
[4] Nelson Nery Júnior, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, p. 534.
[5] Nelson Nery Júnior, op. cit., mesma página.
[6] Cláudia Lima Marques, op. cit., . p. 638.
[7] A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, p. 196.
[8] Luiz Antonio Rizzatto Nunes, op. cit., p. 581
[9] Nelson Nery Júnior, op. cit., p. 534.
[10] § 2º - A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. (Art. 51, § 2º, CDC).