Competência do Superior Tribunal Militar para julgamento de ações relativas às transgressões disciplinares
Com base, inclusive, na PEC nº 358-A/2005, tentaremos aclarar sobre a situação do julgamento das ações relativas às transgressões militares pela Justiça Militar da União, conseqüentemente em segunda instância pelo Superior Tribunal Militar.
1.
INTRODUÇÃO
Notoriamente
sendo, os atos administrativos, matéria de razoável divergência
conceitual, trouxemos à baila alguns dos diversos conceitos destes,
mas antes, podemos adiantar que em geral os atos da Administração
são colocados como de três espécies: a) Os Atos da Administração
em sentido estrito, que tem regime jurídico privado; b) Os Fatos
Administrativos ou Atos de Administração e c) Os Atos
Administrativos, que tem regime jurídico público, sendo que nos
ateremos a estes.
O insigne Hely Lopes Meirelles compara o conceito de ato administrativo com o de ato jurídico, diferenciando apenas pela finalidade pública:
Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações ao administrados ou a si própria. (MEIRELLES: 2005, p.149).
O
douto Celso Antônio Bandeira de Mello assim conceitua:
Declaração
do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um
concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas
públicas, manifestada mediante providências jurídicas
complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a
controle de legitimidade por órgão jurisdicional. (MELLO: 1997, p.
231).
O
ilustre Diogo Figueiredo assim explica:
Ato administrativo é, assim, a manifestação unilateral de vontade da administração pública, que tem por objeto constituir, declarar, confirmar, alterar ou desconstituir uma relação jurídica, entre ela e os administrados ou entre seus próprios entes, órgãos e agentes. (NETO: 2006, p. 136).
José
Maria concordando com a variação de conceito de ato administrativo
pela doutrina, e, sendo este uma espécie do gênero ato da
administração, brilhantemente coloca:
(...)
pode-se conceituar o ato administrativo nos exatos termos do art. 81
do Código Civil de 1916 (que trata dos atos jurídicos), como a
manifestação de vontade da Administração Pública que, agindo na
qualidade de Poder Público, objetiva adquirir, resguardar,
transferir, modificar ou extinguir direitos, atendendo sempre ao
princípio da legalidade, aplicando obrigações tanto a si própria
quanto aos seus administrados. (MADEIRA: 2006, p. 163).
Diógenes Gasparini, assim expõe:
Ato
administrativo é toda emanação unilateral de vontade, juízo ou
conhecimento, predisposta à produção de efeitos jurídicos,
expedida pelo Estado ou por quem lhe faça às vezes, no exercício
de suas prerrogativas e como parte interessada numa relação,
estabelecida na conformidade ou compatibilidade da lei, sob o
fundamento de cumprir finalidades assinaladas no sistema normativo”.
(GASPARINI: 2003, p. 67).
Carvalho
Filho considera ato administrativo como a “exteriorização da
vontade da Administração Pública ou de seus delegatários que, sob
regime de direito público, tenha por fim adquirir, resguardar,
modificar, transferir, extinguir e declarar situações jurídicas,
com o fim de atender ao interesse público.” [1]
E, a
ilustre Maria Sylvia, sobre o ato administrativo, pondera como sendo:
“a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz
efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime
jurídico de direito público e sujeira a controle pelo Poder
Judiciário.” [2]
Já o
ato administrativo militar, sendo praticamente uma espécie do gênero
ato administrativo, seus princípios estão estruturados da mesma
maneira, ou seja, ato administrativo militar é todo aquele derivado
de uma das Forças Armadas, criando, modificando, extinguindo relação
jurídica referente ao servidor integrante dos quadros da
Administração Militar, bem como em relação aos próprios órgãos
integrantes da composição militar. Não difere do ato
administrativo, em geral, unicamente por ter sido praticado por uma
autoridade militar, no âmbito da Administração Militar.
A
definição de transgressão disciplinar encontramos no art. 8º do
Decreto 76.322/75 [3],
como sendo “toda ação ou omissão contrária ao dever militar, e
como tal classificada nos termos do presente Regulamento.
Distingue-se do crime militar que é ofensa mais grave a esse mesmo
dever, segundo o preceituado na legislação penal militar”; bem
como no art. 6º, do Decreto nº 88.545/83 [4],
in verbis: “Contravenção Disciplinar é toda ação ou omissão
contrária às obrigações ou aos deveres militares estatuídos nas
leis, nos regulamentos, nas normas e nas disposições em vigor que
fundamentam a Organização Militar, desde que não incidindo no que
é capitulado pelo Código Penal Militar como crime.” Já o Decreto
nº 4.346/2002 [5],
em seu artigo 14, define como: “toda ação praticada pelo militar
contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio
ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo
na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a
honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe.”; com
importante observação em seu § 1°: “Quando a conduta praticada
estiver tipificada em lei como crime ou contravenção penal, não se
caracterizará transgressão disciplinar.”
Para
termos breve noção sobre os Regulamentos Disciplinares e às penas
aplicadas como sanções disciplinares (quando podemos mentalmente
comparar com as penas aplicadas no Direito Penal) trazemos à baila a
lucidez de Antônio P. Duarte, em seu livro de “Direito
Administrativo Militar”:
Os Regulamentos Disciplinares ordenam e classificam as transgressões ou contravenções disciplinares, dispondo sobre as penas disciplinares e os recursos cabíveis contra as punições impostas.
Cada Força Singular tem o seu respectivo regulamento, onde se delineiam as diferentes sanções disciplinares e modos de aplicação.
O Estatuto dos Militares, no entanto, impõe como limite às sanções disciplinares de impedimento, detenção ou prisão, o prazo máximo de 30 dias.
As
transgressões ou contravenções militares, naturalmente, são
condutas de menor gravidade e que, portanto, são punidas com menos
rigor e com sanções mais brandas. Todavia, em certas condutas
transgressionais, o militar poderá ser detido ou preso por prazo não
superior a 30 dias ou até a vir ser licenciado e excluído a bem da
disciplina. (DUARTE: 2000, p.51, 52).
2.
CONTROLE JUDICIAL DO ATO ADMINISTRATIVO
Não
cabe ao Poder Judiciário o juízo de valoração sobre a
oportunidade e conveniência do ato administrativo, porque a este
cabe unicamente analisar a legalidade do ato, sendo-lhe vedado
substituir o Administrador Público, já que a possibilidade de
análise de mérito desses atos cabe a própria Administração
Pública, ressaltando, assim, o princípio da separação dos
poderes, sendo vedado, óbvio, quaisquer excessos.
O
Poder Judiciário pode controlar, fiscalizar o mérito administrativo
de um ato produzido pela Administração Pública apenas para
verificação de alguma ilegalidade. Se houver algum vício de
legalidade o Judiciário anula o ato, mas se não há ilegalidade, se
é puro mérito, ele não pode fazer nada, pois ele não pode
substituir o juízo de mérito, ou seja, a vontade do agente, baseado
no princípio da separação dos poderes. O seu controle está apenas
vinculado à ilegalidade; legalidade aqui é adequação à lei e aos
princípios.
O
Poder Judiciário pode revogar um ato administrativo, desde que o ato
administrativo tenha sido produzido por ele mesmo, quando o Poder
Judiciário exerce a função atípica de administração. É um
controle interno. O que não pode é o Poder Judiciário revogar ato
administrativo editado pelo Executivo ou pelo Legislativo. Esse
controle externo ele não pode fazer.
O
Poder Judiciário pode anular um ato administrativo através do
controle externo, que é a fiscalização de outro poder, ou seja, o
Poder Judiciário pode anular um ato do Poder Executivo ou
Legislativo, pois conforme a Constituição Federal, em seu artigo
5º, inciso XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direitos”.
Doutrina
moderna defende a idéia de se ampliar o alcance do controle
judicial, sustentam poder aplicar o princípio da razoabilidade,
admitindo análise sobre o mérito administrativo, para aferir a
valoração subjetiva do administrador na emissão do ato
administrativo, aplicando, outrossim, o princípio da moralidade dos
atos. Embora não haja possibilidade de um controle direto sobre o
mérito, contudo, existe a possibilidade de um controle sobre os
limites a que esse mérito está sujeito, que, pelos padrões do
homem comum, atentar manifestamente contra a moralidade.
Porém,
atualmente, é pacífico na doutrina a impossibilidade de análise do
mérito através do controle judicial no que diz respeito ao ato
administrativo discricionário. Já para o caso de ato administrativo
vinculado o controle judicial fica restrito a aspectos de legalidade,
por este não possuir mérito administrativo, restringindo-se a
aspectos legais.
3.
O ATO ADMINISTRATIVO PUNITIVO NAS FORÇAS ARMADAS
A Portaria nº. 041, de 18 de fevereiro de 2002, do Comandante do Exército Brasileiro, que estabelece “Instruções Gerais para a Correspondência, as Publicações e os Atos Administrativos no Âmbito do Exército”, define os atos administrativos no âmbito do Exército Brasileiro, porém, como os atos administrativos punitivos não são aqui mencionados, recorremos ao ensinamento de Antônio Pereira Duarte, em seu “Direito Administrativo Militar”:
Os
atos administrativos punitivos, como o próprio nome o diz, têm por
finalidade aplicar sanções aos servidores e administrados que atuem
de forma irregular em relação à Administração. Tais atos
objetivam punir as condutas infringentes dos bens e serviços
públicos. Sobressaem-se, dentre estes, a multa e o afastamento do
cargo (DUARTE: 2000, p.18).
Trazemos
à baila dispositivos referentes à classificação das punições
disciplinares contidas no Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002,
que “aprova o Regulamento Disciplinar do Exército (R-4) e dá
outras providências.”
“Art.
24. Segundo a classificação resultante do julgamento da
transgressão, as punições disciplinares a que estão sujeitos os
militares são, em ordem de gravidade crescente:
I - a advertência;
II - o impedimento disciplinar;
III - a repreensão;
IV - a detenção disciplinar;
V - a prisão disciplinar; e
VI - o licenciamento e a exclusão a bem da disciplina.
Art. 25. Advertência é a forma mais branda de punir, consistindo em admoestação feita verbalmente ao transgressor, em caráter reservado ou ostensivo.
Art. 26. Impedimento disciplinar é a obrigação de o transgressor não se afastar da OM, sem prejuízo de qualquer serviço que lhe competir dentro da unidade em que serve.
Art. 27. Repreensão é a censura enérgica ao transgressor, feita por escrito e publicada em boletim interno.
Art. 28. Detenção disciplinar é o cerceamento da liberdade do punido disciplinarmente, o qual deve permanecer no alojamento da subunidade a que pertencer ou em local que lhe for determinado pela autoridade que aplicar a punição disciplinar.
Art. 29. Prisão disciplinar consiste na obrigação de o punido disciplinarmente permanecer em local próprio e designado para tal.
Art.
32. Licenciamento e exclusão a bem da disciplina consistem no
afastamento, ex officio, do militar das fileiras do Exército,
conforme prescrito no Estatuto dos Militares.”
4.
CONCLUSÃO
Inobstante a lei não excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito, possibilitando ao administrado o devido processo legal, sendo facultado o contraditório e a ampla defesa, é necessário avaliar a competência de nossos órgãos jurisdicionais, quando o assunto é o controle judicial dos atos administrativos militares, em especial o julgamento de ações relativas às transgressões disciplinares.
Para não confundirmos o crime militar com o ato administrativo militar disciplinar, trazemos à baila José da Silva Loureiro Neto, apud Júlio Cezar Dal Paz Consul, “Prescrição Administrativa Disciplinar Militar”, asseverando elucidativamente "in verbis":
O crime militar contém no preceito sancionador uma pena determinada pelo legislador, ao passo que a infração disciplinar contém uma sanção sujeita a uma faculdade discricionária da autoridade militar. Justifica-se, pois, o princípio do nullum crimen, sine lege; perfeitamente aplicável ao direito penal como dogma, inexistente quando se trata de aplicação de sanções disciplinares, pois podem existir outras faltas não tipificadas (NETO: 1993, p.25).
Cada
jurisdição tem sua substância própria: a penal, o delito,
enquanto que a disciplinar, a falta. Ora, como um mesmo fato pode
constituir-se simultaneamente uma falta e um delito, é natural que
cada uma delas seja apreciada por suas respectivas jurisdições.
Assim como o Comandante pune o subordinado pela falta disciplinar
prevista no Regulamento Disciplinar, o Conselho de Justiça pune o
réu pela prática de crime previsto no Código Penal Militar.
Portanto, infere-se que o órgão ministerial não deixará de propor
a ação penal tendo em vista que o indiciado foi punido pelo fato
disciplinarmente; e nem o Comandante deixará de punir o indiciado
disciplinarmente na expectativa de uma manifestação do órgão
ministerial, seja na proposição da ação penal, seja no pedido de
arquivamento do inquérito policial militar. Ambas as jurisdições,
como se disse, atuam em áreas distintas e estanques. Não há,
portanto, a ocorrência do bis
in idem (NETO: 1993,
p.27).
São transgressões disciplinares, que ensejam a busca do Poder Judiciário, todas as ações ou omissões contrárias à disciplina militar ou atos que afetem a honra pessoal, o pundonor militar, o decoro da classe ou o sentimento do dever e outras prescrições contidas no estatuto próprio dos militares, leis e regulamentos, bem como aquelas praticadas contra regras e ordens de serviço emanadas de autoridade militar competente.
Tendo aumentado o contingente de integrantes das Forças Armadas nos últimos anos, bem como a conscientização, não só dos administrados em geral, mas aqui focado os militares, em especial, na busca de seus direitos, ou de seus supostos direitos materiais, a par do direito à busca do Judiciário, isto interfere, outrossim, na quantidade de processos que a justiça comum da esfera federal e a justiça especializada militar terá que apreciar. Por isto, vem-se aventando a possibilidade de ampliação da competência da Justiça Militar da União, para que se consiga dar vazão a este novo contingente, bem como desafogar a Justiça Federal comum. Este afogamento da Justiça Federal, também se dá porque os militares, em geral, a esta recorrem antes do esgotamento da via administrativa, já que a Justiça Militar da União somente julga a parte penal.
Igualmente vêm ocorrendo inúmeros pedidos de habeas corpus,
impetrados perante as Varas Federais com relação às punições
disciplinares, havendo caso de juiz federal conceder pedido que vá
de encontro aos regulamentos das Forças Armadas, por desconhecer os
melindres da situação; inobstante na Carta da República, em seu
artigo 142, parágrafo 2º, rezar que: “Não caberá habeas-corpus
em relação a punições disciplinares militares.”; deixando
de notar o impeditivo constitucional quanto a matéria, a
impossibilidade jurídica do pedido. Não entraremos nesta seara,
mesmo porque, em sede doutrinária, o habeas corpus tem sido
aceito quando se trata de punição disciplinar, muito embora a
jurisprudência, neste sentido, tenha se desenvolvido muito
lentamente.
O
resultado dessa busca frente à Justiça Federal, em sua
generalidade, resulta em decisões que, muitas das vezes ofendem a
hierarquia e a disciplina, criando diversos tipos de problemas para
as Forças Armadas, já que ferem seu eixo central, pois as leis
peculiares da vida na caserna com seus regulamentos disciplinares não
são de pleno conhecimento dos magistrados que integram a Justiça
Federal, pois não sendo matéria requisito para o ingresso na
carreira, somente terá conhecimento o magistrado federal que
resolver se especializar em tais dispositivos.
Aclarando-nos,
o insigne Doutor João Rodrigues Arruda, em “O Uso Político das
Forças Armadas”, assim pauta:
A partir de 2003, por iniciativa individual ou através dessas associações (para a defesa dos interesses da categoria) [6], as praças passaram a bater às portas do Judiciário com mais freqüência para reivindicar, principalmente, proteção contra as punições disciplinares. Não são poucas as liminares e mesmo sentenças de mérito concedidas nesses casos. As decisões da Justiça, em grande parte contrárias aos pontos de vista dos chefes militares, são encaradas por eles como fator de desestabilização da hierarquia e da disciplina. Ou seja, um suposto abalo na principal base de sustentação das organizações militares. (ARRUDA: 2007, p. 19).
Trazer estes feitos para a Justiça Militar da União, diminuiria numa quantidade apreciável os feitos atribuídos à Justiça Federal que poderiam ser processados e julgados por uma Justiça Especializada, isto se justifica por si só vez que a solução razoável às lides resultantes da vida militar exigem tanto o conhecimento específico da legislação que pauta as Forças Armadas, bem como a experiência de vida havida nas Organizações Militares.
Pois,
o Direito Administrativo Militar, que estuda os atos administrativos
praticados pelos componentes dos quadros das Forças Armadas ou
Forças Auxiliares (Bombeiros e Policiais Militares) que, em tese,
violam o disposto nos Regulamentos Disciplinares, que possui alguns
regramentos diversos do Direito Administrativo, que envolve os
servidores públicos civis, é uma ciência jurídica autônoma,
requerendo magistrados especializados para oferecerem um julgamento
técnico que permita ao militar se sentir verdadeiramente num Estado
Democrático de Direito.
Já
quando se trata da Justiça Militar na esfera estadual, a competência
desta foi ampliada recentemente com a reforma do Judiciário,
facilitando soluções às Polícias Militares e Corpos de Bombeiros
Militares e aos próprios jurisdicionados, reduzindo
significativamente o número de feitos a serem julgados pelos juízes
e tribunais estaduais, também aqui, sendo levada em conta a
especialização de tal contenda.
Tramita
no Congresso Nacional a Reforma do Judiciário com o Projeto de
Emenda Constitucional nº. 358A/05, que trata, outrossim, do controle
jurisdicional das transgressões disciplinares, in verbis:
“Art. 124. À Justiça Militar da União compete processar e julgar
os crimes militares definidos em lei, bem como exercer o controle
jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros
das Forças Armadas.”
Sendo
mais abrangente, indo além do controle jurisdicional das punições
disciplinares, o Superior Tribunal Militar começou a trabalhar no
sentido de ampliar a competência da Justiça Militar da União para
abranger todas as matérias especificadas no artigo 142, § 3°,
inciso X, da Constituição [7],
ou seja, incluindo no controle: as movimentações por necessidade de
serviço, o licenciamento do serviço ativo, os engajamentos e
reengajamentos concedidos ou negados, os pagamentos de benefícios,
admissão aos cursos militares, promoções etc.
Mesmo
porque, a Justiça Militar Estadual já teve sua competência
ampliada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que alterou
alguns parágrafos do artigo 125, da Carta Maior e a Justiça Militar
da União já tem como jurisdicionados os integrantes dos quadros das
Forças Armadas, agilizando assim a composição dos litígios, vez
que desafoga a Justiça Federal.
E,
quando se compara com as outras justiças especializadas, v.g.
a Justiça Trabalhista, não tem porque se desmembrar parte dos
feitos que são da competência desta com a Justiça Federal, que por
desconhecer tanto a vida na caserna como as leis disciplinadoras
desta, não se revela capaz de julgar em tempo razoável as contendas
militares, interferindo na hierarquia e na disciplina cotidiana das
Unidades Militares.
Se
aprovada a Proposta de Emenda Constitucional nº 358A/05
conseguiríamos, de pronto, uma melhor distribuição da justiça;
desafogar a Justiça Federal e fortalecer a hierarquia e disciplina,
necessárias ao bom andamento do serviço militar; já que a Justiça
Militar da União reúne as condições estruturais e técnicas para
arcar com as responsabilidades advindas da aprovação desta Emenda
Constitucional.
Porém,
como tudo no mundo, principalmente no mundo jurídico, há de se ver
sempre o entendimento contrário, os prós e os contras; e, por ser o
Superior Tribunal Militar composto de cinco juízes civis e dez
militares, que apenas, em geral, conhecem bem a vida na caserna, não
sendo bacharéis em Direito desconhecem as peculiaridades e minúcias
que esta ciência exige de seus estudiosos.
Claramente a Constituição Federal de 1988 nos traz a composição
do Superior Tribunal Militar [8],
como poderia, então, um ministro do Superior Tribunal Militar, leigo
na ciência jurídica, julgar casos referentes ao ato administrativo
militar de modo específico se tem vaga ou nenhuma noção de ato
administrativo como um todo?
Talvez
também por isto, há estudiosos vinculados à Organização das
Nações Unidas com entendimento no sentido de considerarem que a
composição da Justiça Militar da União deveria ter como requisito
mínimo a condição de bacharel em Direito, por parte de seus
integrantes, além do fato dos ministros serem integrantes das Forças
Armadas, na ativa, ou não.
5. REFERÊNCIAS
ARRUDA, João Rodrigues. O Uso Político das Forças Armadas e Outras Questões Militares. 1ª ed. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.
ASSIS, Jorge César de. Os Regulamentos Disciplinares e o Respeito aos Direitos Fundamentais. Disponível em: <http://www.cesdim.org.br/temp.aspx?PaginaID=110> Acesso em: 13 nov. 2008.
BRASIL. Constituição 1988. Organizado pela Câmara dos Deputados. 25ª ed. Brasília: Coordenação de Publicações, 2007.
BRASIL. Direito Administrativo. Organizado por Luiz Oliveira Castro Jungstedt. 9ª ed. Rio de Janeiro: Thex, 2000.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004.
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2000.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Administração Pública Centralizada e Descentralizada (Tomo I). 4ª ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2006.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006.
ROSA, Paulo T. Rodrigues. Atuação do Advogado nos Processos Administrativos Militares. Disponível em <http://www.neofito.com.br/artigos/art01/milit5.htm> Acesso em: 13 nov. 2008.
SILVA, De Plácido e, Vocabulário Jurídico, 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1994.
NOTAS[1] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2000. p. 73.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004. p. 189.[3] Regulamento Disciplinar da Aeronáutica.
[4] Regulamento Disciplinar da Marinha.[5]
Regulamento Disciplinar do Exército.
[6] Entre parênteses colocado pelo autor do artigo.
[7] CF/88, art. 142, § 3º, inciso X: A lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas, e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.[8] CF/88, art. 123: O Superior Tribunal Militar compor-se-á de quinze Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo três dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais-generais do Exército, três dentre oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e cinco dentre civis.
Parágrafo único. Os Ministros civis serão escolhidos pelo Presidente da República dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, sendo:
I – três dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional;
II – dois, por escolha paritária dentre juízes auditores e membros do Ministério Público da Justiça Militar.