A solidariedade na prestação alimentícia e o Estatuto do Idoso
Discute a forma da prestação do direito a alimentos para as pessoas com mais de 65 anos após o advento do Estatuto do Idoso e se a solidariedade nele positivada é viável.
A solidariedade na prestação alimentícia é algo que já vem sendo discutida a alguns anos. Doutrinadores a aplicadores da ciência do Direito de todo o país têm se perguntado se seria cabível a aplicação do princípio da solidariedade no que tange o pagamento de prestações alimentícias. Para começarmos a clarear tal questão devemos, primeiramente, conceituar o instituto dos “alimentos” dentro do Direito pátrio.
A concessão de alimentos, positivada no Código Civil, em seu artigo 1694 e seguintes, tem sua origem no Direito Romano, no chamado officium pietatis, que se configurava como uma obrigação moral dos parentes de se socorrer nas adversidades. No Direito moderno consiste no pagamento de prestações no intuito de satisfazer as necessidades básicas do alimentado, tais como sustento, vestuário, habitação, assistência médica e instrução.
Atualmente o Código Civil disciplina, em seu artigo 1696, que é recíproco entre pais e filhos o direito à prestação alimentícia, sendo estendido tal direito a todos os ascendentes.
PEREIRA (2006, pág 495) conceitua os alimentos da seguinte forma:
Há diversidade entre a conceituação e a noção vulgar de “alimentos”. Compreendendo-os em sentido amplo, o direito insere no valor semântico do vocábulo uma abrangência maior, para estendê-lo, além da acepção fisiológica, a tudo mais necessário à manutenção individual: sustento, habitação, vestuário, tratamento.
O direito para requisitar os alimentos é um direito personalíssimo e irrenunciável, ou seja, um direito exclusivo da pessoa interessada em receber tais prestações e somente ela pode pleiteá-las em juízo, além do que uma pessoa não pode confeccionar uma cláusula contratual, ou documental, desistindo de requerer os alimentos à ela de direito.
Outro fator importante que deve ser lembrado e enfatizado, pois configura informação de suma importância para esta pesquisa, é o fato dos alimentantes não responderem solidariamente à obrigação alimentar, conforme nos mostra o artigo 1696 do Código Civil. O que ocorre é que todos eles serão chamados a integrar a lide e participaram do rateio das prestações respeitando suas possibilidades e respondendo pela parte que lhe cabe.
A prestação alimentícia necessita de alguns pressupostos para que possa ser fixada e obrigar seu pagamento, sendo eles a existência de um vínculo de parentesco entre o alimentado e o alimentante, a necessidade do alimentado de receber os alimentos, a possibilidade do alimentante de pagar tais alimentos e a proporcionalidade entre essa possibilidade e aquela necessidade.
Como notamos, a proporcionalidade entre a necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante é fator primordial para a fixação do valor das prestações alimentícias, é o famoso binômio entre necessidade e possibilidade, observado no artigo 1694, §1º do Código Civil.
A aplicação de tal binômio pode ser observada no acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais in verbis:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS PROVISIONAIS. FIXAÇÃO DO QANTUM DEBEATUR. OBSERVÂNCIA DO BINÔMIO NECESSIDADE-POSSIBILIDADE. - De acordo com o artigo 1.694, § 1º, do Código Civil, os alimentos provisórios devem ser fixados observando-se o binômio necessidade/possibilidade. (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Agravo nº 1.0024.07.552201-1/001. Relator: Des. Silas Vieira, Belo Horizonte, 10 de abril de 2008. Disponível em: < www.tj.mg.gov.br > Acesso em: 09 mai. 2008)
Sobre este binômio podemos dizer que a necessidade do alimentado se observa no momento em que este não mais consegue subsistir sem que lhe seja ofertado as prestações alimentícias. Essa incapacidade do alimentado pode emergir de várias maneiras, sendo que para o Direito é totalmente irrelevante a razão pela qual a mesma aparece, sendo que apenas a sua comprovação já enseja o direito à receber os alimentos.
Já a possibilidade do alimentante deve ser analisada levando-se em consideração que o mesmo não poderá sofrer desfalques que o impeçam de ter o seu próprio sustento, ou seja, não poderá o alimentante se reduzir a condições precárias de subsistência, ou sacrificar sua condição social, a fim de prestar os alimentos à ele requisitados. Deve-se respeitar os limites de cada alimentante, devendo o alimentado requisitar a complementação de outro parente.
Com isso chegamos à conclusão que o princípio da proporcionalidade se configura por respeitar as condições pessoais e sociais do alimentado e do alimentante. Não pode aquele requisitar um valor exacerbado pelo simples fato deste ter uma renda respeitável, e não pode este pagar uma quantia elevada pelo fato daquele ter necessidades maiores que sua possibilidade.
Portanto, como vimos, caso o alimentante não tenha possibilidade de prestar os alimentos necessários à subsistência do alimentado este deve requisitar de outro parente a complementação das prestações alimentícias, sendo que estes alimentantes não responderão solidariamente pela dívida.
O princípio da solidariedade na legislação civil nos diz que sempre que existir mais de um credor ou devedor, todos com um direito ou obrigados à dívida toda, haverá solidariedade entre eles na totalidade da dívida.
No caso de haver uma pluralidade de credores diz-se existir a solidariedade ativa, onde cada um dos credores pode requisitar do devedor o pagamento total da dívida, e no caso de se observar à existência do vários devedores configura-se a chamada solidariedade passiva, onde o credor pode requisitar de qualquer dos devedores o pagamento total da dívida.
Analisando a solidariedade passiva observamos que o chamado “direito de regresso” é cabível, visto que o princípio da solidariedade é configurado na relação entre credor e devedor, mas na relação entre os devedores não é cabível a sua utilização.
Sobre o “direito de regresso” Rodrigues (2002, pág 73) traz a seguinte idéia:
Na solidariedade passiva o devedor, embora só deva parte da prestação, pode ser compelido a resgatá-la por inteiro. Se isso ocorrer, sofreu ele um empobrecimento em favor dos coobrigados, que, sendo devedores e nada havendo desembolsado, experimentaram um enriquecimento.
Por conseguinte, para recompor tal desequilíbrio, confere a lei ao devedor que pagou todo o direito de exigir de cada coobrigado a sua quota, presumindo-se iguais, no débito, as partes dos co-devedores. Isso decorre da circunstância de existirem na solidariedade várias obrigações autônomas reunidas numa só. De maneira que o credor que paga a totalidade da deve ser reembolsado pelos coobrigados da importância que desprendeu para extinguir as obrigações a eles cabentes.
No pagamento de prestações alimentícias, mesmo que se observe a existência de mais de um devedor, não é cabível o “direito de regresso”, visto que nela não impera o princípio da solidariedade. Cada um dos devedores apenas pode ser obrigado a responder pela sua quota dentro da totalidade da obrigação, sendo aplicado o artigo 1696 do Código Civil neste caso.
Para que se pudesse caracterizar a ocorrência da solidariedade no pagamento da prestação alimentícia seria necessário que todos os demandantes fossem responsáveis simultaneamente pela mesma soma, o que não ocorre com a dívida de alimentos.
Porém a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, também conhecido como Estatuto do Idoso, traz uma interpretação oposta à dada pelo Código Civil no que tange o pagamento de alimentos. Segundo seu artigo 12 a obrigação alimentar é solidária e o idoso pode optar por qual dos alimentantes para requerer a dívida em sua totalidade. Tal disposição vem sendo alvo de diversas críticas e sua aplicação não é unânime entre os magistrados de todo o país.
É notório que as pessoas de mais idade necessitam de maiores cuidados e uma proteção maior do Estado. O Estatuto do Idoso surge no ordenamento jurídico exatamente para assegurar esses direitos às pessoas idosas, direitos estes configurados como princípios constitucionais, observados nos artigos 3º, III e 230, além de garantir-lhes também o direito fundamental da dignidade da pessoa humana.
BIBLIOGRAFIA
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