Natureza jurídica da cobrança pela religação do fornecimento de energia elétrica

Natureza jurídica da cobrança pela religação do fornecimento de energia elétrica

Analisa a natureza jurídica da cobrança exigida pelas concessionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica a título de religação do fornecimento.

Resumo

O presente artigo se propõe a analisar a natureza jurídica da cobrança exigida pelas concessionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica a título de religação do fornecimento. Apesar de tal cobrança ser conhecida como “taxa” de religação, não há divergência na doutrina de que não se trata de espécie tributária, existindo, no entanto, confronto de posições quanto a enquadrá-la como tarifa ou cláusula penal. Assim, pretende-se investigar se a cobrança pela religação se dá pela prestação de um serviço regulado – sendo, assim, um preço público tarifado – ou pelo mero inadimplemento de obrigação – sendo, de outro lado, cláusula penal. Uma vez delimitada a natureza jurídica da cobrança, pretende-se tratar da competência para sobre ela dispor normativamente e da titularidade dos serviços públicos de energia elétrica.


Introdução

Pretende-se a analisar a natureza jurídica da cobrança exigida pelas concessionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica pela religação do fornecimento.

Nada obstante seja conhecida como “taxa” de religação, não há divergência na doutrina de que não se trata da espécie tributária a que se refere o art. 145, II, da Constituição Federal de 1988. Na investigação de sua natureza jurídica, divergência passível de interesse é quanto a tal cobrança ser preço público – tarifa – ou cláusula penal. É de se observar que os efeitos jurídicos variarão consideravelmente caso se enquadre a cobrança em uma ou outra categoria hipotética. Investigar a natureza da cobrança é o primeiro objetivo do presente texto.

De outro giro, a “taxa” de religação tem merecido a atenção dos parlamentos brasileiros (federal, estaduais e municipais), que, a sua vez, têm se preocupado com a normatização da cobrança, buscando, na maioria das vezes, aboli-la.

Assim, além da juridicidade da cobrança da “taxa”, cumpre investigar, em segundo lugar, qual ente federativo possui competência para sobre ela dispor, bem como quais efeitos que as normas produzidas pelos demais entes podem produzir sobre a prestação do serviço distribuição de energia elétrica e sobre a equação econômico-financeira do contrato de concessão.

Também é importante destacar que a questão da juridicidade da cobrança da “taxa” de religação já está sendo levada a instâncias do Poder Judiciário. O Ministério Público do Estado do Mato Grosso, por exemplo, ajuizou ação civil pública contra a cobrança, pela Centrais Elétricas Matogrossensses S.A., da “taxa” de religação, tendo o MM. Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária daquele Estado suspendido a sua cobrança em caráter liminar, o que foi posteriormente confirmado por sentença (processo n° 2002.36.00.003107-6).

Desses fatos exulta, portanto, a atualidade e relevância dos temas a serem aqui tratados.


1. Corte e religação do fornecimento de energia elétrica.

1.1. Delimitação da análise.

É bastante comum que alguns estudiosos, por considerarem inconstitucional o corte no fornecimento em razão de atraso no pagamento – por violador da dignidade da pessoa –, estendam a pecha também à cobrança pela religação. Raciocinam da seguinte forma: inconstitucional o corte, mais inconstitucional ainda a cobrança pela religação do corte inconstitucional, ou seja, mais uma vez, a cobrança pela religação seria a máxima eficácia do hipoteticamente inconstitucional corte no fornecimento.

No entanto, conforme a legislação atinente à espécie, o corte do fornecimento de energia elétrica pode se dar por várias razões, entre elas a falta de pagamento da tarifa de energia elétrica. As hipóteses normativas que, uma vez realizadas no plano fático, importam no corte do fornecimento de energia, vêm taxativamente elencadas no art. 91 da Resolução n° 456/2000 da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, sendo elas: (i) o atraso no pagamento da fatura relativa a prestação do serviço público de energia elétrica; (ii) atraso no pagamento de encargos e serviços vinculados ao fornecimento de energia elétrica, prestados mediante autorização do consumidor; (iii) atraso no pagamento dos serviços cobráveis estabelecidos no art. 109; (iv) atraso no pagamento de prejuízos causados nas instalações da concessionária, cuja responsabilidade tenha sido imputada ao consumidor; (v) descumprimento das exigências estabelecidas nos arts. 17 e 31; (vi) o consumidor deixar de cumprir exigência estabelecida com base no disposto no parágrafo único do art. 102; (vii) quando encerrado o prazo informado pelo consumidor para o fornecimento provisório, nos termos do art. 111, não estiver atendido o que dispõe o art. 3°, para a ligação definitiva; (viii) impedimento ao acesso de empregados e prepostos da concessionária para fins de leitura e inspeções necessárias.

Assim, a presente observação se destina a registrar que, para se desvendar a natureza jurídica da cobrança em questão, deve-se afastar a análise das causas que determinam o corte do fornecimento, concentrando-a sobre os elementos que, em hipótese, autorizam a cobrança. É o que será visto a seguir. Cabe advertir, ainda, que o presente texto não pretende se pronunciar sobre a constitucionalidade do corte pela falta de pagamento. Aliás, e para alcançar a finalidade a que se propõe, nem precisaria fazê-lo, eis que ainda que o corte por falta de pagamento seja efetivamente inconstitucional (ainda não há pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a questão), persistiria a relevância da questão do custeio da religação do fornecimento interrompido por outras razões que não a inadimplência.


1.2. Confronto de posições

Antes de se iniciar a análise, é importante advertir sobre a existência de, basicamente, duas posições quanto à natureza jurídica da “taxa” de religação.

De um lado, as associações de defesa de consumidores, em regra, defendem a posição de que a cobrança pela religação teria natureza de cláusula penal, proporcionando enriquecimento indevido pelas concessionárias às custas dos consumidores de energia. Defende-se, ainda, que a previsão, nos contratos de fornecimento, da hipótese de tal cobrança consubstanciaria cláusula abusiva, nos moldes do art. 6°, IV, do Código de Defesa do Consumidor. Esses, por exemplo, foram os argumentos utilizados pelo Ministério Público do Estado do Mato Grosso para impugnar a cobrança da religação realizada pela concessionária Centrais Elétricas Matogrossensses S.A.

De outro lado, as concessionárias de distribuição de energia elétrica, a sua vez, argumentam que a atividade de religação demanda custos, que devem ser cobertos por contrapartida financeira, sob pena de desequilíbrio da equação econômico-financeira. Teria, assim, a natureza de preço.


1.3. Atividade de religação e o seu custeio

Antes de tudo, cumpre indagar o que, juridicamente, se entende por serviço público e por cláusula penal.


1.3.a. Serviço público e cláusula penal

Quanto à noção de serviço público, Celso Antônio Bandeira de Mello introduz o assunto avisando que “a noção de serviço público não é simples” e, ao depois, anuncia o seguinte conceito:

“Serviço Público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo”. [1]

Em palavras mais simples, pode-se dizer que serviço público é (a) a concatenação de atos materiais, (b) praticados pelo Estado ou por seus delegados, que se prestam a oferecer uma (c) utilidade fruível aos consumidores.

A esta noção é importante acrescentar que compete ao Estado, por meio das leis, estabelecer, com base em critérios políticos, quais serviços devem ser reputados públicos. Não existe, assim, uma atividade que seja ontologicamente pública. O que existe é o seguinte: entre as atividades econômicas praticadas na sociedade – conhecidas na doutrina por atividades econômicas em sentido amplo –, a lei aponta quais são as tidas por públicas. Entre as leis, a Constituição Federal é o diploma que define os serviços públicos prestados pelo Estado brasileiro.

É exatamente esta a lição de Eros Roberto Grau:

“Embora, como se viu, resulte sempre dificultosa a identificação desta ou daquela parcela de atividade econômica em sentido amplo como serviço público ou como atividade econômica em sentido estrito, hipóteses há nas quais o próprio texto constitucional eleva algumas delas à primeira categoria”. [2]

Visto o que se entende por serviço público, cabe indagar o que seja cláusula penal, que pertence aos estudos do Direito Civil. Na lição de Maria Helena Diniz, cláusula penal é: “Um pacto acessório pelo qual as próprias partes contratantes estipulam, de antemão, pena pecuniária ou não contra a parte infringente da obrigação, como conseqüência de sua inexecução culposa ou de seu retardamento, fixando, assim, o valor das perdas e danos e garantindo o exato cumprimento da obrigação principal”. [3]

Assim, vê-se que a cláusula penal é um negócio jurídico bilateral acessório a uma obrigação principal. Opera, apenas, em caso de inadimplemento relativo ou absoluto, conforme estabelecido pelas partes pactuantes. Conforme o art. 408 do Código Civil, uma vez descumprida a obrigação e estando pactuada a cláusula penal, o devedor nela incorre de pleno direito.


1. 3. b. Religação do fornecimento

A religação do fornecimento de energia pressupõe, por óbvio, a ocorrência da ligação e do subseqüente desligamento da unidade de consumo ao fornecimento de energia. A ligação se dá por meio do estabelecimento do contrato de adesão de fornecimento de energia elétrica. O desligamento, a sua vez, vale repetir, ocorre nas hipóteses previstas no art. 91 da Resolução ANEEL nº 456/2000, já mencionadas anteriormente.

O desligamento representa a suspensão do fornecimento de energia elétrica e encontra fundamento em atos do consumidor relacionados à prestação do serviço, entre eles o inadimplemento, o óbice imposto ao acesso de empregados da concessionária para fins de inspeções e leitura de medidor e o descumprimento de requisitos técnicos, como, por exemplo, o que se encontra no art. 17 da Resolução ANEEL n° 456/2000.

A religação ocorre depois de cessado o motivo da suspensão, conforme dispõe o art. 107 da Resolução ANEEL n° 456/2000, após a solicitação do consumidor.

Os atos materiais da religação consistem no seguinte: equipe de empregados da concessionária de energia elétrica comparece à unidade consumidora e realiza a sua religação à rede de energia.

De tal sorte, a operações de desligamento e de religação importa nos seguintes custos: (a) parcela do salário dos funcionários que executam a atividade (preço homem-hora), (b) o transporte até a unidade consumidora e (c) a logística envolvida na atividade.

Como se vê, tais fatores importam em custos, de fato, eis que os empregados devem ser remunerados para realizarem o serviço, devem existir automóveis para a realização do serviço, a gasolina do automóvel deve ser adquirida de forma onerosa e o setor de logística da concessionária deve coordenar as diligências.


1. 3. c. Cobrança pela religação não é cláusula penal

Configurado que a religação do fornecimento de energia elétrica importa em custos, resta afastar a sua cobrança do instituto da cláusula penal.

Ora, a cobrança da religação não se dá por cláusula penal pelo seguinte motivo: ela não é acessória a qualquer outra obrigação. Ela é, isto sim, principal, eis que toca única e exclusivamente à religação do fornecimento de energia elétrica, o que, só por si, já afasta a hipótese de sua causa constituir cláusula penal – a qual, como visto, é necessariamente acessória a uma obrigação principal.

Ademais, fosse a cobrança em questão cláusula penal, a obrigação respectiva já nasceria com a simples falta de pagamento das faturas de energia elétrica, prescindindo, inclusive, da ocorrência fática da religação. Isso, em verdade, não ocorre, já que a cobrança apenas se dá com a efetiva religação. A religação só opera a pedido do consumidor para a efetivação do serviço, ao passo que a cláusula penal opera de pleno direito.

Enfim, resta concluir que a cobrança não se dá por cláusula penal porque ela não consubstancia obrigação acessória, mas principal, e a sua causa é a religação do fornecimento, e não o inadimplemento da obrigação.


1. 3. d. Religação é serviço e a sua cobrança é preço

Assentado que a causa da cobrança da religação do fornecimento de energia não é cláusula penal, deve-se dizer que ela encontra fundamento, de fato, na prestação de um serviço público.

É que a atividade de religação é ínsita à prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica.

Além do mais, a religação consubstancia a (a) concatenação de atos materiais (o setor de logística agenda a operação, a equipe de campo se desloca até a unidade consumidora e realiza, através de equipamentos, a religação da unidade consumidora à rede de energia elétrica), (b) praticados por concessionário de serviço público, que se prestam a (c) oferecer uma utilidade fruível ao consumidor (religação do fornecimento de energia elétrica).

Não há, portanto, como apartar a causa da cobrança do conceito de serviço público. Lembre-se que a religação se afigura para o consumidor como uma utilidade fruível e, assim, é ele quem dela diretamente se beneficia.


1. 3. e . Cobrança individualizada pela religação

Deve-se esclarecer que o ressarcimento do custo desse serviço não deve ser repassado para a tarifa de energia elétrica. É que o serviço de religação apenas aproveita a um consumidor determinado (lembre-se, inclusive, que foi este consumidor, seja lá por qual razão, que deu causa ao desligamento), não se devendo onerar toda a coletividade, mas apenas o consumidor religado.

Nesse sentido, é importante observar que a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, quando das revisões tarifárias periódicas dos contratos de concessão de distribuição de energia, não considera, no cálculo de reposicionamento, os custos com o serviço de religamento. É que, para o órgão regulador, na linha do que aqui se defende, serviços específicos devem ser custeados por quem os demandou. Sobre o assunto, vale fazer referência ao conteúdo do item n° 66 da Nota Técnica n° 042/2003, da Superintendência de Regulação Econômica daquela autarquia. [4]

Portanto, a cobrança do preço pela realização do serviço de religação do fornecimento de energia elétrica deve ser imposta ao consumidor que deu causa ao desligamento, eis que é ele quem se beneficia da religação. Não deve ser repassada para a coletividade – eis que, aqui, não vigora o princípio da solidariedade (que tem aplicação, por exemplo, no direito previdenciário) –, nem para a concessionária, que se encontra amparada pelo equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.

Enfim, sendo a causa da cobrança do preço em questão a prestação de um serviço público, a primeira conclusão que salta aos olhos é a sua compatibilidade com as normas contidas no Código de Defesa do Consumidor, em especial com o seu art. 6°, X.

A cobrança do preço pelo serviço de religação, inclusive, guarda pertinência direta com o dispositivo acima indicado. Veja-se que a regulação da ANEEL determina que o prazo máximo para a execução do serviço são 48 horas, e, assim, para ser eficaz a sua prestação, deve o serviço ser devidamente remunerado.

Vale notar, inclusive, que a regulação da ANEEL permite a cobrança dos serviços apenas quando o concessionário realmente o preste concretamente aos seus consumidores, no modo como previsto, inclusive dentro do prazo de 48 horas (Resolução ANEEL n° 456/2000, art. 109, § 1°), o que torna absolutamente descabida a alegação de que teria contornos de cláusula penal.

Ademais, resta pontuar que a cobrança do preço não afronta os princípios da boa-fé e da eqüidade – e sim os prestigia, como visto–, tampouco a moralidade pública. Afrontar a boa-fé, a eqüidade e a moralidade pública significaria, em verdade, pretender imputar custos relativos a serviços prestados individualmente a toda uma coletividade.

De outra parte, dado o fato de a cobrança do preço representar a contrapartida financeira por serviço público de religação do fornecimento de energia, também não há que se falar em locupletamento por parte das concessionárias de serviço público.


1.4. Conclusões

Diante do que foi visto acima, hão de ser extraídas algumas conclusões, que seguem abaixo.

Em primeiro, observa-se que a atividade de religação do fornecimento de energia elétrica é serviço público, eis que é pressuposto da prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica e se materializa na concatenação de atos materiais praticados por concessionário de serviço público e que se prestam a oferecer uma utilidade fruível ao consumidor.

Em segundo, o concessionário de energia elétrica não se remunera da prestação da atividade de religação por meio da tarifa de energia elétrica.

Em terceiro, o concessionário de energia elétrica deve se remunerar da prestação do serviço público de religação por meio de tarifa autônoma.

Em quarto, caso a concessionária do fornecimento de energia elétrica não se remunere pela prestação do serviço de religação, poderá incorrer em desequilíbrio econômico e financeiro.

Em quinto, imputar a toda a coletividade custos de serviços prestados individualmente significaria subverter o regime de tarifas, eis que o consumidor pagaria por serviços que a ele não foram prestados, mas a outrem.



2. Competência para legislar sobre energia elétrica

A União Federal possui competência legislativa privativa para legislar sobre energia (CF/88, art. 22, IV). É um feixe de atribuições que integra visivelmente a concepção do federalismo dual, em que há a exclusão da interferência de qualquer ente federal, bem como dos Municípios, com o inevitável afastamento das regras do federalismo de equilíbrio ou de cooperação.

De outro giro, possui competência administrativa exclusiva de explorar os serviços e instalações de energia elétrica (CF/88, art. 21, XII, “a”). Na mesma linha, a União titulariza com exclusividade a exploração dos serviços e instalações de energia elétrica, podendo executá-lo diretamente ou por meio de concessão, permissão ou autorização.

A ANEEL, a sua vez, atua como delegada da União Federal (art. 3o da Lei 9.427/96), concedendo, permitindo e autorizando instalações e serviços de energia. Segundo a normatização atinente à espécie, compete-lhe ainda gerir os contratos de concessão (Lei 9.247/96, art. 3o, IV) e determinar sejam cumpridas suas cláusulas (Decreto 2.335/97, art. 4o, XV).

Compete à ANEEL, na qualidade de delegada do Poder Concedente (União), e com base em lei ordinária federal, estabelecer as condições de prestação do serviço de distribuição de energia elétrica. Fixa, assim, todas as cláusulas regulamentares da prestação do serviço.

Ao mesmo tempo, compete à ANEEL velar pelo respeito à intangibilidade do equilíbrio econômico-financeira avençada no contrato de concessão. Aliás, em se tratando de contrato de concessão, o concessionário tem basicamente duas espécies de direitos: (i) direito à realização de suas expectativas econômicas e (ii) direito a não ver alterado o objeto da concessão.

Assim, é de se dizer que qualquer interferência direta de Estados e Municípios sobre as cláusulas regulamentares de prestação do serviço, bem como sobre a equação econômico-financeira, padecerá de grave inconstitucionalidade, por afronta à competência privativa da União para legislar sobre energia e à competência exclusiva para explorar os seus serviços e instalações.

O Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 2.337/SC, relator Min. Celso de Mello) já teve a oportunidade de se manifestar sobre a interferência de Estados sobre os contratos de concessão de distribuição de energia elétrica, tendo se pronunciado pela inconstitucionalidade da interferência dos Estados na esfera das relações jurídico-contratuais estabelecidas entre o poder concedente (quando este for a União Federal ou o Município) e o concessionário.

Na hipótese considerada (Estados e Municípios dispondo normativamente sobre a tarifa de religação), não há que se falar em trato de matéria de interesse local, mas em interferência direta nas cláusulas regulamentares e na equação econômico-financeira de contrato de concessão.

Hipótese absolutamente diversa é a de Municípios disporem normas sobre o tempo de espera em filas de banco – que foi, inclusive, igualmente analisada pelo STF, RE 432.789/SC, relator Min. Eros Grau. Isso porque, nessa hipótese, o STF visualizou não haver qualquer interferência na atividade-fim das instituições bancárias, diferentemente do que ora ocorre com as tentativas de abolir a tarifa de religação. Por tal razão, reconheceu-se como constitucional a legislação municipal que dispõe sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias localizadas no seu respectivo território.

Resta evidente, portanto, que as tentativas de Estados e Municípios de disporem normativamente sobre a tarifa de religação – notadamente quanto a aboli-la – são inconstitucionais, por violarem o art. 22, IV, e o art. 21, XII, “a”, ambos da CF/88. Isso porque, vale repetir, a tentativa de dispor sobre tal cobrança se enquadraria como estabelecimento indevido das condições de prestação do serviço, com repercussão no equilíbrio econômico-financeiro das concessionárias de distribuição de energia.


[1] Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 14ª ed., p. 600.

[2] A Ordem Econômica na Constituição de 1988, Ed. Malheiros, 8ª edição.

[3] Código Civil Anotado, 3ª ed., p. 679 e 680.

[4] “66. No que diz respeito a outros itens de custos, não foram considerados na ER: i) serviços taxados (2ª via de fatura, inspeção comercial, cortes e religamentos, etc.), pois entende-se que esses serviços devem ser pagos pelos clientes que geram os respectivos custos à concessionária, mediante a cobrança de taxas específicas e, portanto, não devem ser incluídos na tarifa que pagam os clientes em condição regular”.

Sobre o(a) autor(a)
Luiz Eduardo Diniz Araujo
Procurador Federal – AGU. Em exercício na Agência Nacional de Energia Elétrica, em Brasília, de maio de 2003 a dezembro de 2004. Atualmente, é procurador-chefe do Serviço de Tribunais da Procuradoria Regional do Instituto...
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