Inovações constitucionais axiológicas e principiológicas
Trata das inovações axiológicas e principiológicas trazidas pela Constituição da República de 1988 em relação ao ordenamento jurídico anterior.
A Constituição Federal de 1988 se opôs às demais Constituições anteriores ao instituir um Estado Democrático e Social de Direito no País, consolidando e buscando efetivar as liberdades e garantias fundamentais. O processo de transição iniciado em 1985 e que se corporificou com a Lei Maior de 1988 inovou ao incluir na ordem jurídica nacional princípios antes nunca garantidos.
Percebe-se essas alterações já em seu preâmbulo, quando denota a função de Estado de assegurar “o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional com a solução pacífica das controvérsias”.
Sobre o sentimento que a advinda da Constituição proporcionou, Luís Roberto Barroso e Ana Paula Barcellos ensinam [1]:
A Constituição de 1988 foi o marco zero de um recomeço, da perspectiva de uma nova história. Sem as velhas utopias, sem certezas ambiciosas, com o caminho a ser feito ao andar. Mas com uma carga de esperança e um lastro de legitimidade sem precedentes, desde que tudo começou. E uma novidade. Tardiamente, o povo ingressou na trajetória política brasileira, como protagonista do processo, ao lado da velha aristocracia e da burguesia emergente.
O Constituinte deixou clara sua intenção de “outorgar aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda a ordem constitucional, inclusive (e especificamente) das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais” [2]. Da mesma forma, sem precedentes em nossa história constitucional o reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento de nosso Estado, servindo de critério e parâmetro de valoração para compreender e interpretar todo o sistema jurídico brasileiro.
Barroso e Barcellos afirmam que [3]:
a lei fundamental e seus princípios deram novo sentido e alcance ao direito civil, ao direito processual, ao direito penal, enfim, a todos demais ramos jurídicos. A efetividade da constituição é a base sobre a qual se desenvolveu, no Brasil, a nova interpretação constitucional.
Tendo como orientação interpretativa do ordenamento jurídico fundado no princípio da dignidade da pessoa humana e a prevalência dos princípios direitos humanos regendo as relações internacionais brasileiras, reiteram a vontade da Constituição em instituir um Estado Democrático de Direito, rompendo assim, definitivamente, com a ordem ditatorial vigente a partir de 1964, fazendo germinar um processo democrático no país.
Neste sentido Flávia Piovesan assevera que [4]:
a ordem constitucional de 1988 apresenta um duplo valor simbólico: é ela o marco jurídico da transição democrática, bem como da institucionalização dos direitos humanos no país. A Carta de 1988 representa a ruptura jurídica com o regime militar autoritário que perpetuou no Brasil de 1964 a 1985.
Ao consagrar expressamente o principio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito o Constituinte de 1988 “reconhece categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio de atividade estatal” [5], servindo de base fundamentadora não só para os direitos fundamentais mas para todo o ordenamento jurídico, faz com que esta seja considerado uma das maiores inovações da Constituição Federal de 1988.
Diante do exposto, percebe-se que o princípio da dignidade da pessoa humana “constitui, em verdade uma norma legitimadora de toda a ordem estatal e comunitária, demonstrando, em ultima análise, que a nossa Constituição é, acima de tudo, a Constituição da pessoa humana por excelência” [6].
[1] BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2 ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 329
[2] SARLET, Ingo Wofgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 61.
[3] BARROSO, Luís Roberto. Loc. cit. p. 229-230.
[4] PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo:Max Limonad,1998. p. 206.
[5] SARLET, Ingo Wofgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 65.
[6] SARLET, Ingo Wofgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 123