O papel do bacharel no período do Brasil colônia

O papel do bacharel no período do Brasil colônia

Analisa a formação do bacharel de direito no período do Brasil colônia, demonstrando entre outros sua contribuição no processo político e jurídico da época.

Introdução

O objetivo deste trabalho é analisar a formação do bacharel em direito no período do Brasil colônia, demonstrando entre outros sua contribuição no processo político e jurídico, para a formação do direito nacional, moldado sobretudo, pela concepção liberal vigente no início do século XIX. Concepção esta, propagada pelas revoluções americana e francesa que marcaram os ideais do movimento iluminista influenciador, portanto de um direito normatizado e positivista distanciado dos reais anseios da sociedade.

A preocupação com esta temática, surgiu desde o 1° semestre, com a leitura do texto de Roberto Lyra Filho, onde o direito natural surge como base de todo direito justo e sua aplicabilidade em face de vários contextos desde o Brasil colônia até os dias atuais, uma vez que o direito vem sendo desenvolvido no sentido de alcançar o seu real sentido conformando os anseios coletivos e sendo conformado por uma ampla realidade social, dissociada de meros interesses das classes dominantes como se concebe no Estado liberal.

Para se fundamentar este trabalho, apoiou-se nos trabalhos realizados por Roberto Lyra Filho (2001); por Wolkmer (2001); Adorno (1988) e Ihering (2001). Por compreender o direito como instrumento de transformação social e as ideologias, como espelho propagadores de dogmas fundamentais, dando ao direito uma amplitude negada pelo liberalismo do século XIX, que via no direito positivado o modo de perpetuação de uma classe dominante sob a égide de uma legalidade pura e imposta pelo Estado, num direito distante das reais necessidades das massas populares. E Wolkmer por trazer uma formação do bacharel desde o período do século XIX, tornando possível uma visão mais aclarada do surgimento e influência desses bacharéis na formação e desenvolvimento do direito brasileiro.

Inicialmente este trabalho trata da concepção do direito e o contexto histórico e surgimento das academias do direito brasileira, com a finalidade de formar bacharéis para elaboração do ordenamento jurídico necessário, além de propiciar pessoal capaz de exercer funções políticas e burocráticas de um Brasil pós-colônia.

 
Concepção de Direito

Fazendo-se uma análise crítica do vocábulo Direito, percebe-se a relevância do mesmo, pois, é possível de ser enquadrado em conceitos diversos a depender de como é utilizado, seja como: Direito, justiça, lei. O tema reúne aspectos fundamentais os quais sendo visualizados à luz das várias ideologias reflete a sua importância para a sociedade. Dentre tais ideologias destacam-se o Direito natural e o Direito positivo, os quais correspondem às concepções Jusnaturalista e Positivista do Direito. Esta vê o Direito como ordem estabelecida, aquela como ordem justa. O Estado é o guardião das leis que ele próprio produz no afã de resguardar os direitos das classes dominantes, as quais pelo poder econômico exercem e controlam o Estado na busca de seus objetivos. Percebe-se que neste caso a lei não é um Direito autêntico, legítimo e indiscutível, para LYRA FILHO (2000). “ A legislação abrange em maior ou menor grau, Direito e Antidireito: isto é direito propriamente dito, reto e correto, e negação do direito, entortado pelos interesses classísticos e continuistas do poder estabelecido”.(p.8).

Partindo da distinção entre Direito e lei, percebe-se que o Estado nos passa uma idéia de um Direito para todos, que seus olhos estão sobre todos da mesma forma, sendo esta atuação respaldada pelas normas jurídicas e, que nada está acima da lei. No entanto a socialização da propriedade não nos trouxe uma completa transformação social. O Estado funciona antes como um manipulador das massas em defesa dos direitos das classes dominantes. O que não é um direito justo. Isto é percebido claramente nos governos que seguem uma política neoliberal, os quais em defesa das elites e detentores do capital, tomam medidas drásticas contra o povo, mudando a lei de acordo a conveniência destas e insurgindo-se contra toda e qualquer mudança por parte dos oprimidos que tentem alguma forma de reestruturação social, ainda que por meios pacíficos.

A lei deve expressar o direito de um povo e o Estado democrático aplicar as leis para construção de uma sociedade justa e igualitária.


Conforme LYRA O Direito autêntico e global não pode ser isolado em campos de concentração legislativa, pois, indica os princípios e normas libertadores, considerando a lei um simples acidente, no processo jurídico e que pode ou não transporta as melhores conquistas.

Numa sociedade em que o Estado preza pela democracia, pelos direitos humanos; pela igualdade e justiça social, a lei toma outra conotação de Direito, as classes sociais tendem a aproximar-se, desfazendo-se o abismo que normalmente as separam, das políticas neoliberais fortalecendo-se os institutos, os partidos políticos os sindicatos e sobre tudo dissipando as diferenças.

Já nos regimes ditatoriais, o povo geme por não ter direito a expressão de sua vontade, neste caso, a lei assume a forma de direito e se impõe como pura legalidade, tornando-se apenas numa forma de dominação, excluindo a população e negando-lhe os direitos individuais, neste caso o Estado fundamenta-se apenas em dogmas que lhe servem como estrutura. Conforme o autor, “Não há verdadeiro estabelecimento dos direitos humanos, sem o fim da exploração; não há fim verdadeiro da exploração sem o estabelecimento dos direitos humanos”.

Nesta perspectiva, o Direito nasce da necessidade de se legitimar o Estado e estabelecer mecanismos de sustentação para o mesmo, criando a lei para regular suas ações e impor-se aos indivíduos como um poder de mando, como governo e dominação. No entanto, a idéia de uma sociedade baseada na verdadeira justiça, devem ser perseguida. Na visão de IHERING (2001).“A luta do direito é a luta de povos, de governos de classes, de indivíduos”. Logo o Direito requer sentido mais amplo, que não pode ser aprisionado numa concepção de pura legalidade e imposição Estatal.(p.27).

 
Contexto Histórico

O período compreende metade do século XIX a início do século XX, sob a influência do movimento iluminista, num contexto de movimentos políticos emancipatórios e na formação jurídica do Estado, no Brasil pós-colonial até o início do império. Os principais aspectos da estrutura política do império surgeria uma contradição entre a democracia liberal e o exercício autoritário e aristocrático do poder.

As tensões entre Patrimonialismo e Liberalismo são marcantes nas lutas partidárias entre conservadores liberais moderados e liberais exaltados. O liberalismo fundamentou ideologias que superaram o estatuto colonial, e os movimentos emancipatórios não partiram somente das classes dominantes, mas também dos estratos de baixo escalão social. As idéias liberais abstratas não convenciam o povo e a democracia era associada à anarquia.

Na primeira metade do século XIX, o Brasil vive os conflitos de raça, cultura e classes: a luta dos negros pela libertação, o movimento dos latifundiários por terras regularizadas e as várias ocorrências de rebeliões sociais e populares, mostram os pressupostos liberais pela democracia, contudo as lutas liberais não ameaçavam o patrimônio familiar. A pátria esperava que os homens livres combatessem o despotismo em nome das liberdades individuais e da igualdade que nunca se concretizava. Havia uma contradição do liberalismo implantado no Brasil, pois a organização política-partidaria idealizado pelo império impedia o avanço das conquistas democrática, uma vez que, os partidos políticos eram formados por facções políticas, contudo, com a criação do partido liberal, houve um relativo avanço na organização político-partidária que embora oferecesse oposição ao governo, jamais se tornou um veículo de mobilização social, em virtude de não reivindicar as aspirações dos grupos rurais e urbanos, destituídos de propriedade.

Com o advento do partido conservador, acentua-se o movimento de supressão das conquistas liberais, pois durante o império a luta político-partidária manteve-se separada dos propósitos democráticos, pois tanto liberais como conservadores evitavam discutir a ampliação na participação política das camadas populares, com receio de revolta popular e convulsão social. As facções políticas construtoras do Estado brasileiro, embora influenciadas pelos dogmas do liberalismo europeu, não praticavam genuinamente aquele liberalismo, mas uma espécie paradoxal de liberalismo conservador de natureza patrimonialista e escravocrata.

 
Surgimento das academias de direito no Brasil

Nesse período surge a figura do bacharel de direito privilegiado pelo liberalismo como político profissional, cujo objetivo era a ascensão ao poder para defender os interesses das classes dominantes. Percebe-se na sociedade brasileira no início do século XIX a dominação tradicional administrativa e jurídica, que impediu o desencadeamento histórico da democracia na sociedade brasileira.

Na primeira metade do século XIX, ocorre a criação dos cursos jurídicos do Brasil, nesse período, os princípios liberais prevaleciam sobre os princípios democráticos e tentavam expulsar as forças democráticas progressistas do âmbito institucional e assim concretizava-se a extensão progressiva do controle burocrático sobre as atividades do estado, tendo como objetivo domesticar a oposição política para conservação do poder.

A formação de um Estado de Magistrado, como denominava Wolkmer, o bacharel era peça fundamental para rearticular as alianças entre os grupos sociais, surge e com ele a criação de uma “inteligência” profissional liberal, os magistrados acabam por assumir os órgãos centrais e regionais de governo (judiciário, executivo e até mesmo no legislativo).

Entre 1836-1855, São Paulo passava por uma estagnação urbanística não havia plano de arruamento, calçamento e nem iluminação pública, tão pouco havia alimentos com qualidade, refletindo a precariedade em que o município de São Paulo se encontrava. Porém, São Paulo vivia às expensas da vida acadêmicas, pois frente a um panorama à primeira vista estagnado, a academia de direito de São Paulo constituí-se como um pólo de mudanças sociais.

Os bacharéis detinham poder, prestigio e privilégios na sociedade paulista, em virtude de suas habilidades para a administração do Estado e nesse período iniciou-se uma discussão em 1823 pelo deputado José Feliciano F. Pinheiro a respeito da criação de uma universidade nacional independente das universidades européias, sobre tudo de Coimbra.

Devido à regionalização e o bairrismo dos legisladores houveram diversas discussões a respeito da instalação da Universidade de Direito. Alguns defendiam a localização na Bahia, São Paulo entre outros municípios. Após intenso debates até mesmo referente a didática do curso, foi determinado pelo Ministério dos Negócios do Império, a criação de um curso provisório na Corte. Porém, este não chegou a ser executado. Com o fim das discussões, definiram pela instalação de dois cursos jurídicos, um em São Paulo e outro em Olinda, aprovado em 31 de Agosto de 1826 pela Assembléia Geral Legislativa e convertido em lei, a 11 de Agosto de 1827.

As primeiras academias de formação jurídica no Brasil não possuíam método de ensino, currículo apropriado e professores qualificados. A literatura existente sobre o ensino jurídico, era escassa e o ambiente de aprendizado ocorria fora das salas de aula, devido o formalismo das instituições.

A ausência de espírito científico e doutrinário, marcou decisivamente o processo de ensino-aprendizagem na academia de direito de São Paulo, caracterizado pela formação de políticos profissionais e não jurisconsultos e magistrados. A prática intelectual não constituía atividade principal, sugerindo a complexidade das relações entre a pratica educacional e a produção do conhecimento. Embora a academia de direito paulista não tenha recrutado os grandes doutrinadores jurídicos, ela foi celeiro de parcela expressiva da inteligência brasileira e dos principais dirigentes políticos dessa sociedade.

No final do século XIX, as profundas modificações na estrutura social da sociedade brasileira encontram resistência na academia paulista, indicando que o ensino aprendizagem tinha pouca afinidade com as causas populares.

As permanentes críticas dirigidas contra a má qualidade de ensino e contra a própria habitação do corpo docente, sugerem que a profissionalização do bacharel se operou fora do contexto das relações didáticas estabelecidas entre o corpo docente e o corpo discente, a despeito das doutrinas jurídicas difundidas em sala de aula. Não houve na sociedade brasileira, articulação entre produção de conhecimento e a produção de bens materiais, porquanto a educação brasileira limitava-se à distribuição de status. O direito era material e não processual. A escasses do corpo docente e a falta de didática do mesmo, provocando desinteresse e gerava manifestações.

A reforma do ensino livre acentuava ainda mais as contradições, ao propor mais rigor nos exames. A concorrência deveria encarregar-se de promover a seleção natural dos bacharéis, possibilitando que só os melhores sobrevivessem, o que não ocorreu, pois, a reforma aumentou as contradições, expulsando os alunos das salas de aula, por causa da rigidez, levando-as a comprar as frequências sem participar das aulas, e devido às rígidas argüições, a quantidade de formandos era bastante reduzida, pela desistência de muitos.

A formação do bacharel em direito em São Paulo não se consentrou nas atividades curriculares nem no processo de ensino-aprendizagem das doutrinas jurídicas, mas nos debates e no jornalismo literário e político, nas associações estudantis, onde participavam de debates sobre assuntos nacionais, locais e cotidiano, além daqueles pertinentes à academia, nesse local realizavam companhias, faziam alianças políticas e partidárias e de maneira burocrática e formal mantinham uma distribuição de funções e cargos para tratar de assuntos acadêmicos e políticos.

Como instrumento de propaganda, esses institutos e associações, utilizavam-se da imprensa escrita e através de periódicos movimentavam as lutas políticas na academia, contribuindo na formação cultural e intelectual do bacharel, destacando-os na vida pública, na política e literatura.

A produção, literária na vida acadêmica, possibilitou o surgimento dos primeiros advogados da causa democrática das liberdades civis do abolicionismo e do republicanismo como também institucionalizou estética literária dando aos estudantes uma vida acadêmica voltada expressivamente para a música, teatro, literatura e principalmente para o jornalismo uma parcela expressiva dos bacharéis era oriundo do campo, mantendo forte associação familiar com a propriedade rural e a monocultura escravista, guardando consigo íntima solidariedade com as estruturas de poder e agiam através do proselitismo das letras, promovendo a homogeneização dos estratos sociais de que eram originárias. Os seus conhecimentos lhes serviram para ocupar posições de liderança na estrutura do poder político.

A vida acadêmica paulista foi moldada nos fundamentos histórico do liberalismo, representando uma difícil síntese entre os princípios de liberdade, igualdade, propriedade e segurança. Sendo o liberalismo a única expressão ideológica no interior da academia de direito de São Paulo, onde conheceu o liberalismo clássico e o cienticista e as correntes mais radicais do conservadorismo, vivendo eternos conflitos entre os princípios liberais e democráticos, aprendendo a colocar a segurança e as liberdades individuais acima de qualquer condição de igualdade.

Fontes estrangeiras serviram para influenciar a importação de modelos de pensamentos políticos e filosóficos, europeus e americano, sendo pois, ajustados às condições histórico-sociais dominantes na sociedade brasileira, como o iluminismo francês e a monarquia constitucional inglesa que serviram de modelo da forma de governo que se pretendia implantar na sociedade brasileira, insurgindo-se contra o absolutismo e fortalecendo a nacionalização


Conclusão

O presente trabalho, teve por escopo fazer uma exposição concisa, porém bem embasada da formação e desenvolvimento do ordenamento jurídico brasileiro, analisando este dentro de um contexto histórico do início do século XIX ao final do século XX. Marcadamente a concepção de direito nasce sob um prisma ideológico revertido de um politivismo exacerbado produzido por uma realidade marcadapela emergência de uma burguesia capitalista e liberal como classe política dominante. Neste aspecto percebe-se uma nítida dissociação entre Direito e os reais anseios sociais uma vez que as normas jurídicas nascem para legitimar o Estado a exercer seu poder de mando e dominação.

Com efeito, a realidade brasileira flui de um contexto histórico marcado pela influencia do movimento iluminista, por movimentos políticos emancipatórios e por um patrimonialismo escravista num Brasil marcado pelo exercício autoritário e aristocrático do poder.

As academias surgidas em São Paulo e Olinda nascem desprovidas de espírito científico e doutrinário produzindo a formação de bacharéis não qualificados nas doutrinas jurídicas, entretanto, direcionados ao jornalismo literário e político que levou ao surgimento de uma classe voltada aos anseios da democracia e liberdade civil, porém sempre distante das causas sociais.

Urge, portanto, a busca de um direito realmente voltado para a realidade social, uma vez que historicamente o Brasil é fruto da realização de interesses dominantes. A origem e formação da ordem jurídica nacional demonstram o quanto se faz necessário um direito surgido e voltado para interesses da coletividade conformando e sendo conformado para se atingir uma justiça que alcance o bem comum.

Referências Bibliográficas:

FILHO, Roberto Lyra: Direito e lei: IN: O Que é Direito?. São Paulo. Brasiliense, 1982, p. 7 a 10, 25 e 26.

IHERING, Rudolf Von: Capitulo I : IN: A luta pelo direito. São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 27.

WOLKMER, Antonio Carlos: Horizontes ideológicos da cultura jurídica brasileira: IN: História do direito no Brasil. São Paulo. Saraiva, 2001, p. 105 a 145.

ABREU, Sérgio França Adorno de: A Academia de São Paulo no projeto de construção do Estado Nacional. IN: Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 77 e 89.

WOLKMER, Antonio Carlos: Principais escolas do pensamento jurídico crítico. IN: Introdução ao Pensamento crítico jurídico. São Paulo. Saraiva, 2001, p. 32 a 76.

Sobre o(a) autor(a)
Lemoel Eustaquio dos Santos
Estudante de Direito
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