Excesso de velocidade e multa de trânsito: comentários à Lei nº 11.334/2006

Excesso de velocidade e multa de trânsito: comentários à Lei nº 11.334/2006

Análise da Lei 11.334/2006, que alterou o disposto no art. 218 e seus incisos do CTB e abrandou os valores das multas de trânsito por excesso de velocidade.

A Lei Nº 11.334, de 25.07.2006, que reduziu os valores das multas de trânsito por excesso de velocidade continua causando polêmica. Isto já era esperado. É a primeira alteração feita no texto no atual Código Trânsito Brasileiro – CTB e toda mudança traz consigo discussão e manifestações de contrariedade.

Além disso, o CTB tem apenas oito anos de vigência. É, portanto, uma lei recente, moderna e comprometida com a segurança no trânsito, fato que explica a preocupação de se preservar sua integridade normativa. Daí a reação, principalmente, das autoridades de trânsito, que se manifestaram contrárias à redução dos valores das multas.

Embora no caso em exame não se possa concordar com as mesmas, é compreensível a posição sempre mais conservadora das autoridades de trânsito. Para estas, os novos valores reduzidos das multas poderão motivar os motoristas a conduzir seus veículos com mais velocidade e a serem mais imprudentes nas rodovias. E isto poderá levar a mais acidentes e mais feridos e mortos nas estradas e vias públicas.

A nova lei alterou o disposto no art. 218 e seus incisos do CTB, que trata das infrações de trânsito por excesso de velocidade. A infração ali prevista foi uniformizada quanto ao espaço viário de cometimento. Foi abandonado o discutível critério seletivo de punir mais severamente o excesso de velocidade praticado em rodovias, vias de trânsito rápido e em vias arteriais e, de forma mais branda, em outras vias. A lei já não faz mais distinção, para fins de penalidade administrativa, entre estas vias de trânsito rápido e as demais vias terrestres (ruas, avenidas, etc). Agora, o motorista imprudente por excesso de velocidade será penalizado com a mesma carga punitiva, independentemente do tipo de via em estiver trafegando.

Consideramos acertado o ajuste pontual inserido no CTB. Ao penalizar esse tipo de infração de forma mais branda, quando cometido nas vias urbanas e rurais (ruas, avenidas, praças etc.), o texto original do CTB havia invertido sua escala de medida de desvalor para reprimir a conduta infracional representada pelo excesso de velocidade. A nosso ver, este tipo de infração parece mais grave e, portanto, dotado de maior carga de desvalor quando praticado nas vias urbanas. E o CTB havia considerado justamente o contrário.

No mínimo, devemos admitir que, para o fim de proteção do bem jurídico - a segurança no trânsito - o excesso de velocidade, em termos gerais, assume o mesmo grau de desvalor seja em rodovias, seja nas demais vias de tráfego terrestre. Daí o acerto da nova lei modificadora, que desconsidera o tipo de via terrestre para o fim de reprimir administrativamente o excesso de velocidade.

A lei em exame unificou o tipo básico em relação ao espaço do seu cometimento, mas acabou desdobrando a conduta típica em três níveis de gravidade, em função do percentual do excesso. Antes, eram considerados apenas dois níveis. O tratamento normativo da velocidade proibida ficou mais racional e justo, prevendo três graus de velocidade e, em conseqüência, sancionada pelo CTB.

Com a nova lei, se o excesso de velocidade ficar em até 20% acima do limite permitido, a infração será considerada média e o valor da multa será de R$ 85,13 (antes, a infração seria grave, com valor de R$ 127,69). Temos, agora, uma modalidade típica mais branda, descrita no inciso I, do art. 218. Tratando-se de lei nova mais favorável (lex mitior), deve ser aplicada aos casos anteriores, pois é dotada da eficácia intertemporal da regra da retroatividade.

A segunda modalidade típica ocorre quando a velocidade for superior à máxima em mais de 20% até 50%, caraterizando uma infração grave. Neste caso, o valor da multa será de R$ 127,69. A alteração abrandou o controle administrativo ao transformar uma conduta antes tipificada como gravíssima em infração grave, com a conseqüente e significativa redução da sanção pecuniária. Também, aqui estamos diante de norma jurídica mais favorável e, portanto, de eficácia retroativa.

Por fim, somente quando houver excesso superior a 50% da velocidade máxima permitida é que a infração será gravíssima. O valor da penalidade será de R$ 574,62 (igual ao valor anterior), acrescida da suspensão imediata do direito de dirigir e apreensão do documento de habilitação (inciso III). A nova lei abrandou o controle repressivo, pois antes bastava ultrapassar a velocidade máxima em mais de 20% para que a infração fosse considerada gravíssima. Agora, isto só ocorre com excesso acima de 50% do limite permitido.

No regime da lei anterior, por exemplo, na hipótese muito comum de velocidade máxima de 80 km/h, quem fosse autuado dirigindo a 100 km/h estaria praticando uma infração gravíssima e seria penalizado com a pesada multa, além da séria restrição ao direito de dirigir. Com a alteração legislativa, esta será considerada agora uma infração grave, o que nos parece mas coerente com a atual realidade viária e automobilística brasileira. É preciso admitir que, nas rodovias asfaltadas e com boas condições de tráfego, a velocidade máxima de 80 km/h revela-se muito rigorosa e divorciada da atual realidade sóciojurídica.

Mas, ao mesmo tempo, a nova lei também agravou a situação do infrator, ao estabelecer que a suspensão será imediata, com a conseqüente apreensão do documento de habilitação. Embora a norma não seja explícita, deve-se entender que esta última medida será aplicada pela autoridade competente de conformidade com o procedimento previsto no art. 281 e segs. do CTB e com observância das regras do devido processo legal.

No caso de auto de infração lavrado na presença do infrator, não creio que o agente do poder público tenha competência para suspender o direito dirigir e apreender o documento de habilitação, no momento da autuação e antes do devido processo administrativo. Na ausência do infrator, é claro que o mesmo deve ser notificado do auto de infração para apresentar sua defesa. Só após é que a autoridade de trânsito poderá aplicar as referidas penalidades, juntamente com a pena pecuniária. Se assim é, o mesmo procedimento deve ser observado no caso de autuação na presença do infrator.

Não cremos que a nova lei possa ser fator de mais imprudência e infrações às normas do CTB. Dificilmente, os valores mais baixos para as multas constituirão, a partir de agora, fator de mais velocidade e de mais acidentes e insegurança no trânsito. E isto por razões que, a meu ver, justificam a própria razão da nova lei.

Em relação ao padrão financeiro médio de nossos motoristas, é preciso reconhecer que o atual CTB adotou valores bastante elevados na escala das multas por infração às normas do trânsito. Há multas, Código, que podem alcançar o valor de um mil reais. No caso de excesso de velocidade, conforme já vimos, o valor da multa era e continua sendo de R$ 574,62, acrescida da suspensão do direito de dirigir e agora, também, da apreensão do documento. Entendemos ser uma penalidade rigorosa, principalmente se considerarmos a velocidade máxima de 80 km/h prevista para a maior parte das rodovias e vias de trânsito rápido.

Na verdade, parece que nossas autoridades de trânsito não se deram conta das mudanças na melhoria de nossas estradas – hoje, na maior parte, asfaltadas – e do avanço tecnológico, responsável por veículos bem mais seguros. Alheias a tudo isto e em nome de uma fictícia segurança no trânsito, mas sem perceber que a sociedade automobilística é, inevitavelmente, uma sociedade de risco, nossas autoridades nos obrigam a conviver os mesmos parâmetros de velocidade máxima praticados nos anos de 1960. Isto faz com que os limites sejam freqüentemente ultrapassados e revela o rigor do CTB que, na contramão da modernidade e do avanço tecnológico, fixa marcos de velocidade máxima extremamente conservadores.

Com isto a lei banaliza a imprudência e, ela própria, pelo conservadorismo das autoridades de trânsito, acaba sendo fator gerador de infrações de trânsito, pois intervém numa faixa de velocidade que poderia ficar à margem do rótulo infracional. Todos sabemos que, nas rodovias asfaltadas e com boas condições de tráfego, grande parte dos motoristas trafegam em velocidade acima da conservadora marca dos 80 km/h.

Sabemos, também, que mais importante para a segurança no trânsito não é somente o estabelecimento formal de um limite máximo permitido mas, principalmente, a velocidade compatível com as condições da rodovia, do local e do veículo. No entanto, esta velocidade compatível com as condições efetivas de tráfego depende muito mais do grau de consciência do motorista e, também, da intensa e séria fiscalização do tráfego viário.

Não somente para autuar e penalizar, mas também para educar e conscientizar. No entanto, o que se verifica é a ausência dos órgãos fiscalizadores de trânsito em nossas rodovias e vias públicas. O mais grave é que a ausência de controle alcança, também, os motoristas mais imprudentes e perigosos, que trafegam em velocidades disparadamente acima do limite máximo permitido.

Outro argumento em favor do controle mais brando e racional estabelecido pela nova lei repousa no fato de que vale muito mais sua efetiva aplicação como norma de natureza controladora ou repressiva do que um eventual maior rigor de sua penalidade. Não devemos esquecer que esta é uma proposição já formulada por Montesquieu e, posteriormente, retomada por César Beccaria e que ainda continua sendo um princípio seguramente válido da Política Criminal contemporânea.

Assim, se houver maior fiscalização e maior efetividade na apuração das infrações e conseqüente aplicação de multas por excesso de velocidade – agora, devidamente racionalizadas em seus valores sancionatórios e unificadas em seus espaços viários de cometimento - o poder público estará estimulando motoristas imprudentes a tirar o pé do acelerador, independentemente do valor a ser pago pela multa de trânsito. Pois este, seguramente, é um tipo de infração onde o que vale mesmo é a fiscalização operada por uma polícia ética e tecnicamente preparada.

Se assim acontecer, cremos que a nova lei poderá contribuir para que tenhamos um pouco mais de segurança no trânsito.

Sobre o(a) autor(a)
João José Leal
Doutor-Livre Docente em Direito Penal - UGF/FURB. Professor do Curso de PósGraduação em Ciência Jurídica - CPCJ/UNIVALI. Ex-Procurador Geral de Justiça de SC e ex-Diretor do CCJ/FURB. Associado do IBCCrim e da AIDP.
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