Loterias e bingos

Loterias e bingos

A evolução legislativa da atividade de loteria no Brasil, analisando-se desde a Lei de Contravenções Penais até a Medida Provisória nº 168, de 20 de Fevereiro de 2004. Análise fática das mudanças ocorridas e das tendências governamentais para o tema.

E m um Estado Democrático de Direito prevalece o Princípio da Legalidade, que reflete a possibilidade do particular fazer ou deixar de fazer alguma coisa que não lhe seja vedado pela lei.

Com o advento da Lei de Contravenções Penais, a regra no direito brasileiro é da proibição da promoção e extração de loteria, sem autorização legal.

Destaca-se que a atividade de exploração de loterias é considerada como serviço público – por definição legal. Um dos primeiros decretos a regular a matéria de loteria foi Decreto-Lei 6.259/44, o qual autoriza o serviço de loterias, atribuindo a competência de concessão à União e aos Estados. Todavia, pelo Decreto-Lei 204/67, a atribuição é transformada em exclusiva da União.

Somente com o advento da Lei 8.672, de 06/07/1993, conhecida como “lei Zico” – Decreto regulamentador nº 981, de 11/11/1993 – é que surge no plano federal as loterias de bingo, destinadas a angariar recursos para o fomento desportivo. Pelo art. 57 desta lei, exigia-se que as entidades de prática desportivas fossem filiadas a uma entidade de administração do desporto em pelo menos três modalidades desportiva. A promulgação da Lei 9.615 de 1998, legislação conhecida como “lei Pelé” revoga a “lei Zico”, permitindo, entre outros, os jogos de bingo eletrônico.

Segundo a lei Pelé – art. 60, §1º – “considera-se bingo aquele realizado em salas próprias, com utilização de processo de extração isento de contato humano e que ofereça prêmios exclusivamente em dinheiro”. Ainda, por disposição deste artigo, a exploração da atividade guardava vínculo com as entidades de administração e de prática desportiva. Todavia, a prática demonstra, o desvirtuamento da atividade, verificando-se o exercício de ilícitos. Ademais, por esta lei, é dada às entidades de prática desportiva a responsabilidade de terem a capacidade de se autofinanciar através do Bingo. Veja-se que a qualificação do bingo nas referidas leis é dada como espécie de loteria.

Os anos subseqüentes à promulgação desta lei foram marcados por denúncias envolvendo a prática de ilícitos tanto no arrendamento quanto na destinação dos recursos. Em razão dos sucessivos acontecimentos, há a necessidade da reformulação da lei, e o legislador elabora, então, a Lei 9.981, de 14/07/2000, expressamente revogando os arts. 59 a 81 da Lei 9.615/98 - exatamente as normas que disciplinavam a exploração do jogo de bingo. Assim, não existindo mais amparo legal aos jogos de bingos, estes caracterizam a conduta como ilícito contravencional.

Tento em vista a lei proibitiva e a pressão política que o Governo Federal vinha sofrendo, edita Medida Provisória nº 2216-37, de 31/08/2001, re-autorizando a exploração da atividade de bingo eletrônico no Brasil, possibilitando, então, a reabertura dos bingos bem como retirando a exploração destas das entidades de administração e de prática desportiva, remetendo tal competência à Caixa Econômica Federal e ainda consagrando a atividade como serviço público de competência da União.

Curioso é que a execução do serviço de bingos, segundo a MP referida, deveria ser regulada nos termos do respectivo regulamento, qual seja a Lei 9615/98, decreto regulamentador da lei. Portanto lacunoso se torna este pretenso direito. Pois, se os artigos que normatizavam tal exploração restarão revogados, por conseqüência, a execução desta exploração vê-se inviabilizada.

Todavia, abertos os bingos e sem as devidas fiscalizações, eventuais ilícitos ocorreram, atentando contra o patrimônio dos apostadores, sem falar na possibilidade de manipulação das máquinas eletrônicas. E neste caminho, com as especulações junto ao governo, com destaque ao caso envolvendo, segundo a imprensa, Waldomiro Diniz, manifestações surgiram no sentido de que os bingos seriam os meios utilizados para que as fraudes ocorressem.

Dessarte, de um lado pressão política, de outro pressão popular, o Governo Federal utiliza o meio mais rápido – talvez o menos acertado – para a promulgação de uma norma, qual seja, a Medida Provisória nº 168, de 20/02/2004, proibindo “definitivamente” os jogos de bingos bem como os jogos em máquinas eletrônicas, “caça-níqueis”.

Mais uma vez uma medida precipitada faz com que o Estado Maior não consolide seus objetivos, pois, novamente pressionado, agora pelo Congresso Nacional, este derruba a urgência e relevância da Medida Provisória, votando pelo seu arquivamento.

Com este ato do Congresso Nacional, os bingos não poderiam funcionar. Somente podendo funcionar se fosse editada nova lei federal. Com base nas competências e nas revogações citadas, seria da União a competência normativa de regulamentação e concessão do serviço de loterias, neste sentido, poderiam os estados-membros editarem leis acerca da matéria?

Certo é que do ponto de vista lexical, não há qualquer duvida da caracterização do bingo como modalidade lotérica. Sem contar que as legislações federais e estaduais assim o qualificam. Por serem loterias, nada impede a sua regulamentação e exploração pelos estados-membros. Assentado que os jogos de bingo constituem espécie do gênero loterias, não se pode negar que os estados possuem competência constitucional para autorizar a realização destes jogos.

Hoje pouco se fala das questões acima, quem sabe por se querer que tais caiam no esquecimento. Resta que muito em breve novidades acerca das loterias surgirão, sendo isto claro e evidente. Ainda mais, pelas declarações do atual Ministro do Esporte, o qual informou em programa televisivo que a “lei Pelé” será novamente alterada, trazendo novidades acerca das loterias. Muito provavelmente cartelas, estilo “tele-senas” com os brasões dos clubes de futebol!

Percebe-se que a novela das loterias e dos bingos está longe de ser finalizada, pois a cada novo capítulo fica-se cada vez mais surpreso, esperando que “alguém” escreva a letra final da Lei que permita ou não o funcionamento dos bingos e que regule a matéria apresentada. Não cabe discutir se a abertura dos bingos e vantajosa ou não, ou se as mudanças das loterias serão positivas ou negativas. O que cabe, como dever moral, é reivindicar a aplicação do Princípio Constitucional da Segurança Jurídica, pois nem o governo, nem os empresários e muito menos os cidadãos podem ficar adstritos ao casuísmo e restritos aos pontos do ibope governamental.

Sobre o(a) autor(a)
Marcel Nascimento Faigle
Estudante de Direito
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