Feminismo jurídico e a violência contra mulher no âmbito cibernético

Feminismo jurídico e a violência contra mulher no âmbito cibernético

Análise sobre feminismo jurídico e a violência contra mulher no âmbito cibernético.

Devemos começar pontuando o que é o termo "feminismo jurídico", nem sempre muito conhecido ou citado. A teoria feminista do direito não visa obter um tratamento jurídico igualitário entre os gêneros ou, mesmo, uma proteção social maior para a mulher, uma busca por "privilégios", colocando-a em uma posição de fragilidade. O objetivo é realizar uma profunda reflexão e transformação desde as bases do Direito com a finalidade de promover a igualdade entre os gêneros. A movimentação para atingir este termo na prática deve iniciar com os próprios operadores do Direito, por meio de produção acadêmica, capacitação e conscientização de outros operadores, o que exige um estudo continuado para aperfeiçoamento, inclusive, no âmbito cibernético. 

A busca por igualdade relaciona-se ao ideal de justiça que é tão perseguido pelo Direito. Deve-se ressaltar que o movimento feminista carrega consigo várias vertentes, cada qual com uma visão diferente e adotando conceitos próprios, o que mostra a sua amplitude. O que não quer dizer que todas as correntes necessariamente irão interagir com o Direito, lembrando também que, todas as vertentes tiveram conquistas importantes em algum momento, mas não precisamos segui-las à risca, podemos montar nossa visão com um pouco de cada e adaptar no âmbito jurídico e político de forma a conquistar a tão deseja igualdade dos gêneros.

O feminismo jurídico também aponta para a seguinte reflexão: qual o ponto de vista das mulheres frente a um Direito pautado na sociedade patriarcal? Este questionamento demonstra, mais do que a ausência do ponto de vista, a não ocupação de um espaço que permitisse a sua elaboração, seja no espaço jurídico ou legislativo (político). Além disso, se nunca antes foi dada a possibilidade de constituí-lo ou de pensar a respeito, de qual igualdade estamos tratando de fato?

Feminismo jurídico é uma mudança de dentro para fora do sistema através de mulheres que tomam frente em seus cargos para luta pela igualdade dos gêneros, sendo a principal, mais espaços dentro do cenário jurídico e legislativo, para que tenhamos a equiparação necessária. Levando em consideração que por anos o judiciário e a política foram os que mais criaram desigualdade, hoje eles se fazem essenciais nessa luta. A associação dos Juízes Federais do Brasil demonstrou que as mulheres ocupam apenas 1/3 dos cargos de juízes em primeira instância e apenas 19,85% dos cargos de desembargadores do Brasil. Sem contar diversas denuncias no conselho de Ética da OAB por assédio ou ofensas em tribunais contra advogadas. Temos uma baixa participação das mulheres. E quando falamos sobre o cenário político isso não muda, principalmente, no Senado federal. 

E mesmo com as cotas femininas a desigualdade permanece, e os homens brancos e poderosos, saem na frente até mesmo no momento da distribuição do fundo eleitoral em suas campanhas políticas. Esse deveria ser destinado em 30% para mulheres e mesmo com a lei vigente, ainda mais quando falamos das mulheres negras, simplesmente a lei não é respeitada. A violência política contra as mulheres é um fenômeno global e se temos uma maioria masculina no legislativo, assim como, no judiciário, o direito das mulheres e o combate das desigualdades e da violência contra essas, não será prioritária e mudanças continuarão sendo tardias.

Devemos pontuar o fato pelo qual o feminismo, principalmente jurídico, se faz tão necessário nos tempos atuais. Isso antes de entrar no tema da violência contra mulher do âmbito cibernético

Em 2020 tivemos um aumento espantoso de registros de violência contra mulher, mais de 105 mil em todo Brasil, dados que foram divulgados pelo ministério da mulher, da família e dos direitos humanos. Do total de registros, 72% (75,7 mil denúncias) são referentes a violência doméstica e familiar contra a mulher. De acordo com a Lei Maria da Penha, esse tipo de violência a é caracterizado pela ação ou omissão que causem morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico da mulher. Ainda estão na lista danos morais ou patrimoniais. 

O restante das denúncias, 29,9 mil (28%), são referentes a violação de direitos civis e políticos, por exemplo, como condição análoga à escravidão, tráfico de pessoas e cárcere privado. Também estão relacionadas à liberdade de religião e crença e o acesso a direitos sociais como saúde, educação, cultura e segurança. As denúncias de violências contra a mulher representam cerca de 30,2% do total das mais de 349 mil denúncias realizadas no Disque 100 e no Ligue 180 em 2020. Os canais, coordenados pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, recebem denúncias de violações a diversos grupos vulneráveis, como crianças e adolescente, pessoas idosas e com deficiência.

As Nações Unidas definem a violência contra as mulheres como "qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em danos ou sofrimentos físicos, sexuais ou mentais para as mulheres, inclusive ameaças de tais atos, coação ou privação arbitrária de liberdade, seja em vida pública ou privada".

Sobre a violência cibernética contra as mulheres

A violência cibernética contra mulheres representa um obstáculo ao seu acesso seguro às comunicações e informações digitais, bem como gera consequências psicológicas, emocionais e sociais para as vítimas e limita o pleno uso e proveito de seus direitos humanos. É importante lembrar que as mulheres vítimas de violência cibernética não devem ser culpabilizadas. Nenhuma mulher busca, induz ou provoca atos violentos contra ela nas plataformas digitais.

“Suas asas são cortadas, mas ainda assim, ela é culpada por não saber voar.” (Simone de Beauvoir).

No Brasil, a legislação vem em uma crescente atualização, no sentido de entender a incidência da violência cibernética no cotidiano das pessoas e de forma a não só prevenir, como punir a sua ocorrência. Os crimes virtuais, ou também, conhecidos como crimes cibernéticos, vêm ganhando cada vez mais espaço nos noticiários, pois a cada dia uma nova vítima é feita, principalmente mulheres, que mesmo com tantos avanços educacionais, ainda são as maiores vítimas desse tipo de crime. Sem contar as minorias.

Um dos casos notórios no país foi o da atriz Carolina Dieckman, que teve um aparelho celular invadido e sofreu extorsão para que as imagens captadas não fossem divulgadas. Esse fato ensejou a criação da Lei 12.737/2012, que inclusive foi apelidada com o nome da atriz. Essa lei dispõe sobre alguns crimes praticados na internet ou com uso de tecnologia, trazendo novidade quanto a uma série de condutas no ambiente digital, principalmente em relação à invasão de computadores, além de estabelecer punições específicas, algo que era inédito até então. No Código Penal Brasileiro, foram inseridos vários artigos prevendo novas modalidades de crimes cibernéticos. 

Muitas vezes, a violência cibernética é cometida em virtude da misoginia. Misoginia é a palavra usada para definir a repulsa, desprezo ou ódio contra as mulheres. Uma forma de aversão, mórbida e patológica ao sexo feminino que está diretamente relacionada à violência. Dados do Instituto Europeu para a Igualdade de Gênero revelam que uma em cada dez mulheres já sofreu violência cibernética desde os 15 anos. Já a ONG Safernet estima que as mulheres correspondam a 65% dos casos de cyberbullyng. Seja no universo virtual ou no real, as agressões às mulheres são uma realidade que assusta e precisa ser mudada.

São algumas das modalidades de violência cibernética contra as mulheres

  • Violar a privacidade da mulher com uso de imagens e / ou vídeos, realizando ato sexual ou mostrando seu corpo seminu ou nu, sem seu consentimento. 
  • Semear falsos boatos (fake news) ou constranger uma mulher, com o objetivo de prejudicar sua reputação e buscar constrangê-la em sua rede social na presença de sua família, amigos e / ou conhecidos. 
  • Criar perfis falsos (fakes) e / ou usurpar a identidade de alguém, fazer comentários ofensivos ou até ofertas sexuais. 
  • Constranger as mulheres divulgando fotos, “memes” e / ou gravações que visem intimidar, atacar, humilhar ou ridicularizar. Da mesma forma, filmar atos de violência por meio de celulares ou câmeras digitais em que uma pessoa do sexo feminino seja agredida ou perseguida e divulga-los ou compartilhá-los com outras pessoas. 
  • Perseguir ou espionar (o famoso stalking) as postagens, comentários, fotos e todos os tipos de informações de uma mulher em suas contas de mídia social. Essa modalidade pode ir desde uma simples indagação até o desejo de interagir com a vítima para intimidá-la e assediá-la sexualmente. 
  • Assédio ou ameaça por envio de imagens com conteúdo sexual e / ou mensagens agressivas e de assédio em contas de e-mail, mensagens telefônicas ou redes sociais das vítimas;
  • Tentar obter vantagem econômica por meio de intimidação da mulher (sextorsão), com ou sem a intenção de agredi-la ou a um terceiro, cometer abuso ou até ameaçar matá-la se ela não cumprir seus desejos.

O primeiro desafio para lidar com a violência cibernética contra mulheres é o reconhecimento de determinadas ações como manifestações de violência. A banalização de manifestações de violência online sob a crença de que elas começam e terminam no meio digital, e que, portanto, são passageiras, não deve continuar. Deve-se praticar a não-culpabilização da vítima, para que ela se sinta legitimada para reclamar e acolhida pela sociedade.

Segundo levantamento da Safernet, entidade que é referência no enfrentamento virtual aos crimes e violações dos direitos humanos, os abusos cibernéticos contra mulheres cresceram 78,5% de 2019 para 2020, passando de 7.112 para 12.698 denúncias. Os principais tipos de infração são discursos de ódio, ameaças, stalking (ou perseguição), crimes contra a honra – como calúnia, injúria e difamação – e pornografia de vingança. De acordo com a diretora da Safernet Brasil, Juliana Cunha: “A pandemia fez com que as pessoas ficassem mais tempo na internet e também contribuiu para o aumento desse tipo de crime”.

Além dos impactos psicológicos, há ainda o risco dos crimes cibernéticos evoluírem para violências físicas, como agressão, estupro ou assassinato. Esse alerta vem provocando novas discussões e a necessidade de atualização das leis para proteger as vítimas. Uma delas é a Lei do Stalking e que torna crime a perseguição por qualquer meio, ameaçando a integridade física ou psicológica, restringindo a capacidade de locomoção, invadindo ou perturbando a esfera de liberdade ou de privacidade. A pena é de até dois anos de prisão e pode ser aumentada se cometida contra uma mulher. 

Em São Paulo as vítimas podem fazer denúncias sem sair de casa pela Delegacia de Defesa da Mulher online, criada em julho de 2020. Segundo a delegada responsável até o ano de 2021, já haviam sido registradas mais de 20 mil denúncias de crimes, presenciais ou virtuais, pela plataforma. Quando é aberto o boletim de ocorrência, o caso é encaminhado diretamente para a delegacia da região, que apura e abre um inquérito para investigar os perfis e identificar os autores do assédio virtual. Feito isto, o caso é enviado ao Ministério Público, para apreciação, e ao Judiciário, onde o suspeito será julgado.

"As preocupações feministas estão dentro da tecnologia, não são um simples verniz retórico. Estamos falando de coabitação: entre diferentes ciências e diferentes formas de cultura, entre organismos e máquinas. Penso que as questões que realmente importam (quem vive, quem morre e a que preço) – essas questões políticas – estão corporificadas na tecnocultura. Elas não podem ser resolvidas de nenhuma outra maneira." (HARAWAY Apud KUNZRU, 2009).

Cada vez mais precisamos pontuar os direitos humanos das mulheres no mundo real e virtual, o feminismo jurídico e até o cibernético, precisam ser pontuados para que, além das leis generalistas, tenhamos nossas necessidades femininas atendidas de fato e nossos direitos preservados. Caminhamos para uma evolução tecnológica sem retorno e precisamos nos proteger para que façamos o melhor uso possível dessa. Devemos sempre pensar em avanços e excluir tudo que venha para um retrocesso.

“Não adianta só olhar para a tecnologia sem olhar para as pessoas. A transformação digital não acontecerá sem as pessoas.” (Edson Giesel)

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Isabella Trevisani
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