O auxílio ao suicídio por omissão: a possibilidade da conduta omissiva no artigo 122 do Código Penal

O auxílio ao suicídio por omissão: a possibilidade da conduta omissiva no artigo 122 do Código Penal

Análise sobre a possibilidade da prática do crime de auxílio ao suicídio sob a modalidade omissiva, bem como a controvérsia doutrinária a respeito do tema.

Conforme o princípio da alteridade, a conduta que não viole bem jurídico alheio não deve ser considerada crime, de modo que pratica fato atípico aquele que ofende bem jurídico próprio. Assim, o ordenamento penal brasileiro não pune o suicídio e nem a sua tentativa; porém, o terceiro que induz, instiga ou auxilia outrem ao ato incide no art. 122 do Código Penal, momento em que o suicida passa a figurar na qualidade de vítima. 

Conforme se deduz da leitura do dispositivo, os núcleos do tipo tratam de condutas comissivas – ou seja, condutas que trazem um “fazer” – instigar, induzir e auxiliar. Mas, aproximando para a temática do presente artigo, qual o possível enquadramento legal do agente que, com sua conduta omissiva, contribui para o suicídio do agente? Assim, o presente artigo tem como escopo estudar a possibilidade da prática do crime de auxílio ao suicídio sob a modalidade omissiva, bem como analisar a controvérsia doutrinária a respeito do tema.

Os verbos trazidos pelo art. 122 do CP – induzimento, instigação e auxílio – possuem significados diversos, e, portanto, implicam em condutas diversas. O induzimento e a instigação são formas de participação moral, configurando a primeira quando o agente cria na vítima a ideia de suicídio, e a segunda quando o agente reforça uma ideia preexistente na vítima[1] . Já o auxílio é forma de participação material[2], e ocorre quando o agente presta efetiva assistência material à vítima, como fornecer uma arma para que o suicida leve a cabo seu plano. 

Ressalta-se que esse auxílio deve ser apenas acessório, pois se o agente praticar atos executórios estaremos diante do crime de homicídio[3] . A questão que se pretende trabalhar é: no que tange ao auxílio do art. 122 do CP, é possível que ele ocorra através de uma conduta omissiva? A título exemplificativo, a enfermeira que toma conhecimento da intenção suicida de um dos pacientes e ignora-a por completo pode responder pela figura do auxílio ao suicídio por omissão?

Decerto que existe um dissenso doutrinário e jurisprudencial sobre a temática. Duas correntes doutrinárias destacam-se. A primeira é defendida por Frederico Marques, Bentode Faria, Roberto Lyra, Euclides Custódio da Silveira, Paulo José da Costa Júnior, Damásio de Jesus, entre outros. Eles defendem a impossibilidade da conduta omissiva no auxílio ao suicídio pelo fato do tipo penal mencionar “prestar auxílio”, o que entendem que implica necessariamente em uma ação[4] . 

Não há como se prestar uma assistência material através da inércia, da conduta negativa, mesmo quando se tem o dever jurídico de o fazer, não havendo, assim, a possibilidade de participação em suicídio por intermédio de comportamento negativo. Portanto, segundo essa linha de pensamento, a enfermeira que toma conhecimento da intenção suicida de um dos pacientes e nada faz não pode responder pela figura do auxílio ao suicídio por omissão, justamente pela atipicidade do fato – pode, contudo, haver a omissão de socorro prevista no art. 135 do Código Penal[5].

A outra corrente doutrinária, encabeçada por Magalhães Noronha, Nélson Hungria, Ari de Azevedo Franco, Mirabete entre outros, entende pela possibilidade do auxílio ao suicídio ocorrer na forma omissiva, desde que o agente tenha o dever jurídico de impedir o resultado[6]. Para que se entenda esse ponto, abriremos um parênteses para relembrar que os crimes omissivos podem ser próprios ou impróprios. 

A omissão será própria quando ela integrar o elemento do tipo penal, como nos crimes de omissão de socorro do art. 135 do CP; e será imprópria quando o agente tiver o dever jurídico de agir ou de impedir o resultado e não o fizer [7]. 

O referido “dever de agir” tem suas hipóteses enumeradas de forma taxativa no §2º do artigo 13 do Código Penal, devendo agir: quem tenha o “dever legal” de cuidado, proteção ou vigilância; quem tenha o "dever do garantidor", por ter assumido a responsabilidade de impedir o resultado em decorrência de contrato ou qualquer outra forma oriunda de relações concretas da vida; e, por fim, quem criou o risco com seu comportamento anterior. Exige-se apenas que o omitente tenha consciência de que deve agir e a vontade de não fazê-lo. Portanto, para a segunda corrente doutrinária, o auxilio do art. 122 do Código Penal é compatível com a omissão imprópria, podendo o agente ser punido caso tenha o dever jurídico de agir e não o faz.

Outro argumento – avisamos de antemão que se mostra insuficiente – é que o art. 13 do Código Penal não diferencia causa e condição, adotando a teoria da equivalência dos antecedentes como regra, considerando-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Deixar de impedir um evento que se tem o dever jurídico de evitar é, sem sombra de dúvida, uma forma de prestar auxílio ou contribuir para a ocorrência de tal evento. 

Porém, o argumento mostra-se insuficiente pois a causalidade deve ser típica, não se devendo invocar o princípio da equivalência dos antecedentes neste caso, sob pena de estar comprometendo o princípio de que não há crime sem prévia descrição legal. 

Parece-nos que o fundamento mais concreto para o entendimento da possibilidade de auxílio ao suicídio na forma omissiva é o de que todas as hipóteses de omissão penalmente relevante – art. 13, § 2º, CP – demonstram que há delitos comissivos, como matar, subtrair, etc., que possibilitam a punição por omissão, desde que haja o dever de impedir o resultado típico[8]. Nessa linha, a enfermeira que toma conhecimento da intenção suicida do paciente e nada faz, responde pela figura do auxílio ao suicídio por omissão – justamente por seu dever de impedir o resultado, visto estar na posição de garantidora.

Assim, coadunamos com o entendimento que defende a possibilidade do auxílio ao suicídio na forma omissiva nos casos em que o agente tinha o dever legal de agir. O fato do verbo do tipo ser comissivo não basta para afastar a hipótese do crime omissivo, pois quem se abstém de impedir a execução dos planos do suicida quando tem o dever de impedir o respectivo resultado, coopera de forma omissiva ao evento. Dessa forma, tanto o pai que, sabendo das intenções suicidas do filho, não o impede, quanto o diretor da prisão que não intervém para impedir que o sentenciado morra de greve de fome, têm o dever de agir, devendo responder por auxílio omissivo ao suicídio.

Notas

1 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 615. 

2 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 2. p. 122-123. 

3 Ibidem, p. 615.

4 MIANES, Andriele Rosilda; SILVA, Pollyanna Maria da. A (im)possibilidade de prestação de auxílio ao suicídio por omissão. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 3, n.3, p. 215-228, 3º Trimestre de 2012. Disponível em: www.univali.br/ricc. Acesso em: 17 agosto 2020. 

5 Ibidem, p. 225. 

6 NUCCI, op. cit., p. 615. 

7 CAPEZ, op. cit., p. 165

8 MIANES; SILVA, op. cit., p. 227.

Sobre o(a) autor(a)
Anajúlia Marques Cunha
Bacharela em Direito pela Universidade de Caxias do Sul - UCS (2018). Aprovada no XXIX Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (2019). Pós-graduada em Direito e Processo Penal pela Fundação do Ministério Público - FMP (2020).
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