Mediação: uma reconstrução do processo dialético entre os conflitantes e os terceiros mediadores

Mediação: uma reconstrução do processo dialético entre os conflitantes e os terceiros mediadores

Demonstra que a mediação vem sendo confundida com outros atos processuais tradicionais, ficando comprometidas algumas qualidades que a recomendam como uma "solução mais adequada" para certos conflitos. Procura-se explicitar e compreender suas razões.

1. INTRODUÇÃO

1.1. Conceito de Conflito

Antes de adentrarmos no tema mediação, torna-se necessário definir o que vem a ser conflito. Segundo De Plácido e Silva o conflito é sinônimo de embate, oposição, pendência, pleito; no vocabulário jurídico, prevalece o sentido de entrechoque de ideias ou interesse em razão do qual se instala uma divergência entre fatos, coisas ou pessoas. (SILVA, 2014, edição eletrônica).

Para Cândido Rangel Dinamarco, o conflito pode ser entendido como “a situação entre duas ou mais pessoas ou grupos, caracterizada pela pretensão de um bem ou situação da vida e impossibilidade de obtê-lo; todavia, transcendendo a noção de lide, o conflito pode ser considerado de forma mais ampla. As relações interpessoais são marcadas por insatisfações (“estados psíquicos decorrentes da carência de um bem desejado”); o conflito seria a “situação objetiva caracterizada por uma aspiração e seu estado de não satisfação, independente de haver ou não interesses contrapostos”. (DINAMARCO, 2013, p.120-121).

A princípio, portanto, sendo fato da vida de todos, os conflitos podem ser resolvidos entre as próprias pessoas conflitantes.

Quando, entretanto, o conflito chega a um ponto extremo, intensificando-se o litígio e exacerbando-se as emoções, há concordância geral de que somente um terceiro imparcial, externo, é capaz de compor os interesses conflitantes. Este terceiro ou tercius tem a função de auxiliar as partes na solução do litígio em que estão envolvidas, e não fazer tratamento psicológico ou buscar solução para si. Para tanto, a técnica de condução dos processos de superação dos conflitos é essencial.

2. MEDIAÇÃO COMO FORMA ALTERNATIVA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

A conciliação e a mediação fazem parte das formas alternativas de resolução de conflitos em conjunto com a arbitragem. Os Meios Alternativos de Resolução de Conflitos, como técnicas de negociação, surgiram como ferramentas capazes de conduzir as próprias partes à solução de seus conflitos. 

Embora se diga que os meios alternativos vieram para desafogar o Poder Judiciário, essa não é sua última ou maior finalidade. Em verdade, a ideia é que haja uma alternativa à decisão judicial, obtida por ambas as partes pela via consensual, a partir de amplo diálogo. 

A conciliação, mas ainda a mediação, são vias eficientes, além de mais humanas, em que se contemplam as reais necessidades dos envolvidos, sendo o conflito pacificado de forma mais plena. Os métodos consensuais devem ser, entretanto estimulados pelos operadores do Direito, porque por meio deles os conflitantes têm a possibilidade de alcançar, uma solução mais confortável para todos. 

Nesse sentido, leciona o professor e Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Alexandre Freitas Câmara:

“Os métodos consensuais, de que são exemplos a conciliação e a mediação, deverão ser estimulados por todos os profissionais do Direito que atuam no processo, inclusive durante o seu curso [...]. É que as soluções consensuais são, muitas vezes, mais adequadas do que a imposição jurisdicional de uma decisão, ainda que esta seja construída democraticamente através de um procedimento contraditório, com efetiva participação dos interessados. E é fundamental que se busquem soluções adequadas, constitucionalmente legítimas, para os conflitos, soluções estas que muitas vezes deverão ser consensuais. Basta ver o que se passa, por exemplo, nos conflitos de família. A solução é consensual é certamente muito mais adequada, já que os vínculos intersubjetivos existentes entre os sujeitos em conflito (e também entre as pessoas estranhas ao litígio, mas por ele afetadas, como se dá com filhos nos conflito que se estabelecem entre seus pais) permanecerão mesmo depois de definida a solução da causa. Daí a importância da valorização da busca de soluções adequadas (sejam elas jurisdicionais ou parajurisdicionais) para litígios”. (CÂMARA, 2017, p. 9-18).

É, pois, necessário que esses meios alternativos andem lado a lado com o Judiciário, para a obtenção da tão almejada Justiça. 

O discurso jurídico que vem sendo produzido acerca da implementação dos institutos da conciliação e da mediação sugere que o Judiciário vem repensando sua forma de encarar os conflitos.

3. O CONCILIADOR E O MEDIADOR COMO AUXILIARES DA JUSTIÇA

O Conselho Nacional de Justiça, percebendo a importância dos novos instrumentos para a solução de controvérsias, publicou a Resolução nº 125, de 29 de Novembro de 2010, que disciplina e incentiva os mecanismos alternativos de solução de conflitos (mediação e conciliação). 

O CNJ, portanto, desde 2010, busca incentivar a mediação no Brasil, como uma política pública judiciária, visando à facilitação do acesso à Justiça, o incentivo a busca de soluções consensuais e engendradas pelos próprios litigantes, e, sobremodo, a redução da judicialização de conflitos no país. 

O conciliador e o mediador foram expressamente incluídos como auxiliares da justiça (art. 149, in fine, NCPC), tal a função relevante que desempenham no processo. Por isso mesmo, aplicam-se aos mesmos os motivos de impedimento e suspeição (arts. 148, II, NCPC c/c 5º, Lei nº 13.140/2015). O Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105, de 16/03/2015) inova ao prever a audiência de conciliação ou de mediação initio litis, aplicável ao rito comum, na esteira de unificação dos procedimentos ordinários e sumário então ditados pelo CPC/1973 (art. 318, NCPC). 

4. PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE A CONCILIAÇÃO E A MEDIAÇÃO

A conciliação e a mediação não se confundem. A conciliação é um procedimento bem distinto da mediação, pois o conciliador, no esforço de aproximar as duas pretensões, de procurar uma zona de comum que comporte as pretensões conflituosas, passa a apresentar sugestões, sendo com isso o coautor do conteúdo do possível acordo. Caso seja exitoso, o conciliador pode desempenhar também o papel de negociador das propostas apresentadas pelas partes na tentativa de atingimento de um ponto comum, em que cada parte abandone sua pretensão inicial e, cedendo, chegue a uma posição de confortável que satisfaça a ambas. O conciliador pode ser autor ou o coautor de propostas, não havendo nenhuma imposição às partes, mas apenas sugestões de como se chegar à solução daquele conflito por livre expressão de suas próprias vontades.

Já na mediação a situação é diferente. O mediador não faz qualquer sugestão, pois o seu papel é de mero facilitador da retomada do diálogo, na tentativa de que cada parte entenda o ponto de vista adverso e, colocando-se no lugar do outro, procure estabelecer uma ideia, um sentimento de que uma solução equilibrada, que represente um valor e/ou justiça tanto para uma quanto para outra parte. As partes podem, desse modo, refletir sobre os argumentos, sobre os elementos internos, e externos do conflito vivenciado, sob a ótica de todos os envolvidos, e assim, com a construção de uma zona de aproximação, buscar a solução que seja melhor para ambas as partes.

A mediação no dizer de Warat: “mostra o conflito como uma confrontação construtiva, revitalizadora, o conflito como uma diferença enérgica, não prejudicial, como um potencial construtivo”. (WARAT, 2001, p.82).

A comunicação não agressiva pelas partes é, por conseguinte, resgatada pelo restabelecimento do diálogo, sendo a reconstrução das relações continuativas o objetivo da mediação. Não se pretende apenas pôr fim a uma disputa entre as partes, o que acaba ocorrendo com o acordo firmado, mas se almeja restabelecer a comunicação entre os envolvidos e resolver o conflito no plano dos sentimentos e emoções, para que as partes possam retornar para suas casas, empresas ou comunidades, com a certeza de que chegaram juntas à melhor solução.

Na lição de Filgueiras:

“A mediação é um processo cooperativo onde um terceiro facilitador e imparcial utiliza de técnicas interdisciplinares, levando em conta as emoções, as dificuldades de comunicação, investigando os reais motivos e necessidades, restabelecendo o diálogo e auxiliando as partes a criarem opções, se comprometendo elas mesmas com a solução do conflito. É um método autocompositivo que visa cuidar dos vínculos existentes nas relações das pessoas. Especialmente importante nos conflitos familiares, como foco principal na proteção dos filhos contra a animosidade dos pais. O mediador facilita o diálogo entre as pessoas, analisa as questões subjacentes ao conflito, estimula as partes a acharem, por elas mesmas, a solução mais satisfatória para ambos. O mediador, estimula as pessoas a mudarem o foco da competição para a colaboração, habilitando as pessoas em conflito a serem as protagonistas da solução dos problemas que elas mesmas criam, promovendo um ambiente acolhedor e propício ao diálogo e ao entendimento”. (FILGUEIRAS, 2016, p.252)

E a relevância da mediação foi determinante para que a mesma tomasse assento no Código de Processo Civil de 2015, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que estabeleceu como princípio reitor do novo processo civil brasileiro que o “o Estado promoverá sempre que possível, a solução consensual de conflitos” (art. 3º, § 2º, CPC/15) e que a “conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados [...], inclusive no curso do processo judicial” (art. 3º, § 3º, CPC/15).

5. DA REMUNERAÇÃO DO CONCILIADOR E DO MEDIADOR

Não se pode finalizar sem abordar que um diverso e relevante entrave em oposição à obrigatoriedade da audiência de conciliação ou mediação é a remuneração do conciliador ou do mediador, inexistindo regulamentação legal satisfatória na nova lei de processo sobre quem pagará pelo ato processual (vide art. 169, NCPC), por vezes indesejado. A lei da mediação, dita que a remuneração será custeada pelas partes, exceto na hipótese de gratuidade (art. 13, Lei nº 13.140/2015). 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabe-se que para vencer eventuais resistências ao novo, uma vez que a sociedade brasileira há muito vive fundada na cultura do litígio, torna-se necessária a quebra de paradigmas, por mais enraizados que estejam, possibilitando o surgimento de outros parâmetros, caso da mediação, e assim estimulando as soluções consensuais de dialogadas, que, melhor e de forma mais efetiva, pacificariam a sociedade.

A mediação não deve ser vista como panaceia para todos os problemas, é um caminho inovador que começa a ser trilhado por nossa sociedade e que verdadeiramente oferece benefícios para a construção de uma sociedade mais adulta, mais civilizada e certamente menos dependente do Poder Judiciário. 

É necessário, para que a mediação vingue de forma eficiente no novo cenário social, que se busque a reconstrução do processo dialético entre os conflitantes e os terceiros mediadores. Será que as ações de conciliar e mediar se transformaram em sinônimo de desafogar? Somente o tempo poderá confirmar ou infirmar essas indagações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SILVA, De Plácido e. “Conflito”. Vocabulário Jurídico. 31. ed. Rio de Janeiro.: Forense, 2014 (edição eletrônica). 

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito processual civil. v. 1.7. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 120-121. 

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 140-141, nota 151.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2017, p.9-18. 

WARAT, Luiz Aberto. O oficio do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001. 

BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Atos Normativos. Disponíveis em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/atos-normativos. Acesso em 10 dez. 2019.

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Fagner Santana
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