Legalidade da prisão após sentença penal condenatória em segunda instância

Legalidade da prisão após sentença penal condenatória em segunda instância

Há uma busca para interpretar a constituição de acordo com o que nela não está contido, ou seja, é uma tentativa de adequar o texto, trazendo para ele informações e determinações não contidas, para desse modo, atender os anseios populares.

INTRODUÇÃO

Em 1764, Cesare Beccaria, em sua célebre obra Dos delitos e das penas, já advertia que “um homem não pode ser chamado réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada”.

Esse direito de não ser declarado culpado enquanto ainda há dúvida sobre se o cidadão é culpado ou inocente foi acolhido no art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). A Declaração Universal de Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948, em seu art. 11.1, dispõe: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa”. 

Dispositivos semelhantes são encontrados na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (art. 6.2), no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 14.2) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92 – art. 8º, § 2º): “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.

Com a Constituição Federal de 1988, o princípio da presunção de não culpabilidade passou a constar expressamente do inciso LVII do art. 5º: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 

Consiste, assim, no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença transitada em julgado, ao término do devido processo legal, em que o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório).

DESENVOLVIMENTO

Conforme o artigo 283 do código de processo penal (CPP) “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença penal condenatória transitada em julgado, ou no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. 

Porém recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) deu aval à prisão de condenado em segundo grau de jurisdição, mesmo sendo expressamente proibido segundo o artigo 283 do CPP. O Código de Processo penal não tratada formação de culpa, mas da possibilidade de prisão, sendo claro que a pessoa somente poderá ser presa se for em flagrante ou por decisão da autoridade judiciária competente, seja pelo trânsito em julgado de sentença condenatória (tratando da prisão definitiva) ou no curso da investigação ou do processo (tratando das prisões temporária e preventiva).

Segundo o artigo 5 inciso LVll da Constituição Federal de 1988, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, logo em tese, segundo a determinação expressa da constituição, a formação da culpa somente poderá ocorrer posteriormente ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória e não após o julgamento do recurso pela segunda instância. 

Logo dois termos chamam a atenção e merecem destaque, quais sejam: “considerado culpado” e “trânsito em julgado”. 

Portanto, a interpretação do Supremo Tribunal Federal suprimiu a expressão “trânsito em julgado” e substituiu pela expressão “segunda instância”. 

Segundo o STF, não está escrito que “ninguém será preso antes do trânsito em julgado” e que não há vedação expressa para a “execução provisório da sentença que impõe pena privativa da liberdade”. 

A Constituição ao afirmar que “ninguém será considerado culpado” realmente não diz que “ninguém poderá ser preso”, mas é inegável que prender alguém para cumprimento (antecipado) de pena é um dos efeitos da condenação e, consequentemente, de se considerar culpado. Em síntese considerar alguém culpado é dar-lhe o tratamento de “culpado em definitivo”. 

É aplicar-lhe todos os efeitos da condenação. Se suspendemos todos os efeitos menos gravosos e impomos exatamente aquele que é o principal e mais drástico, é flagrante falácia dizer que o provisoriamente condenado continua a não ser considerado culpado, e que se trata de uma execução provisória da pena. 

O que se vê, portanto, é que há uma busca para interpretar a constituição de acordo com o que nela não está contido, ou seja, é uma tentativa de adequar o texto, trazendo para ele informações e determinações não contidas, para desse modo, atender os anseios populares.

CONCLUSÃO

Sinceramente, não creio que seria absurdo forçar o início do cumprimento da pena após uma confirmação de condenação em segunda instância. Mas isso só seria possível mediante a alteração do texto constitucional. 

É preciso mudar a Constituição, e não violentá-la para que signifique aquilo que desejarmos momentânea ou casuisticamente. 

Isso, é como forçar a cadeira a uivar como o lobo. É como chamar o preto de branco, e vice-versa, na expectativa de que todos os interlocutores (que são titulares da mesma garantia a ser violada, e que, sem saber, não raras vezes a deploram ou reprovam) aceitem com naturalidade uma tomada de decisão que deflui do puro arbítrio de quem a toma. 

É a definição da arbitrariedade. 

Enquanto cadeiras não uivam, e enquanto o preto ainda é a ausência de luz, e o branco, a mistura de todas as cores, a antecipação do encarceramento é inconstitucional. Ou aguardamos uma mutação constitucional lenta, talvez quase inexequível, tendo em vista a longitude dos resultados pretendidos pelos que defendem a execução provisória, ou emendamos a Constituição.

Sobre o(a) autor(a)
Alexandrey Souza Rolemberg
Alexandrey Souza Rolemberg, acadêmico do primeiro período do curso de Direito da Fanese.
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