Poder familiar: aspectos gerais

Poder familiar: aspectos gerais

O poder familiar é instituto importante no ordenamento jurídico brasileiro, dando ensejo a direitos e deveres que devem observar, sobretudo, o melhor interesse da criança e do adolescente.

O poder familiar, hoje exercido conjuntamente por ambos os genitores, tem origem no pátrio poder, que era exclusividade do pai, “chefe da família”, durante a vigência do Código Civil de 1916 e ao menos até o advento do Estatuto da Mulher Casada – Lei 4121/62. Mencionada lei trouxe importantíssimas mudanças no cenário do Direito de Família, dando capacidade civil à mulher, que até então era tratada como incapaz no casamento, o que possibilitou que passasse a colaborar com o marido no exercício do pátrio poder.

Maior transformação verificou-se com a chegada da Constituição Federal de 1988, que previu a igualdade de gêneros e alterou a nomenclatura e outras disposições concernentes ao que hoje conhecemos por poder familiar, ou, como sugerem os renomados autores Paulo Lôbo e Conrado Paulino da Rosa: autoridade parental e função parental, respectivamente.

O poder familiar é um munus público que, segundo Liane Maria Busnello Thomé e Clódis Rocha da Silva (2012 apud ROSA, 2019, p. 414)1 , “não se limita à educação ou a cuidados físicos, mas se estende para proporcionar um desenvolvimento integral de todas as potencialidades das crianças e adolescentes”. Por sua vez, Flávio Tartuce (2019, p. 1253)2 afirma que o poder familiar decorre do vínculo jurídico de filiação, “dentro da ideia de família democrática, do regime de colaboração familiar e de relações baseadas, sobretudo, no afeto”.

Trata-se de um poder-dever inalienável, imprescritível e indisponível que exige o exercício conjunto pelos genitores, de acordo com a previsão do artigo 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente, somente admitindo o exercício exclusivo por um deles na falta ou impedimento do outro, de acordo com o artigo 1.631 do Código Civil. 

Havendo divergência entre os pais no exercício da função parental, qualquer deles terá o direito de buscar solucionar a questão na via judicial (artigo 1.631, parágrafo único, do Código Civil). Outra exceção vem prevista no artigo 1.633 da lei civil e trata da hipótese de filho não reconhecido pelo pai, caso em que a mãe exercerá o poder familiar exclusivamente. 

De acordo com os artigos 1.632 e 1.636 do Código Civil, a falência da relação conjugal não representa alterações na situação parental, de modo que o pai ou mãe que contrai novas núpcias não perde, quanto aos filhos, a autoridade parental, devendo exercê-la “sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro”. 

Neste ponto, há severas críticas de Débora Consoni Gouveia (2011 apud ROSA, 2019, p. 419-419), na medida em que os pais afins devem ter reconhecidas as suas condutas de maneira subsidiária às dos pais biológicos, dentro de um sistema de parentalidade integrativa. Ainda segundo Rosa (2019, p. 419), é necessário entender que os papeis extintos quando do fim do relacionamento são os de marido e mulher, companheiro e companheira, mas o vínculo da parentalidade permanece, porquanto não existe “ex-filho”. 

O pleno exercício do poder familiar consiste em dirigir a criação e educação dos filhos, exercer sua guarda e o usufruto e administração de seus bens, conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para a alteração de residência permanente quando houver troca de município e para o casamento (após atingirem a idade núbil de 16 anos, conforme artigos 1.517 e 1.520 do Código Civil, e antes de atingida a maioridade civil), nomear-lhes tutor, representá-los até os 16 anos e assisti-los dos 16 aos 18 anos, reclamá-los de quem os detenha ilegalmente e exigir-lhes que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua condição de desenvolvimento. 

Esta última atribuição citada deve ser encarada à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção integral da criança e do adolescente, uma vez que os maus tratos e o trabalho infantil são vedados pela lei pátria. 

Havendo excesso no exercício do poder familiar, configura-se o abuso de autoridade parental, que é uma das causas de suspensão da função parental. Além desta, outras podem ser as causas da decretação, pelo Juiz, da suspensão do poder familiar: a falta dos deveres inerentes à autoridade parental ou a devastação os bens dos filhos, por exemplo. 

A legitimidade para provocação do juízo pode ser de qualquer das partes ou do Ministério Público, conforme redação dos artigos 155 do ECA e 1.637 do Código Civil, cujo parágrafo único traz, ainda, a hipótese de suspensão em razão de condenação irrecorrível por crime punido com pena maior que dois anos de prisão.

Por outro lado, a extinção do poder familiar vem prevista no artigo 1.635 do Código Civil, sendo admitida somente a partir da morte dos pais ou do filho, de sua maioridade ou emancipação, da adoção ou destituição judicial. No que tange à destituição, o artigo 1.638 do Código Civil sofreu recentes alterações pelas Leis 13.509/17 (incluiu o inciso V) e 13.715/18 (incluiu o parágrafo único e seus incisos e alíneas), passando a vigorar com a seguinte redação:

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: 

I - castigar imoderadamente o filho; 

II - deixar o filho em abandono; 

III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; 

IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. 

V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. 

Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o poder familiar aquele que: 

I – praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar: 

a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher; 

b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão; 

II – praticar contra filho, filha ou outro descendente: 

a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher; 

b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão.

Tais medidas – suspensão e extinção do poder familiar - são excepcionais, de modo que a simples falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a sua decretação, conforme redação do artigo 23 do ECA. Segundo Alcebir Dal Pizzol (2006 apud ROSA, 2019, p. 430), não se deve utilizá-las como forma de punição aos pais, “já que a punição maior é sempre para a criança ou adolescente”. 

Por fim, salienta-se que qualquer procedimento de perda ou suspensão da função parental deve observar o contraditório e o devido processo legal, princípios constitucionais bem lembrados pelos artigos 24, 158 e 159 do ECA. Entende-se que o poder familiar é instituto deveras importante no ordenamento jurídico brasileiro, dando ensejo a direitos e deveres que devem observar, sobretudo, o melhor interesse da criança e do adolescente. Afinal, os filhos são seres humanos em desenvolvimento que reclamam educação, afeto e respeito para que se tornem adultos bem direcionados no futuro.

Notas

1 ROSA, Conrado Paulino da. Curso de direito de família contemporâneo, 5ª ed. Salvador: JusPODVM, 2019. 

2 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil, volume único, 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019.

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Ariane Soares da Fonseca
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