Incidência do imposto sobre transmissão “causa mortis” e doação no exterior
Trata das implicações tributárias para os residentes no exterior que recebem por doação, ou mesmo, por sucessão, bens situados no Brasil transmitidos por brasileiros aos residentes no exterior.
A Constituição Federal estabelece em seu artigo 146, III, que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária, bem como, pelo regramento do artigo 24, I, da Constituição Federal, combinado com o § 1º desse mesmo artigo constitucional, que a União é o ente federativo que possui competência plena para dispor sobre normas gerais em matéria tributária.
Assim, neste contexto, temos o Código Tributário Nacional (“CTN”) que é a lei complementar federal, que além de dispor sobre as normas gerais em matéria tributária, como por exemplo, a definição de tributos e suas espécies, obrigação tributária, prescrição e decadência, também trata dos conflitos de competência em matéria tributária, bem como, regula as limitações ao poder de tributar.
Ora, se coube ao Código Tributário Nacional dispor sobre as normas gerais em matéria tributária, e se caso nos deparamos com uma hipótese fática que seria passível de tributação, contudo, não regulamentada pelo CTN? Ou mesmo, se nos confrontarmos como uma situação, na qual a União, na qualidade de ente federativo com competência plena para dispor sobre matéria tributária, se ausentar para regulamentar uma situação passível de tributação, como devemos proceder?
A Constituição Federal em seu artigo 24, § 4º, dispõe que ante a omissão do legislador nacional em estabelecer normas gerais em matéria tributária, os Estados podem fazer uso de sua competência legislativa plena para dispor naquilo que está omisso.
No tocante a transferência, de forma gratuita, de bens, hipótese fática eleita pelo legislador brasileiro para sofrer a incidência do imposto estadual sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação (“ITCMD”), e levando em consideração o exposto na introdução acima, muitas vezes, nos deparamos com a situação em que existe um donatário com residência no exterior, que em regra, não seria contribuinte de tributos no Brasil, mas recebe, de forma gratuita, bem situado no Brasil por um brasileiro.
Bom, sobre a hipótese fática trazida acima, nos termos do artigo 155, § 1º, III, a, da Constituição Federal, a lei complementar tem a competência para instituir e regulamentar a incidência do ITCMD no caso em que o donatário tiver domicílio ou residência no exterior. Contudo, até a presente data, esta lei complementar não existe, assim, como deveria agir o donatário residente no exterior, tendo em vista, a ausência legislativa?
O donatário residente no exterior tem basicamente três alternativas: recolher o ITCMD; e se caso, futuramente, for entendido como indevido o valor pago aos cofres do Estado, ingressar com uma Ação Declaratória cumulada com Restituição contra o Fisco Estadual, o que não seria vantajoso para donatário com domicílio fiscal no exterior, uma vez que o crédito por ele detido contra o Estado entraria na longa fila dos precatórios estaduais, podendo demorar anos para receber o valor do imposto pago indevidamente; não recolher o ITCMD e ingressar com um Mandado de Segurança Preventivo para evitar futura cobrança pelo Fisco Estadual à título do ITCMD; ou aguardar eventual fiscalização do Fisco por meio de auto de infração exigindo o valor do ITCMD, acrescido de multa de 20% (vinte por cento) e juros, durante o prazo de 5 (cinco) anos a contar do ano seguinte da doação ou sucessão.
Claramente, identificamos uma situação de extrema insegurança jurídica, tanto para o donatário com domicílio fiscal no exterior, como para o Estado Brasileiro, que pela inércia do legislador, não regulamentando a incidência do ITCMD na doação ou sucessão de bem situado no Brasil para pessoa residente no exterior, ambos os sujeitos da obrigação tributária não sabem como proceder quando ocorre esta hipótese, agindo das mais variadas formas.
Assim, como resultado de tal inércia do legislador, e tendo em vista, inúmeras vezes na realidade brasileira, pessoas residentes no exterior receberem, seja por doação ou sucessão, bens situados no Brasil, transmitidos por brasileiros, ocorreram diversas disputas judiciais e administrativas sobre esse tema entre o suposto contribuinte e o Fisco brasileiro.
Tamanho foi o volume de disputas judiciais e administrativas sobre a incidência do ITCMD na doação e sucessão de bens a pessoas situadas no exterior, que o Supremo Tribunal Federal (“STF”) por meio do Recurso Extraordinário nº 851108 (“RE 851108”) reconheceu como repercussão geral a constitucionalidade do tema debatido, haja vista, à ausência de lei complementar sobre a incidência do ITCMD nesta hipótese de transmissão gratuita.
Através do RE 851108 com repercussão geral, o STF pretende uniformizar a jurisprudência à respeito do tema e consolidar a segurança jurídica para o donatário com residência fiscal no exterior e o Fisco brasileiro, colocando fim as enormes disputas travadas no Judiciário.
Em 26 de junho de 2015, o STF reconheceu a repercussão geral sobre o tema pelo RE 851108, e atualmente, por manifestação da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo foi solicitado para o tema seja incluído em pauta no plenário do STF para julgamento. Logo, aguardamos o Ministro Relator Dias Toffoli, atual presidente da Casa, colocar em pauta o julgamento sobre a incidência ou não do ITCMD na hipótese em que o donatário seja domiciliado ou tenha residência no exterior e receba bem situado no Brasil por doador brasileiro para que haja paz jurídica sobre essa hipótese de incidência tributária.