Abuso de autoridade: caracterização

Abuso de autoridade: caracterização

Breve estudo sobre o abuso de autoridade e a sua caracterização, ato ilícito, por meio do qual um agente público ou pessoa investida em função pública atua dolosamente em excesso de poder ou desvio de finalidade e, desse modo, atenta contra os direitos subjetivos de outrem.

Introdução

Os cidadãos, quase sempre os pobres, diariamente são vítimas de abusos de autoridades. Os direitos são desrespeitados quando:

  • presos ilegalmente, sem terem cometido qualquer crime;
  • revistados sem motivo e com violência;
  • barracos são invadidos por policiais, em busca de marginais que nem se conhece;
  • confissões são exigidas à força, com torturas ou obrigados a testemunhar o que não viram e nem ouviram;
  • policiais prendem em batidas, simplesmente porque não estarem com a Carteira de Trabalho. Não adianta falar que tem outro documento que identifica, que são trabalhadores ou que estão desempregados. Uma realidade brasileira.

Abuso de autoridade é conceituado como o ato humano de se prevalecer de cargos para fazer valer vontades particulares. No caso do agente público, ele atua contrariamente ao interesse público, desviando-se da finalidade pública.

Constitui-se "abuso de autoridade" quando uma autoridade, no uso de suas funções, pratica qualquer atentado contra a liberdade de locomoção, a inviolabilidade do domicílio, o sigilo da correspondência, a liberdade de consciência e de crença, o livre exercício do culto religioso, a liberdade de associação, os direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto, o direito de reunião, a incolumidade física do indivíduo e, aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional (incluído pela Lei nº 6.657, de 5 de junho de 1979). O abuso de autoridade levará seu autor à sanção administrativa civil e penal, com base na lei. A sanção pode variar desde advertência até à exoneração das funções, conforme a gravidade do ato praticado.

O artigo 5º da lei 4.898/65 “Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.”. Assim, pode ser considerada autoridade qualquer funcionário público.               

2 Desenvolvimento

O abuso de autoridade é o abuso de poder analisado sob as normas penais, de onde temos a espécie abuso de poder. Sua conduta típica é considerada crime, de acordo com a lei 4898 /65. Assim, o abuso de autoridade abrange o abuso de poder, utilizando os conceitos administrativos para tipificar condutas contrárias à lei no âmbito penal e disciplinar. Por sua vez, o abuso de poder se desdobra em três configurações próprias, que são o excesso de poder, o desvio de poder ou de finalidade e a omissão:

Excesso de poder: quando a autoridade competente age além do permitido na legislação, ou seja, atua ultra legem;

Desvio de poder ou de finalidade: quando o ato é praticado por motivos ou com fins diversos dos previstos na legislação, ou seja, contra legem, ainda que buscando seguir a letra da lei, mas onde normalmente ocorre violação de atuação discricionária;

Omissão: quando é verificada a inércia da administração em realizar as suas funções, injustificadamente, havendo violação de seu poder-dever.

Para o exercício de suas funções, o agente público dispõe de um poder regulado pela lei. O agente público só pode fazer aquilo que a lei determina e o que a lei não veda. Em outras palavras, não pode atuar de forma contrária à lei (contra legem), além da lei (ultra legem), mas exclusivamente de acordo com a lei (secundum legem). O uso de poder é uma prerrogativa do agente público, e ao mesmo tempo em que o agente obtém a prerrogativa de "fazer" ele atrai o "dever" de atuar, o denominado poder-dever.

O artigo 3º e 4º da lei 4.898/65 elenca condutas consideradas crime de abuso de autoridade, mas nos atentaremos as do artigo 3º, são elas os atentados:

A) À liberdade de locomoção:

Entende-se que ninguém será privado do direito de ir e vir, sem motivo legal, nem preso, senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo em casos de transgressão disciplinar ou crime militar propriamente dito.

B) À inviolabilidade do domicílio:

De acordo com o artigo 5º da Constituição Federal “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial”. Com isso, verifica-se que não observadas essas determinações do texto maior, será considerado abuso de autoridade qualquer intervenção dentro do domicílio de qualquer cidadão.

C) Ao sigilo de correspondência:

Entende-se o ato de violar correspondência alheia, sem permissão do destinatário, seja comunicação por carta, telegráfica ou telefônica, por isso que todo e qualquer grampeamento telefônico deve ser feito sob autorização judicial.

D) À liberdade de consciência e de crença:

Assegura o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto e as suas liturgias, também uma garantia constitucional.

E) Ao livre exercício do culto religioso:

Vale lembrar que a liberdade de consciência, de crença e ao culto religioso não é absoluta, pois caso sejam atentatórios à moral ou coloquem em risco a ordem pública, a autoridade pode impedir a sua realização.

F) À liberdade de associação:

Qualquer pessoa é livre para se associar, considerando abuso a atitude da autoridade de proibir ou impedir tal exercício.

G) Aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício de voto:

Conforme artigo 14 da Constituição Federal, ninguém pode ser impedido ou que seja dificultada ao cidadão o seu direito de voto, qualquer impedimento ou entrave será considerado abuso de autoridade.

H) Ao direito de reunião:

A autoridade que dificultar ou impedir o direito de se reunir em grupo, deverá sofrer as punições cabíveis, o direito de reunião é uma garantia constitucional, desde que não tenha fins ilícitos ou que seja realizada em local proibido ou sem prévia permissão.

I) À incolumidade física do indivíduo:

Trata-se de que será considerado abuso, qualquer lesão a incolumidade física do indivíduo sem motivo justificadamente legal, mas devendo-se olhar atenção, pois esse abuso pode resvalar numa tentativa de homicídio, lesão grave ou tortura.

J) Aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional:

Garante o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais estabelecidas por lei. Esse direito está assegurado no artigo 5º, XIII, da Constituição Federal.

O bem jurídico tutelado pela lei de abuso de autoridade são os direitos e garantias fundamentais, são aqueles garantidos pela Carta Magna, seja a liberdade de culto, o direito de ir e vir, compreende toda a garantia de que o cidadão possa gozar e desfrutar, sem ser perturbado ou ameaçado.

Quem pode ser o sujeito ativo? Nos crimes de abuso de autoridade o sujeito ativo sempre será a autoridade, autoridade essa que consideramos para os efeitos dessa lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente. Pode-se considerar também como sujeito ativo aquele que atua como participe ou coautor, mesmo aquele que não se enquadra no artigo 5º da lei 4.898/65.

Nos crimes de abuso de autoridade não existe culpa, pois nesses crimes sempre haverá a intenção de causar dolo, consequentemente nesses crimes sempre haverá o dolo, a intenção de causar a lesão, de praticar o dano.

O artigo 3º da lei não admite a tentativa, entretanto, o artigo 4º da mesma lei, já se pode falar na figura da tentativa, pois as condutas tipificadas nas letras desse artigo são mais detalhadas, admitindo-se assim, o instituto da tentativa.

Quanto às sanções aplicadas às autoridades que cometem abuso, vale dizer que podem ser de natureza administrativa, civil e penal, acarretando em advertência, repreensão, suspensão do cargo por 180 dias com perda de vencimentos e vantagens, destituição de função, demissão, multa, detenção, perda do cargo, dentre outras, a depender do caso concreto.

No entanto, para que as autoridades possam ser punidas, é preciso que a vítima do abuso exerça o direito de representação por meio de petição dirigida à autoridade superior que tiver competência legal para aplicar, à autoridade civil ou militar culpada, a respectiva sanção ou ao órgão do Ministério Público que tiver competência para iniciar processo-crime contra a autoridade culpada.

Interessante destacar, por último, que a vítima do abuso de autoridade pode requerer indenização por danos morais na Justiça, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

A pena máxima cominada para o crime de abuso de autoridade é de seis meses de detenção, ou multa, sendo certo que a sentença absolutória não interrompe a prescrição e a pena de multa, quando aplicada isoladamente, prescreve em dois anos e decorridos mais de três anos do recebimento da denúncia.

Na legislação internacional, merece menção a Declaração dos Direitos da Vítima, documento registrado sob a Resolução Nº 40/34 da Assembleia Geral das Nações Unidas a 29 de novembro de 1985, e que em seu conteúdo, define quem são as vítimas da prática do abuso de poder. Lá estão relacionadas as pessoas que, individual ou coletivamente tenham sofrido danos, inclusive lesões físicas ou mentais, sofrimento emocional, perda financeira ou diminuição substancial de seus direitos fundamentais, como consequência de ações ou omissões que não cheguem a constituir violações de direito penal nacional, mas violem normas internacionalmente relativas aos direitos humanos.

O Senado Federal aprovou em 26 de junho de 2019 um projeto que criminaliza abuso de autoridade cometido por juízes e membros do Ministério Público. A proposta agora será enviada à Câmara dos Deputados. Segundo o projeto aprovado qualquer cidadão poderá comunicar à autoridade competente a prática de ato que configure abuso de autoridade de um magistrado ou membro do Ministério Público.

Para isso, é preciso que as condutas questionadas tenham sido "praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal".

Constitui crime de abuso de autoridade de juízes e membros do MP, por exemplo: atuar com "evidente" motivação político-partidária; proferir julgamento quando impedido por lei; receber pagamento pela sua atuação em processos; exercer outro cargo, salvo professor, ou ser sócio de empresas.

Além disso, também pode ser considerado crime de abuso de autoridade expressar, em meios de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seja ele seu ou de outro magistrado. Uma exceção incluída pelo Senado é o Ministério Público, que pode se manifestar pela imprensa desde que não extrapole "o dever de informação e publicidade". A pena prevista é de seis meses a dois anos de detenção.

Conclusão

O abuso de autoridade está entre as quatro principais reclamações da população do Estado de São Paulo à Ouvidoria de Polícia. Em 2018, o órgão recebeu 5.540 denúncias em relação às atividades das polícias civil, militar e técnico-cientifica. Foram 840 denúncias classificadas como abuso de autoridade, sendo 84% envolvendo policiais militares, 14% de policiais civis e 2% com membros das duas polícias (Dados da Ouvidoria da Polícia de São Paulo ano 2018).

O abuso de autoridade é ato ilícito, repreendido nas esferas penal, civil e administrativa, por meio do qual um agente público ou pessoa investida em função pública, valendo-se desta posição, atua dolosamente em excesso de poder ou desvio de finalidade e, desse modo, atenta contra os direitos subjetivos de outrem.

Referências

Lei 4.898/65 (Lei de Abuso de Autoridade)

GUARACY, Moreira Filho. Código penal comentado. 2 ed. São Paulo: Riddel, 2012.

NUCCI, de Souza Guilherme - Leis Penais e Processuais Penais Comentadas - vol. 1 8ª Edição – Rio de Janeiro: Forense, 2014.

Sobre o(a) autor(a)
Benigno Núñez Novo
Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília...
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