Os sistemas processuais penais: um olhar crítico ao modelo brasileiro
Análise das características dos sistemas processuais penais, identificando a classificação utilizada pelo processo penal brasileiro e se aquela se encaixa ou não na essência principiológica deste.
O objetivo do presente artigo é analisar, de forma sucinta, as características dos sistemas processuais penais, identificando a classificação utilizada pelo processo penal brasileiro e se aquela se encaixa ou não na essência principiológica deste.
Existem dois principais tipos de sistemas processuais penais: o inquisitório e o acusatório.
Conforme Lopes Jr. (2018, p.42), no sistema inquisitório não existe separação das funções, aglutinando-se os poderes de acusar, buscar a prova, defender e julgar (ações extremamente contrastantes entre si).
Não há aqui contraditório ou dialética, já que o juiz exerce todas as atividades essenciais ao funcionamento do processo, e a noção de que o acusado é parte se torna distante, visto que este funciona como mero “objeto de verificação”.
Desse modo, as principais características desse sistema se traduzem na possibilidade de o juiz atuar de ofício (na medida em que acumula todas as funções), tanto para acusar como para investigar e gerir as provas, tornando-se um julgador visivelmente parcial, o que limita o contraditório e enfraquece a paridade de armas no processo.
Já no sistema acusatório, prevalece uma visão mais garantista e fundada no sistema constitucional atual, uma vez que delimita a separação das funções e assegura a imparcialidade do juiz, pois este figura como um terceiro (juiz-espectador) que apenas analisará a prova produzida pelas partes (as quais tem a iniciativa probatória).
Aqui, garante-se também a igualdade de oportunidades para as partes, contraditório e ampla defesa, além da publicidade dos atos processuais, com a finalidade de manifestação das partes (LOPES JR., 2018, p.43).
Portanto, é incompatível com esse modelo a atuação de ofício do juiz, sob pena de contaminação deste quando da busca pelas provas, devendo estas serem levadas ao seu conhecimento, a fim de que se exerça o contraditório e a imparcialidade resista intacta. Há ainda o sistema que é considerado misto e que é adotado no Brasil, isto é, uma junção entre sistema inquisitório e acusatório, predominando na fase pré-processual o primeiro, e na processual o segundo.
Entretanto, há que ser feita uma crítica pertinente à adoção dessa concepção para o sistema processual penal brasileiro.
Afirma Lopes Jr. (2018, p.45) que todos os sistemas atuais são mistos, não existindo modelos puros, e por assim o serem, devem conter em sua definição um "núcleo fundante" que defina sua predominância principiológica, ou seja, se o seu fundamento origina-se do princípio inquisitório ou acusatório.
A diferença entre esses dois princípios se traduz na localização da gestão probatória: se nas mãos do juiz, ou das partes. Se o núcleo fundante tiver como base o sistema acusatório, não se pode dizer, se for o intuito do legislador realmente cumprir os ditames desse modelo, que há uma fase inicial de separação de funções e, em outro momento, permitir ao juiz a iniciativa probatória, como ocorre em alguns dispositivos da legislação processual penal brasileira.
O juiz que busca as provas contamina sua imparcialidade e promove um ativismo judicial, pois deixa de proporcionar o contraditório "para ser um mero ato de poder (decisionismo)". Não basta haver acusação para que o sistema seja acusatório (LOPES JR., 2018, p.46).
Como se pode perceber em alguns dispositivos do Código de Processo Penal Brasileiro, a despeito da Constituição Federal se basear no sistema acusatório, já que preza pelo contraditório, pela ampla defesa e pela imparcialidade do juiz, existe um processo essencialmente inquisitório, na medida em que permite a busca de provas e a produção de atos de acusação pelo juiz, como a decretação da prisão de ofício (art.310, CPP) e a possibilidade de condenar, mesmo que o Ministério Público tenha pedido a absolvição (art.385, CPP).
Assim, não adianta que se tenha a separação de funções na fase inicial, se depois não continuar havendo o afastamento do juiz da atividade probatória.
Diante disso, a classificação como sistema misto do processo penal se torna, em certo ponto, equivocada, pois é em sua essência inquisitorial, embora a Constituição Federal de 1988 dê outra orientação, havendo aqui uma contradição entre o sistema constitucional atual e o previsto pelo processo penal.
REFERÊNCIAS
LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do Processo Penal: Introdução Crítica. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.