O direito à saúde e os parâmetros traçados pelas decisões dos Tribunais

O direito à saúde e os parâmetros traçados pelas decisões dos Tribunais

O objetivo deste trabalho é trazer os entendimentos mais atuais e abalizados no que pertine ao direito à saúde aplicado pelos nossos tribunais que, muitas vezes, mitiga tal direito com a razoabilidade, aplicando a medicina de evidência dentre outros mecanismos para se evitar a falência da saúde.

INTRODUÇÃO

A facilitação do acesso à justiça, o aparelhamento da Defensoria Pública, a facilidade de acesso a um advogado e um melhor esclarecimento da população sobre seus direitos vêm ensejando um crescimento exponencial da judicialização da saúde, por meio de demandas que objetivam leitos de UTI’s, reparação por erros médicos, fornecimento de medicamentos, órteses, próteses, dentre outros.

É fácil observar o crescimento de tais ações. No âmbito do STJ, por exemplo, o número de casos de especificamente de erro médico passaram de 466 em 2015 para 589 em 2016. Já em 2017 foram computados 26 mil processos.(PORTAL TERRA, 2018) .

Já nos Juízos de primeiro grau, foram protocoladas 70 ações por dia, sobre erro médico, no ano de 2016.

E não apenas as ações de responsabilização do médico têm aumentado, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), registraram-se, em 2016, 1.346.931 processos com o tema saúde.  Segundo o mesmo Conselho, o pleito por medicamentos teve aumento de 1.300% em sete anos (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2018).

Assim, faz-se necessário o estudo do direito da saúde, haja vista o crescimento exponencial das ações afetas a esse assunto e, principalmente, em virtude da falta de conhecimento específico dos operadores do Direito nessa área, inclusive de advogados, promotores e magistrados.

O Direito Médico e o Direito da Sanitário constituem uma área complexa que exige especialização e capacitação do interessados em exercer tal mister. Precisa-se, pois, conhecer os mais atuais entendimentos dos Tribunais que vem evoluindo gradativamente e mitigando, em alguns casos, o direito constitucional à saúde quando conflitante com outros direitos e princípios também assegurados na Constituição Federal.

A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE EM NÚMEROS 

Há, nos dias atuais, como já dito, um crescimento significativo no número de ações que têm o tema da saúde. Segundo informações do sítio eletrônico do Conselho Nacional de Justiça, havia, em 2010, cerca de 240 mil ações que tinham como objeto tal direito. Até o fim de 2016, tramitavam 1.346.931 ações que envolvem o direito à saúde.

A União Federal gasta com demandas judiciais nessa área, o montante de R$ 3,9 bilhões, o que equivale a um aumento de 727% de 2010 até 2016. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2018).

Além do pleito de fornecimento de tratamento, cirurgia, leitos de UTI, também há o pleito de medicamento que é, inclusive, o objeto da maioria das ações envolvendo o direito à saúde, cujo aumento foi de 1.300% em sete anos.(CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016).

O CNJ, ciente de tal crescimento, aprovou Resoluções, Portarias e Recomendações, nas quais ele orienta os TRF’s  e TJ’s a criarem vara especializadas em Direito de Saúde, criação do Comitê Estadual da Saúde, criação do Fórum Nacional de Justiça para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde, dentre outros.

DO DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE: SOLIDARIEDADE E DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUS                 

No direito constitucional brasileiro, notadamente a partir da Carta Magna de 1988, pode afirmar-se, sem receio de equívoco, que a saúde é considerado como um direito fundamental.

A Constituição Federal, a seu tempo, garante os princípios da primazia do direito à saúde até como pressuposto para o livre exercício do próprio direito à vida. Isto é o que afirma do Art. 6 e Art 196, todos da CF/88.

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doe nça e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).

Assim, a respeito do direito à saúde no âmbito do judiciário, entendem os Tribunais que é dever do Estado, em seu sentido mais amplo, promover, proteger e recuperar a saúde de seu cidadão, custeando o tratamento que se revelar necessário, por meio da terapêutica eficiente em todas as modalidades.

Como visto, o direito à saúde é direito fundamental do ser humano, corolário do direito à vida. As disposições constitucionais nesse sentido são autoaplicáveis, dada a importância dos referidos direitos.

Assim, pelo entendimento esposado pelas jurisprudências, compete ao Estado, no sentido lato sensu, ou seja, compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o resguardo dos direitos fundamentais relativos à saúde e à vida dos cidadãos, conforme regra expressa do art. 196 da Constituição Federal.

A jurisprudência pátria reconhece a solidariedade entre os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios):

REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE FRALDAS GERIÁTRICAS. DEVER CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, DOS ESTADOS E DOS MUNICÍPIOS. O fornecimento gratuito de medicamentos e demais serviços de saúde constitui responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, derivada do artigo 196 da Constituição Federal c/c o art. 241 da Constituição Estadual. Precedentes do STF e STJ. Sentença mantida em reexame necessário. (Reexame Necessário Nº 70063545974, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 18/03/2015).(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, 2015)

Dessa forma, o entendimento da solidariedade permite que o cidadão exija, em conjunto ou separadamente, o cumprimento da obrigação por qualquer dos entes públicos.

A respeito dessa questão, vale mencionar um aspecto importante. A Lei n 8.080/90 que dispõe sobre o Sistema Único de Saúde dispõe sobre algumas atribuições comuns entre os entes federados, na forma de seu Art. 15, bem como dispõe sobre divisão de competências entre os entes federados em seus Artigos 16, 17 e 18, de acordo com a complexidade da demanda.

Assim, inobstante o entendimento da solidariedade entre os entes federados, entendo que as decisões devem-se respeitar a distribuição de competência estipulada pela Lei número 8.080/90 e demais legislações de forma a condenar, inicialmente, ao ente federativo competente pelo objeto da lide, cabendo aos demais entes federados o cumprimento da obrigação caso haja inadimplência do Ente Federativo responsável principal.

Inclusive, nessa mesma linha, o Conselho Nacional de Justiça, órgão da estrutura do Poder Judiciário e composto essencialmente por Ministros do próprio STF, definiu:

CNJ – I Jornada de Direito da Saúde – Enunciado n° 08 – Nas condenações judiciais sobre ações e serviços de saúde devem ser observadas, quando possível, as regras administrativas de repartição de competência entre os gestores. 

CNJ – II Jornada de Direito da Saúde – Enunciado n° 60 - A responsabilidade solidária dos entes da Federação não impede que o Juízo, ao deferir medida liminar ou definitiva, direcione inicialmente o seu cumprimento a um determinado ente, conforme as regras administrativas de repartição de competências, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento. (CARVALHO, 2018):

Esse tema ainda vai ser muito debatido pelos Juízes de primeiro grau e pelas Turmas Recursais ou Tribunais de Justiça do Estado. Mas, com certeza, os enunciados citados acima é um início de uma possível mudança de entendimento da jurisprudência de solidariedade entre os entes federados, sem o respeito da divisão de competência entabulada pela legislação que regulamenta o Sistema Único de Saúde.

O que não pode ocorrer é o deferimento de liminares desordenadas de ações relacionadas à saúde, sem seguir as normatizações e legislação em vigor.

Esse debate será de grande valia, haja vista que acaba por evitar o deferimento de liminares, ao meu ver, desordenadas nas ações relacionadas à saúde, sem respeitar as normatizações e legislação válidas e vigentes que regem a matéria

DA ADOÇÃO DA SAÚDE BASEADA EM EVIDÊNCIAS PELAS DECISÕES JUDICIAIS 

O estudo da saúde baseada em evidências é de suma importância para os operadores do direito que atuem na área do Direito Médico.

Entende-se como saúde baseada em evidência:

[...], saúde baseada em evidências (SBE) é definida como o elo entre a boa pesquisa científica e a prática clínica. Portanto, ela pode ser definida como saúde baseada na redução da incerteza. Essa redução da incerteza pode ser feita por meio da melhoria e do rigor da metodologia – para prevenção dos vieses –, do aumento do tamanho amostral em cada estudo ou da realização de metanálises, para diminuição dos efeitos do acaso. Enfim, essa redução pode ser obtida pela realização de sínteses críticas, ou seja, revisões sistemáticas e, com elas, diretrizes baseadas em evidências, para utilização na prática dos profissionais da saúde (ATALLAH, 2004; EL DIB; ATALLAH, 2006). Portanto, a saúde baseada em evidências consiste em tentar melhorar a qualidade da informação na qual se baseiam as decisões em cuidados de saúde. Ela ajuda o médico a evitar ‘sobrecarga de informação e, ao mesmo tempo, a encontrar e aplicar a informação mais útil. (BOSI, 2016).

A medicina baseada em evidências constitui o uso consciente de estudos médicos-científicos, que pode ser reprodutível e comprovado.

Ou seja, para o deferimento de qualquer tratamento, incluindo os medicamentosos, faz-se mister, inicialmente, ter evidências da efetividade, eficácia, eficiência e segurança do remédio. É a forma de averiguar a conduta médica, está em conformidade com os estudos médicos, em relação à eficácia da aplicação do medicamento prescrito para determinada doença.

Assim, a decisão judicial que fornece medicamente, por exemplo, deve se embasar em evidências médicas que comprovem a eficácia e eficiência do remédio prescrito para a doença diagnosticada do paciente. Caso contrário, senão houver evidência de qualquer eficiência, o pleito do medicamento deve ser negado.

O trecho a seguir apresenta uma decisão do Supremo Tribunal Federal que trata sobre a aplicabilidade da Medicina de Evidência nas ações de saúde:

A princípio, pode-se inferir que a obrigação do Estado, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição, restringe-se ao fornecimento das políticas sociais e econômicas por ele formuladas para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à corrente da “Medicina com base em evidências”. Com isso, adotaram-se os “Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas”, que consistem num conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas doses. Assim, um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente.

Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada. Dessa forma, podemos concluir que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2010).

A Resolução 238, de 06 de setembro de 2016, do Conselho Nacional de Justiça também adota a Medicina de Evidência para as ações relativas à saúde:

Art. 1º Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais criarão no âmbito de sua jurisdição Comitê Estadual de Saúde, com representação mínima de Magistrados de Primeiro ou Segundo Grau, Estadual e Federal, gestores da área da saúde (federal, estadual e municipal), e demais participantes do Sistema de Saúde (ANVISA, ANS, CONITEC, quando possível) e de Justiça (Ministério Público Federal e Estadual, Defensoria Pública, Advogados Públicos e um Advogado representante da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do respectivo Estado), bem como integrante do conselho estadual de saúde que represente os usuários do sistema público de saúde, e um representante dos usuário do sistema suplementar de saúde que deverá ser indicado pela Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor por intermédio dos Procons de cada estado.

§ 1° O Comitê Estadual da Saúde terá entre as suas atribuições auxiliar os tribunais na criação de Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-JUS), constituído de profissionais da Saúde, para elaborar pareceres acerca da medicina baseada em evidências, observando-se na sua criação o disposto no parágrafo segundo do art. 156 do Código de Processo Civil Brasileiro. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016)

Portanto, a saúde baseada em evidências consiste em tentar melhorar a qualidade da informação na qual se baseiam as decisões em cuidados de saúde.  Dá, assim, segurança ao Magistrado da eficácia, efetividade, eficiência e segurança do medicamento.

Assim, a medicina baseada em evidência deve ser adotada pelos Magistrados, pois ela é uma forma estratégica do Poder Judiciário para tomar a decisão mais acertada possível, quanto à coercitividade do fornecimento pelo SUS do tratamento de determinada doença.

DO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS FORA DO PROTOCOLO DO SUS E DE MEDICAMENTOS SEM REGISTRO NA ANVISA 

Em relação ao fornecimento de medicação que está fora do protocolo do SUS, o Superior Tribunal de Justiça fixou três requisitos básicos para seu deferimento: a) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; b) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; e c) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência. Veja trecho do aresto abaixo:

EMENTA : PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. ESTADO DO RIO DE JANEIRO . RECURSO ESPECIAL JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DOS RECURSOS REPETITIVOS. TEMA 106. OBRIGATORIEDADE DO PODER PÚBLICO DE FORNECER MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS EM ATOS NORMATIVOS DO SUS. ART. 1.022 DO CPC⁄2015. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. NECESSIDADE DE ESCLARECIMENTO. VEDAÇÃO DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PARA USO OFF LABEL . […]

TESE FIXADA:

A tese fixada no julgamento repetitivo passa a ser: A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:

i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;

ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;

iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.

Modula-se os efeitos do presente repetitivo de forma que os requisitos acima elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado, ou seja, 4⁄5⁄2018.

(EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 1.657.156 - RJ (2017⁄0025629-7). (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2018).

Dessa forma, plenamente possível o deferimento de liminar para obrigar que os Entes Federados forneçam medicamentos, mesmo que eles estejam fora do protocolo do SUS:

RECURSO ESPECIAL. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. PACIENTE PORTADOR DO VÍRUS HIV. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. [...]

4. Precedentes desta Corte, entre eles, mutatis mutandis, o Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada nº 83/MG, Relator Ministro EDSON VIDIGAL, Corte Especial, DJ de 06.12.2004: "1.

Consoante expressa determinação constitucional, é dever do Estado garantir, mediante a implantação de políticas sociais e econômicas, o acesso universal e igualitário à saúde, bem como os serviços e medidas necessários à sua promoção, proteção e recuperação (CF/88, art. 196). 2. O não preenchimento de mera formalidade no caso, inclusão de medicamento em lista prévia  não pode, por si só, obstaculizar o fornecimento gratuito de medicação a portador de moléstia gravíssima, se comprovada a respectiva necessidade e receitada, aquela, por médico para tanto capacitado. Precedentes desta Corte. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2005) 

Quanto ao último requisito estipulado pelo STJ para o fornecimento de medicamento que não esteja no protocolo do SUS, qual seja, que ele seja registrado na ANVISA, vale trazer algumas jurisprudências que corroboram tal entendimento.

DECISÃO: ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por MAIORIA de votos, conhecer do recurso de apelação e lhe dar provimento, restando o reexame necessário prejudicado, nos termos do voto. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO.AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PACIENTE PORTADORA DE MIELOMA MÚLTIPLO (CID C900). PLEITO DE FORNECIMENTO DO FÁRMACO LENALIDOMIDA 25MG.MEDICAÇÃO QUE NÃO POSSUI REGISTRO NA ANVISA. IMPOSSIBILIDADE DE IMPORTAÇÃO/COMERCIALIZAÇÃO (LEI FEDERAL Nº 6.360/76). PROTEÇÃO DA SAÚDE E INTEGRIDADE FÍSICA DOS CONSUMIDORES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. REEXAME NECESSÁRIO PREJUDICADO.A ANVISA é o órgão que regulamenta a entrada de medicamentos no território nacional, autorizando a sua comercialização, sendo que quando a medicação encontra-se nela registrada, existe a segurança de que os Órgãos Oficiais encarregados da vigilância sanitária submeteram-na a estudos e avaliações que comprovam sua eficácia. Tendo em vista que a medicação postulada não possui registro na agência reguladora, o ente público não está obrigado a fornecê- la, sob pena de ofensa à legislação que rege a matéria, bem como a fim de proteger a saúde a integridade física dos consumidores. (TJPR - 5ª C.Cível - ACR - 1583939-3 - Campina Grande do Sul - Rel.: Luiz Mateus de Lima - Unânime - - J. 06.12.2016) (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, 2016)

Este também é o que afirma o CNJ em sua Recomendação 31: 

CONSIDERANDO que os medicamentos e tratamentos utilizados no Brasil dependem de prévia aprovação pela ANVISA, na forma do art. 12 da Lei 6.360/76 c/c a Lei 9.782/99, as quais objetivam garantir a saúde dos usuários contra práticas com resultados ainda não comprovados ou mesmo contra aquelas que possam ser prejudiciais aos pacientes; (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010)

Ou seja, entende-se que o direito à saúde não será plenamente concretizado sem que o Estado cumpra a obrigação de assegurar a qualidade das drogas distribuídas aos indivíduos mediante rigoroso crivo científico.

Os enunciados da Fórum de Saúde do Conselho Nacional de Justiça também corroboram a necessidade do registro do medicamento na ANVISA:

Convém ressaltar que o Conselho Nacional de Justiça, por ocasião da 1ª Jornada de Direito da Saúde, realizada em 15/5/2014, teceu balizas a serem observadas sobre o tema, editando enunciados, dentre os quais se destacam aqueles capitulados sob os números 4, 6, 9 e 12, a seguir transcritos: (...)

Enunciado nº 6: A determinação judicial de fornecimento de fármacos deve evitar os medicamentos ainda não registrados na Anvisa, ou em fase experimental, ressalvadas as exceções expressamente previstas em lei.' (...)

(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL  E DOS TERRITORIOS, 2017)

Todavia, o STJ já lavrou decisão contrária, autorizando o fornecimento de medicação sem seu registro na ANVISA:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.621.854 - PR (2016/0222769-4)

[…]RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PARA TRATAMENTO DE SAÚDE. PACIENTE PORTADOR DE CÂNCER. MEDICAÇÃO QUE DESPROVIDA DE REGISTRO NA ANVISA. POSSIBILIDADE. DIREITO À VIDA. DEVER DO ESTADO. - Parecer pelo provimento do recurso. É o relatório. Decido. Como a decisão recorrida foi publicada sob a égide da legislação processual civil anterior, observam-se em relação ao cabimento, processamento e pressupostos de admissibilidade dos recursos as regras do Código de Processo Civil de 1973, diante do fenômeno da ultratividade e do Enunciado Administrativo n. 2 do Superior Tribunal de Justiça. Tenho que a postulação merece guarida. Esta Corte possui entendimento assentado no sentido da obrigatoriedade do fornecimento pelo Estado de medicamento, ainda que não presente na listagem do SUS, em razão da comprovação de sua imprescindibilidade ao paciente. Numa analogia paralela, considerando a responsabilidade do Estado de assegurar o direito fundamental à saúde, incluindo o fornecimento de medicamentos a pessoas com menos possibilidade financeira, resta evidente a obrigação estatal de fornecer o medicamento, não sendo a ausência de registro junto à ANVISA óbice ao direito fundamental à saúde, regulamentado, também, pela Lei 8.080/90. Tendo a Corte de origem, portanto, mantida a decisão que negou o fornecimento do medicamento apenas com base na ausência de registro do produto junto à ANVISA, merece reforma o decisum. […] (AgRg na MC 23.747/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/09/2015, DJe 23/09/2015). Ante o exposto, com fundamento no art. 255, § 4º, III, do RI/STJ, dou provimento ao recurso especial, com a inversão da verba sucumbencial. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 24 de novembro de 2016. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO Relator

(STJ – REsp: 1621854 PR 2016/0222769-4, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Publicação: DJ 09/12/2016)

(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2016)

Assim, esse tema ainda é muito controvertido nos Tribunais, motivo pelo qual deve-se aguardar a pacificação deste, devendo, inicialmente, aplicar o entendimento da desnecessidade de registro juntamente à ANVISA, se existir evidências médicas da eficácia do medicamento e, principalmente, se ele for utilizado em outros países.

 Ora, estamos diante de um conflito de princípios, de um lado está a segurança do medicamento e do outro lado o direito à vida devendo, por óbvio, este prevalecer.

Ademais, a própria lei que cria a ANVISA autoriza, em casos excepcionais, a aquisição de remédios sem o prévio registro na forma do Art 8, Parágrafo 5, da Lei 9.782/99:

§ 5o A Agência poderá dispensar de registro os imunobiológicos, inseticidas, medicamentos e outros insumos estratégicos quando adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso em programas de saúde pública pelo Ministério da Saúde e suas entidades vinculadas.

(LEI 9.782, 1999)

Este tema é de grande debate entre os operadores de Direito e só deve chegar ao seu fim quando do julgamento da Repercussão Geral de número 500 que trâmita no Supremo Tribunal Federal e que tem como tema o dever do Estado de fornecer medicamento não registrado pela ANVISA.

CONCLUSÕES

Como esclarecido neste trabalho, percebe-se que o número de demandas, no que pertine ao Direito Médico e ao Direito de Saúde, vem crescendo exponencialmente, cabendo aos Tribunais Pátrios mitigarem a aplicação do Art. 6 e 196 da Constituição Federal, sob pena de se obter uma falência do sistema de saúde Brasileiro.

Vale salientar que, na realidade, a mitigação da concessão de liminares não vem em forma de retrocesso, mas sim por meio da criação de parâmetros razoáveis e estipulados pelo CNJ, com o fito de evitar decisões desordenadas e que, no fim, possam interferir em toda coletividade com a restrição de verbas públicas para a saúde.

7 REFERÊNCIAS

PORTAL TERRA. Com 3 ações de erro médico por hora, Brasil vê crescer polêmico mercado de seguros. Disponível em: <https://www.terra.com.br/economia/com-3-acoes-de-erro-medico-por-hora-brasil-ve-crescer-polemico-mercado-de seguros,9fdad0c4f3c50f8879877620609e29147975npb9.html>. Acesso em: 16 de dezembro de 2018

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Judicialização da saúde: iniciativas do CNJ são destacadas em seminário no STJ. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/86891-judicializacao-da-saude-iniciativas-do-cnj-sao-destacadas-em-seminario-no-stj>. Acesso em 16 de dezembro de 2018

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CNJ e Ministério da Saúde firmam acordo para criação de banco de dados. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/83208-cnj-e-ministerio-da-saude-firmam-acordo-para-criacao-de-banco-de-dados>. Acesso em 16 de dezembro de 2018

IPOG BLOG. Judicialização da saúde no Brasil em números. Disponível em: < https://blog.ipog.edu.br/saude/judicializacao-da-sade-em-numeros/>. Acesso em: 16 de dezembro de 2018

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p. (Série Legislação Brasileira).

TJ/RS. Rexame Necessário: 70063545974. Relator: Marco Aurélio Heins. Vigéssima Primeira Câmera Cível. DJ: 18/03/2015. TJ/RS, 2018. Disponivel em: <https://www.tjrs.jus.br/site/processos/>. Acesso em: 16 de dezembro de 2018

CARVALHO, Rodrigo Pimentel de. O direito à saúde e a competência dos entes federativos. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 nov. 2016. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57018&seo=1>. Acesso em: 16 dez. 2018.

BOSI, Paula Lima. Saúde baseada em evidências. Disponível em <http://disciplinas.nucleoead.com.br/mwg-internal/de5fs23hu73ds/progress?id=6gAPPzRtfRi1_vSVOJ2jzUyDNPhbusegRtyt9TeVDM4>Acesso em 14/03/2016.

STF. Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada: 175. Relator: Gilmar Mendes. Tribunal Pleno. DJ: 17/03/2010. STF, 2018. Disponivel em:<https://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=processosAtendimentoSTF&pagina=processosAtendimentoSTF>. Acesso em: 16 de dezembro de 2018

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução 238, de 2016. Dispõe sobre a criação e manutenção, pelos Tribunais de Justiça e Regionais Federais de Comitês Estaduais da Saúde, bem como a especialização de vara em comarcas com mais de uma vara de fazenda Pública, 06 de setembro de 2016. Resolução 238/2016. Resolução 238 de 06 de setembro de 2016: promulgada em 5 de outubro de 1988.

STJ. Recurso Especial: 1.657.156. Relator: Benedito Gonçalves. Pleno. DJ: 21/09/2018. STJ, 2018. Disponivel em: < https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/>. Acesso em: 16 de dezembro de 2018

STJ. Recurso Especial: 684646. Relator Luiz Fux. Primeira Turma. DJ 30/05/2005. Jusbrasil,2018. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7226881/recurso-especial-resp-684646-rs-2004-0118791-4-stj>. Acesso em: 16 de dezembro de 2018.

TJ/PR. Apelação Reexame Necessário: 15839393. Relator Luiz Mateus de Lima. DJ 15/12/2016. Jusbrasil, 2018. Disponível em: <https://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/415296416/apelacao-reexame-necessario-reex-15839393-pr-1583939-3-acordao?ref=serp>.  Acesso em: 16 de dezembro de 2018.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação 31, de 2010. Recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde. 30 de março de 2010. Recomendação 31/2010. Recomendação 31 de 30 de março de 2010 publicada em 07 de abril de 2010.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. Medicamento/tratamento não registrado pela ANVISA – Mitigação da exigência de registro. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/jurisprudencia/jurisprudencia-em-foco/jurisprudencia-em-detalhes/saude-publica/medicamento-nao-registrado-pela-anvisa-mitigacao-da-exigencia-de-registro>. Acesso em 16 de dezembro de 2018

STJ. Recurso Especial: 1621854. Relator Francisco Falcão. DJ 09/12/2016. Jusbrasil,                2018. Disponível em: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7226881/recurso-especial-resp-684646-rs-2004-0118791-4-stj >. Acesso em: 16 de dezembro de 2018.

BRASIL. Lei 9.782, de 26 de janeiro de 1999. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências.

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Sérgio de Freitas Carneiro Filho
Sérgio de Freitas Carneiro Filho
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