Contraditório em fase de inquérito policial

Contraditório em fase de inquérito policial

Análise acerca da mitigação do contraditório em fase de inquérito policial, tendo como viés as questões que envolvem doutrina e jurisprudência.

Antes de tudo necessário se explicar rapidamente o que é o contraditório. 

De acordo com o artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". 

Nesse diapasão, é possível entender que o princípio do contraditório é um corolário do princípio do devido processo legal, e significa que todo acusado terá o direito de resposta, de divergir a acusação que lhe foi feita, utilizando, para tanto, todos os meios de defesa admitidos em direito. 

Portanto, é contraditório a opinião adversa, é a outra faceta da moeda, a versão do fato sob a ótica da defesa. Dito isso, podemos adentrar ao que diz respeito ao Inquérito Policial. 

Não obstante ser o mais importante mecanismo investigativo criminal, o inquérito policial ainda é tratado com certo desdém por parte da doutrina e jurisprudência. 

É comum uma abordagem incompleta da temática, como se o inquérito policial figurasse como mera peça investigativa e de cunho exclusivamente inquisitorial, o que não é verdade tendo em vista que o I.P atinge na maioria das vezes direitos fundamentais do investigado e por isso uma grande e importante repercussão na própria persecução penal. 

Durante a fase de I.P o investigado poderá sofrer sérias restrições em seu patrimônio jurídico a partir do momento em que sua condição passa de investigado para acusado, e é aí o ponto crucial deste artigo. 

É comum encontrar-se na jurisprudência pátria que não existe contraditório em fase de inquérito policial por ser fase investigativa não processual e nessa esfera já podemos apontar o primeiro erro grave que passou despercebido pelos nobres julgadores que formaram essa jurisprudência dividida e explicaremos os motivos: O inquérito surge com o apontamento de um suposto crime tendo como principal objetivo a colheita de informações e colheita de indícios de provas para ensejar condições mínimas que apontem indícios de autoria e materialidade do delito cometido. 

Pois bem, repare que enquanto se investiga o fato criminoso, o agente que é investigado em um primeiro momento surge como suspeito e nessa esfera se admite no máximo um contraditório mitigado já que é direito de qualquer cidadão ser acompanhado por advogado em delegacia durante a fase inquisitorial ainda que ele figure apenas como suspeito, porém, caso a autoridade policial esteja convencida que existam apontamentos na investigação que possam elevar a qualidade desse investigado ou suspeito para a figura de um acusado, nesse ponto nasce o contraditório que esta ligado umbilicalmente com o sagrado principio da ampla defesa. 

Sendo assim, natural que embora não seja um procedimento judicial ainda assim é processual e não apenas procedimental administrativo como costumamos ouvir no dia a dia na labuta da advocacia criminal. 

Para ficar mais claro, imaginemos que o delegado de policia esteja convencido da autoria do crime represente na esfera judicial pela prisão temporária do investigado, nesse momento ele passa a ser acusado formalmente pelo inquérito e não pelo Ministério Publico, mas ainda assim existira uma mudança etimológica nesse sentido, e por tanto, se faz extremamente necessário que seja exercida sua amplitude de defesa através de um advogado. 

Repare que a partir do ponto em que exista um pedido de prisão em desfavor do acusado, nascerá um processo judicial com numeração e atos processuais, sendo que obrigatoriamente deverá existir um parecer do Ministério Publico através do promotor de justiça que é parte litigante no processo penal, dai a indispensabilidade da constituição de um advogado até mesmo por que na sua ausência obrigatoriamente será constituído defensor publico sob pena de nulidade absoluta. 

Embora seja muito difícil conseguir revogar um pedido de prisão temporária, que serve para garantir a fase investigatória, ainda assim, podemos ver claramente que o advogado por meio do contraditório exibido em peça processual na defesa técnica irá demonstrar os motivos para o não encarceramento de seu cliente e se não for para contraditar, seria inócua toda e qualquer forma de se tentar revogar ou cassar os mandados de prisão em fase de inquérito policial seja por meio de habeas corpus ou qualquer outro requerimento. 

Observe que sempre que existir uma participação do judiciário de forma direta na fase de investigação e o melhor exemplo disso são os mandados de prisão, nascerá o devido processo legal mesmo que não esteja formalizado judicialmente, e, portanto necessário se faz o exercício da amplitude de defesa por meio do contraditório. 

Pois bem, por outro lado além de simplista, é vulgar a afirmação de que “não se aplicam o contraditório e a ampla defesa no inquérito policial”, proposição baseia-se numa interpretação literal da Constituição Federal, que em seu artigo 5º, LV garante o contraditório e a ampla defesa aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral. 

Daí se conclui que não estão incluídos os investigados em inquérito policial, por não serem litigantes ou acusados e por não constituir o procedimento policial um processo. Ocorre que como já demonstrado anteriormente, o mero investigado surgirá como acusado quando existir representação pela sua prisão, e com o parecer do Ministério Publico e conhecimento do pedido pelo Juízo logo aquele investigado que passou a ser acusado restará configurado no processo como litigante em conformidade com o que aduz o texto constitucional. 

Todavia, meras confusões terminológicas não têm o condão de aniquilar a norma protetora, e num segundo plano, apenas por amor ao debate, podemos concluir que nos acusados em geral estão contidos os suspeitos e indiciados, contra os quais o Estado já pode adotar medidas restritivas (como busca e apreensão domiciliar, interceptação telefônica e até mesmo a prisão). 

A acusação em geral (o constituinte não utilizou o complemento inutilmente) abrange não apenas a imputação formal (veiculada por ação penal), mas também a imputação informal (caracterizada pelo inquérito policial) o que repetimos, enseja a possibilidade e direito ao contraditório, ainda que esse direito seja exercido através do silencio de quem estiver sendo investigado. 

Além disso, o termo processo abarca o procedimento, já tendo o legislador em outras oportunidades empregado a palavra em sentido amplo, sendo o processo nada mais nada menos que o conjunto de ações procedimentais, investigação, atos da defesa, parecer do Ministério Publico e despachos e decisões judiciais, não há o que se confundir com responder a um processo a partir da denuncia que é um objetivo de outro tema a ser discutido. 

Ademais, nada impede o etiquetamento do inquérito policial como processo administrativo sui generis. Apesar da resistência em utilizar o termo processo na seara não judicial, a verdade é que, nada obstante não haver na fase policial um litígio com acusação formal, existe sim controvérsia a ser dirimida (materialidade delitiva e autoria). 

Superada a questão de nomenclaturas, de maneira a conferir a máxima efetividade ao dispositivo constitucional, a análise do próprio conteúdo desses princípios permite concluir que são aplicáveis na fase pré-processual, mesmo que de maneira mais tênue o tão discutido contraditório por fazer este importante ferramenta para o exercício da ampla defesa. 

Contraditório consiste no acesso do interessado à informação (conhecimento) do que foi praticado no procedimento, podendo então exercer a reação de contraditar ou mesmo como já foi dito, o simples silencio e este já basta para formar contraditório. 

É dizer, a partir da ciência do ato persecutório que o agente tem o direto constitucional de se contrapor, discordar dos atos que lhes são desfavoráveis, sendo possível influir no convencimento da autoridade que poderá não indicia-lo. 

Por outro lado é importante dizer que quando um defensor através de qualquer pedido para revogação de prisão ou simples manifestação de qualquer ato provido da fase investigatória, não estará se aprofundando em questões de mérito, pois, não é a fase processual adequada para essa discussão, porém, deve-se sim expor de forma rasa questões de mérito amparando-se no principio da amplitude de defesa para que através do contraditório se busque a verdade real. 

A ampla defesa abrange diversas formas de contraditório que devem ser esmiuçadas pelo advogado com notório saber jurídico e alto grau do saber, e podemos citar em caso de habeas corpus para se opor e cassar mandado de prisão expedido em fase de inquérito policial, pois o defensor exerce plenamente o seu direito de contraditar mesmo que seja fazendo apontamentos de questões técnicas contidas na exegese legal. 

Da mesma forma que, a partir da ciência do investigado em relação aos atos investigativos (limitada temporalmente à finalização das diligências), pode o suspeito se manifestar de forma ampla, requerendo diligências (artigo 14 do CPP) e contraprova (artigo 306, §2º do CTB), e apresentando razões e quesitos (artigo 7º, XXI do Estatuto da OAB). Vale dizer que o contraditório incide de forma regrada quanto ao direito de informação (condicionado à conclusão das diligências policiais não anexadas de forma documental no inquérito policial). 

Já sua outra faceta, a possibilidade de reação, que se confunde com a própria ampla defesa, não sofre maiores limitações. Isso porque o investigado pode se manifestar pessoalmente no interrogatório (autodefesa positiva ou negativa) bem como por intermédio do seu defensor (defesa técnica). 

No entanto, mesmo que não exista barreira à defesa na fase policial, deve-se reconhecer que ainda assim é mais exógena fora do inquérito policial, por habeas corpus ou mandado de segurança impetrados perante o juiz, do que endógena, ou seja, dentro do inquérito policial, por requerimentos ao delegado de polícia. Interessante observar que as Cortes Superiores são contraditórias ao tratar desse assunto. 

Se de um lado aduzem genericamente que não se aplica o contraditório e a ampla defesa ao inquérito policial, de outro lado o STF edita a súmula vinculante 14 e o STJ assenta que “apesar da natureza inquisitorial do inquérito policial, não se pode perder de vista que o suspeito (...) possui direitos fundamentais que devem ser observados mesmo no curso da investigação, entre os quais o direito ao silêncio e o de ser assistido por advogado”. A doutrina, na mesma esteira, crava que inexiste contraditório e ampla defesa no inquérito policial, mas ao mesmo tempo não deixa de reconhecer o plexo de direitos do qual o investigado é titular e reconhecendo que tem ele direito a ampla defesa nessa fase. 

Há estudiosos, mais diretos, que não encontram problemas em admitir que a participação defensiva no inquérito policial se dá por meio de contraditório mitigado, e esse é o entendimento do professor e delegado de policia do Paraná, Dr.Henrique Hoffmann Monteiro de Castro, da Professora Ada Pellegrini, Professor Aury Lopes Junior dentre outros doutrinadores do Direito Penal e Processual Penal. 

Fica claro que o debate reside em uma questão terminológica para a correta interpretação do que é um suspeito, investigado, acusado, indiciado e ou litigante e por outro lado também a de se observar a questão substancial da amplitude de defesa e o contraditório. Obviamente não se defende a aplicação irrestrita da audiência bilateral (audiatur et altera pars). 

A Polícia Judiciária não é obrigada a notificar o investigado a cada ato praticado e abrir prazo para manifestação, como deve fazer o Judiciário no processo, sob pena de se jogar por água abaixo o indispensável elemento surpresa da investigação policial, por outro lado, nada poderá ser restringido ao defensor constituído por meio de procuração sob pena de grave desrespeito ao principio da amplitude de defesa. 

É plausível considerar que em uma persecução penal democrática, desde a fase inicial, o sujeito passivo da investigação preliminar tenha a possibilidade de expor suas razões e influir sobre o convencimento do delegado de polícia, tendo em vista que bens jurídicos da envergadura da liberdade estão em jogo. 

“A contrariedade da investigação consiste num direito fundamental do imputado, direito esse que por ser um elemento decisivo no processo penal não pode ser transformado em nenhuma hipótese, em mero requisito formal”. Isso significa que, antes de se indiciar ou denunciar alguém, é fundamental que tal pessoa não somente tome conhecimento da investigação que sobre si recai, mas também que possa eventualmente apresentar elementos que demonstrem sua inocência ou a própria inexistência do crime, ou seja, o contraditório propriamente dito. 

Tirar o direito ao contraditório por entendimento equivocado ao texto constitucional de quem quer que seja e independente do crime a ser investigado, é o mesmo que aplicar-se de forma implícita uma espécie de direito penal do inimigo do alemão Günther Jakobs. 

Assim concluímos que, é preciso reconhecer o contraditório e a ampla defesa como características básicas, porém fundamentais na fase de inquérito policial, evitando a equivocada mensagem de que a defesa é algo a ser colocada em segundo plano na investigação preliminar. 

Bibliografia

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, v 1. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 76. 

MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de inocência no processo penal brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 492. 

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 254; LAURIA TUCCI, Rogério; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Devido Processo Legal e Tutela Jurisdicional. São Paulo, RT, 1993, p. 25. 

MEDAUAR, Odete. A processualidade no Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 40-41. 

ROCHA, Sérgio André. Processo administrativo fiscal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p. 38; BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo administrativo disciplinar. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 58. 

LOPES JÚNIOR, Aury; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação preliminar no processo penal. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 472. 

PELLEGRINI GRINOVER, Ada; SCARANCE FERNANDES, Antônio e GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo, Malheiros, 1992. p. 63. 

STF, HC 83.233, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 19/03/2004; STJ, HC 259930, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DP 23/05/2013. 

STJ, RHC 34322, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 02/05/2014

Sobre o(a) autor(a)
Leandro Luiz Camanho
Advogado Criminalista - Membro da Associação dos Advogados Criminalistas de São Paulo ACRIMESP - Professor Universitário - Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal - Especialista em Direito Penal/Processo Penal / Direito...
Ver perfil completo
O conteúdo deste artigo é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
Lista de leitura
Adicione este artigo à sua lista de itens para ler depois
Adicionar à lista

Artigos relacionados

Leia mais artigos sobre o tema publicados no DN

Notícias relacionadas

Veja novidades e decisões judiciais sobre este tema

Resumos relacionados Exclusivo para assinantes

Mantenha-se atualizado com os resumos sobre este tema

Modelos de Petições relacionados Exclusivo para assinantes

Agilize a elaboração de peças jurídicas

Economize tempo e aumente sua produtividade com o DN PRO Seja um assinante DN PRO e tenha acesso ilimitado a todo o conteúdo que agiliza seu processo de elaboração de peças e mantém você sempre atualizado sobre o mundo jurídico. 7.530 modelos e documentos essenciais para o seu dia a dia Atualizados regularmente por especialistas em Direito Ideal para advogados e profissionais da área jurídica Apenas R$ 24,90 por mês Veja exemplos gratuitos