A possibilidade de revisão criminal nos casos envolvendo Tribunal do Júri

A possibilidade de revisão criminal nos casos envolvendo Tribunal do Júri

Trata da possibilidade da revisão criminal das decisões com trânsito em julgado oriundas do Tribunal do Júri e analisa a posição jurisprudencial quanto à possibilidade do juízo revisor em alterar a coisa julgada penal.

A revisão criminal é uma ação autônoma no âmbito penal que visa a reforma ou anulação de decisão transitada em julgado sob a fundamentação de erro judiciário ou surgimento de fato superveniente capaz de impactar a coisa julgada, nas palavras de Mazzini (p.674) é um meio de impugnação com que se denuncia à Corte de Cassação uma sentença penal condenatória passada em julgado, em virtude de determinados motivos que a façam presumir ou a demonstrem substancialmente injusta, a fim de obter a favor do condenado a anulação de dita sentença e eventualmente sua substituição por uma sentença absolutória. 

O instrumento processual rescisório encontra guarida no Código de Processo Penal em seu artigo 621 e seguintes que dispõem: Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

A demanda rescisória penal amolda-se aos termos entabulados na seara cível, porém diferencia-se no que atine à tempestividade do seu pleito, a revisão criminal não possui limitação e pode ser proposta mesmo após a extinção da pena, conforme entabula o artigo 622 do CPP que garante que “a revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após”.

A Revisão Criminal surge no ordenamento jurídico como importante ferramenta de garantia da ordem legal e da perspectiva de Justiça quanto às decisões criminais e, devido à sua natureza de proteção a erros que possam levar à condenações injustas, tem a natureza pro reo, sendo cabível apenas em circunstâncias que favoreçam o condenado. Nas palavras de GRINOVER (2009, p. 237) “ocorre quando a sentença se reveste de vícios extremamente graves, que aconselha a prevalência do valor “justiça” sobre o valor “certeza”.

No âmbito processual cabe-nos em linhas explicativas destacar o Juízo Competente para o ajuizamento da presente ação autônoma e nesse ponto urge destacar que os Órgãos que definiram como ratificada o decisum serão os competentes ao julgamento do pedido rescisório da coisa julgada, porém, colegiado diferente será o incumbido de realizar o julgamento.

Destarte, é cristalino o princípio da soberania dos vereditos instituído no artigo 5º da Constituição Federal que define que: 

Art. 5º [...] XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Dada à determinação constitucional surge o questionamento acerca da possível ofensa ao princípio da soberania dos vereditos na ocorrência de revisão criminal das decisões advindas do Tribunal do Júri, cumpre destacar que a estabelecida determinação não goza de percepção absoluta, tanto que legislação processual penal garante a interposição de recurso de apelação das decisões de competência do Júri, vejamos: 

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: [...] III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança; d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.

Do que se depreende do texto constitucional as prerrogativas do Tribunal do Júri visa estabelecer uma garantia individual do réu, desse modo não teria o múnus de configurar uma ferramenta irretratável em favor da pretensão punitiva estatal.

O Supremo Tribunal Federal já consolidou entendimento jurisprudencial de que o Tribunal Revisor goza não apenas de competência para processar revisão criminal atinente à decisão do tribunal do Júri, como também desconstituí-la e decretar a absolvição do apenado quando o julgado destoar dos elementos probatórios, assim determina:

EMENTA: REVISÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO PENAL PELO JÚRI. ERRO JUDICIÁRIO. INOPONIBILIDADE DA SOBERANIA DO VEREDICTO DO CONSELHO DE SENTENÇA À PRETENSÃO REVISIONAL. JULGAMENTO DESSA AÇÃO AUTÔNOMA DE IMPUGNAÇÃO PELO TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU. CUMULAÇÃO DO “JUDICIUM RESCINDENS” COM O “JUDICIUM RESCISSORIUM”. POSSIBILIDADE. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

- O Tribunal de segunda instância, ao julgar a ação de revisão criminal, dispõe de competência plena para formular tanto o juízo rescindente (“judicium rescindens”), que viabiliza a desconstituição da autoridade da coisa julgada penal mediante invalidação da condenação criminal, quanto o juízo rescisório (“judicium rescissorium”), que legitima o reexame do mérito da causa e autoriza, até mesmo, quando for o caso, a prolação de provimento absolutório, ainda que se trate de decisão emanada do júri, pois a soberania do veredicto do Conselho de Sentença, que representa garantia fundamental do acusado, não pode, ela própria, constituir paradoxal obstáculo à restauração da liberdade jurídica do condenado. Doutrina. Precedentes. (ARE 674151/MT - publicada no DJe de 18.10.2013. Ministro CELSO DE MELLO Relator.)

O diploma processual penal estabelece que “julgando procedente a revisão, o tribunal poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo”(Art. 626,caput), sendo possível a decisão no sentido de absolvição também nos casos dolosos contra a vida de competência do Tribunal do Júri.

Pelo exposto, conclui-se que a Revisão Criminal sobre decisões com trânsito em julgado dos Tribunais do Júri não ofende o princípio da soberania dos vereditos, pois este se revela como garantia do indivíduo e não detém absoluta aplicabilidade, mais ainda em detrimento de petição revisional subsidiada com provas de ofensa à liberdade individual. Ademais, faz-se salutar a ratificação jurisprudencial quanto à possibilidade do juízo revisor em alterar a coisa julgada penal, abrangendo o juízo rescindente e rescisório, garantindo-lhe a competência reformadora e absolutória ulterior a reanálise do mérito.

Notas

MANZINI, Trattato di diritto processuale penale italiano, vol. 4º, 1932, p. 674.

Sobre o(a) autor(a)
Mário Cesar da Silva Conserva
Acadêmico do Curso de Direito pela Universidade Tiradentes.
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