Associação que organizou show sem estrutura adaptada indenizará cadeirante por danos morais

Associação que organizou show sem estrutura adaptada indenizará cadeirante por danos morais

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que condenou uma associação a indenizar em R$ 10 mil um cadeirante que comprou ingressos em camarote para assistir a um show em Limeira (SP) e que, por falta de condições de acessibilidade, enfrentou diversos problemas de locomoção no local. 

Para o colegiado, a associação teve, em conjunto com outras empresas que organizaram o evento, responsabilidade pelos danos sofridos pelo cadeirante.

"É dever de todos os fornecedores da cadeia de consumo zelar pela disponibilização de condições adequadas de acesso aos eventos, a fim de permitir a participação, sem percalços, do público em geral, inclusive dos deficientes físicos. É a sociedade quem deve se adaptar, eliminando as barreiras físicas, de modo a permitir a integração das pessoas com deficiência ao seio comunitário", afirmou a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi.

Segundo os autos, o cadeirante só comprou os ingressos depois de ser informado, pela associação que organizava o show, de que o espaço que o interessava tinha estrutura adaptada para pessoas com problemas de mobilidade. Entretanto, ao chegar ao local, o cadeirante encontrou diversas barreiras físicas no camarote e não conseguiu sequer utilizar o banheiro.

Em primeira instância, o juízo condenou a associação ao pagamento de danos morais de R$ 5 mil, valor elevado para R$ 10 mil pelo TJSP.

Direito humano fundamental

No recurso especial, a associação alegou que o camarote para o qual o cadeirante comprou o ingresso foi montado, explorado e administrado por outra empresa. Por isso, defendeu não ter responsabilidade pelos transtornos vividos pelo consumidor.

A ministra Nancy Andrighi explicou que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência elevou a acessibilidade à categoria de direito humano fundamental. Como princípio, apontou, a acessibilidade prevê que as concepções de todos os espaços, ambientes, produtos e serviços devem permitir que as pessoas com deficiência possam ser seus usuários legítimos e dignos.

Em relação à alegação de fato exclusivo de terceiro, a relatora apontou que, segundo o TJSP, a associação era, com outras empresas, encarregada pela organização do evento, estando dentro da mesma cadeia de fornecimento; por isso, seria solidariamente responsável pelos danos sofridos pelo cadeirante.

"Não bastasse isso, colhe-se dos autos que a ausência de acessibilidade não se verificou apenas no camarote premium, mas também na própria entrada do local do evento, a qual era de responsabilidade da recorrente", concluiu a ministra ao manter o acórdão do TJSP.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.912.548 - SP (2020/0217668-5)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : ASSOCIACAO INDEPENDENTE DOS CAVALEIROS DE LIMEIRA
ADVOGADOS : ADRIANO FACHINI MINITTI - SP146659
FRANCISCO TEIXEIRA MARTINS JUNIOR - SP134033
RECORRIDO : FRANCIS BASTELLI BERDAGUE
REPR. POR : RITA DE CASSIA BASTELLI BERDAGUE
ADVOGADO : LUCAS CARDOSO - SP373325
EMENTA
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS.
PESSOA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA. USUÁRIO DE CADEIRA DE RODAS. FALHA
NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. EVENTO. FALTA DE ACESSIBILIDADE. FATO
EXCLUSIVO DE TERCEIRO. INEXISTÊNCIA. JULGAMENTO: CPC/2015.
1. Ação ajuizada em 19/11/2018, da qual foi extraído o presente recurso
especial interposto em 12/03/2020 e concluso ao gabinete em 09/12/2020.
2. O propósito recursal é definir se, na hipótese, está caracterizado fato
exclusivo de terceiro apto a ilidir a responsabilidade da recorrente pelos
danos morais vivenciados pelo recorrido.
3. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
alçou a acessibilidade a princípio geral a ser observado pelos Estados Partes,
atribuindo-lhe, também, o caráter de direito humano fundamental, sempre
alinhado à visão de que a deficiência não é problema na pessoa a ser
curado, mas um problema na sociedade, que impõe barreiras que limitam
ou até mesmo impedem o pleno desempenho dos papéis sociais.
4. A Lei 13.146/2015 define a acessibilidade como “possibilidade e condição
de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços,
mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e
comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros
serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso
coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou
com mobilidade reduzida” (art. 3º, I). E mais, dispõe expressamente
tratar-se a acessibilidade um direito da pessoa com deficiência, que visa
garantir ao indivíduo “viver de forma independente e exercer seus direitos
de cidadania e de participação social” (art. 53).
5. Para o surgimento do dever de indenizar, é indispensável que haja um
liame de causalidade entre a conduta do agente e o resultado danoso. Nessa
linha, caso verificado o fato exclusivo de terceiro, haverá o rompimento do
nexo causal entre o prejuízo e aquele a quem se atribui a autoria (art. 14, §
3º, II, do CDC). Mas, para a aplicação dessa excludente de responsabilidade,
o terceiro não pode guardar relação com o fornecedor. Ou seja, o conceito
de terceiro restringe-se às pessoas que não integram a cadeia de consumo.
6. Na hipótese, o recorrido adquiriu ingressos para assistir ao show do
camarote premium. Embora esse espaço, em específico, tenha sido
explorado por empresas estranhas à lide, tal circunstância não se
caracteriza como fato exclusivo de terceiro. Isso porque, a recorrente e as
demais empresas que atuaram na organização e administração da
festividade e da estrutura do local integram a mesma cadeia de
fornecimento e, portanto, são solidariamente responsáveis pelos danos
suportados pelo recorrido em virtude das falhas na prestação dos serviços.
7. É dever de todos os fornecedores da cadeia de consumo zelar pela
disponibilização de condições adequadas de acesso aos eventos, a fim de
permitir a participação, sem percalços, do público em geral, inclusive dos
deficientes físicos. É a sociedade quem deve se adaptar, eliminando as
barreiras físicas, de modo a permitir a integração das pessoas com
deficiência ao seio comunitário.
8. Recurso especial conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao
recurso especial nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros
Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura
Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 04 de maio de 2021(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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