Site de comércio eletrônico não é responsável por fraude praticada fora da plataforma

Site de comércio eletrônico não é responsável por fraude praticada fora da plataforma

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o site intermediador do comércio eletrônico não pode ser responsabilizado por fraude quando o fraudador não tiver usufruído da plataforma utilizada na intermediação.

Em decisão unânime, os ministros mantiveram acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que negou pedido de danos materiais contra o site de comércio eletrônico Mercado Livre sob o fundamento de que, por não ter participado do negócio entre as partes, ele não poderia ser responsabilizado pela fraude.

A controvérsia teve origem em ação de reparação de danos materiais contra o Mercado Livre, proposta por uma mulher que vendeu um celular e não recebeu o valor correspondente. O aparelho foi anunciado no Mercado Livre, mas a negociação aconteceu diretamente com o comprador, fora da plataforma de vendas.

A sentença condenou o site a pagar R$ 2 mil à vendedora, a título de danos materiais. O TJSP reformou a decisão.

No recurso especial apresentado ao STJ, a vendedora alegou violação do Código de Defesa do Consumidor, argumentando que houve falha na prestação do serviço, já que a fraude ocorreu em razão de um e-mail falso noticiando a venda do produto e a necessidade de encaminhá-lo ao comprador antes do recebimento do valor. Acrescentou que uma vulnerabilidade técnica a impediu de averiguar a veracidade do e-mail.

Marco Civil

A relatora, ministra Nancy Andrighi, comentou que, atualmente, o comércio eletrônico é utilizado em larga escala, o que traz especial relevância para os sites de intermediação, que aproximam vendedores e compradores, simplificando as transações on-line.

A ministra acrescentou que, para o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), os sites de intermediação enquadram-se na categoria dos provedores de aplicações, os quais são responsáveis por disponibilizar na rede as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação.

Segundo ela, isso significa que os intermediadores estão sujeitos às normas previstas na Lei 12.965/2014, em especial àquelas voltadas para os provedores de conteúdo.

Ademais, a magistrada destacou que a relação jurídica firmada entre o site intermediador e os anunciantes, embora tangencie diversas modalidades contratuais disciplinadas no Código Civil, é atípica, circunstância que impõe ao julgador a difícil tarefa definir o regime de responsabilidade civil aplicável a tal vínculo.

Quanto a esse ponto, ficou definido que "o responsável pelo site de comércio eletrônico, ao veicular ofertas de produtos, disponibilizando sua infraestrutura tecnológica e, sobretudo, ao participar das respectivas negociações em caso de aceitação por parte do adquirente, assume a posição de fornecedor de serviços".

A ministra observou ainda que a relação entre o ofertante e o intermediador poderá ser ou não entendida como relação de consumo, a depender da natureza da atividade exercida pelo anunciante do produto ou serviço.

Nexo causal

No caso analisado, a relatora ressaltou que o fato de o fraudador não ter usufruído de mecanismos utilizados na intermediação do comércio eletrônico, nem utilizado a plataforma disponibilizada pelo Mercado Livre para praticar a fraude, impede a qualificação do ocorrido como falha no dever de segurança.

"A fraude praticada por terceiro em ambiente externo àquele das vendas on-line não tem qualquer relação com o comportamento da empresa, tratando-se de fato de terceiro que rompeu o nexo causal entre o dano e o fornecedor de serviços", explicou.

Ao negar provimento ao recurso especial, Nancy Andrighi esclareceu que a fraude não teve conexão com a atividade de intermediação desenvolvida pelo Mercado Livre.

"A negociação travada entre a recorrente e o terceiro não se deu no ambiente virtual do site intermediador", observou a relatora. Embora o celular tenha sido anunciado no Mercado Livre – acrescentou –, o fraudador e a vendedora trocaram mensagens em aplicativos externos; além disso, a fraude foi cometida sem que seu autor se valesse de nenhuma ferramenta colocada à disposição pelo site, nem de dados da anunciante fornecidos ao intermediador.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.880.344 - SP (2020/0149326-1)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : ALEXANDRA APARECIDA GONCALVES DA ROCHA
ADVOGADO : MARCOS CÉSAR GARRIDO E OUTRO(S) - SP096924
RECORRIDO : EBAZAR.COM.BR LTDA
ADVOGADOS : PATRICIA SHIMA - SP332068
MARCELO NEUMANN MOREIRAS PESSOA E OUTRO(S) - SP333300
EMENTA
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO DE DANOS MATERIAIS.
VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DA CF. NÃO CONHECIMENTO. FRAUDE PRATICADA
POR ADQUIRENTE DE PRODUTO ANUNCIADO NO MERCADO LIVRE.
ENDEREÇO DE E-MAIL FALSO. PRODUTO ENTREGE SEM O RECEBIMENTO DA
CONTRAPRESTAÇÃO EXIGIDA. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS.
INEXISTÊNCIA. FATO DE TERCEIRO. ROMPIMENTO DO NEXO DE
CAUSALIDADE. JULGAMENTO: CPC/2015.
1. Ação de indenização por danos materiais ajuizada em 09/03/2018, da
qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 26/03/2020 e
atribuído ao gabinete em 07/08/2020.
2. O propósito recursal é definir se o site intermediador no comércio
eletrônico pode ser responsabilizado por fraude perpetrada por terceiro, a
qual culminou na venda do produto pelo ofertante sem o recebimento da
contraprestação devida.
3. A alegada violação a dispositivo constitucional não pode ser apreciada na
via estreita do recurso especial.
4. O comércio eletrônico é utilizado em larga escala pelos consumidores e,
ante a proliferação dos dispositivos móveis, se tornou, para muitos, o
principal meio de aquisição de bens e serviços. Nesse cenário, os sites de
intermediação (facilitadores) têm especial relevância, já que facilitam a
aproximação de vendedores e compradores em ambiente virtual. O
Mercado Livre atua nesse ramo desde 1999, propiciando a veiculação de
anúncios na internet e o contato entre ofertantes e adquirentes. A principal
finalidade desses sites é viabilizar a circulação de riquezas na internet e
equiparar vendedores e adquirentes, de modo a simplificar as transações
on-line. 5. Para o Marco Civil da Internet, os sites de intermediação enquadram-se
na categoria dos provedores de aplicações, os quais são responsáveis por
disponibilizar na rede as informações criadas ou desenvolvidas pelos
provedores de informação. Isso significa que os intermediadores estão
sujeitos às normas previstas na Lei 12.965/2014, em especial àquelas
voltadas aos provedores de conteúdo.
6. A relação jurídica firmada entre o site intermediador e os anunciantes,
embora tangencie diversas modalidades contratuais disciplinadas no CC/02,
é atípica. Tal circunstância impõe ao julgador a laboriosa tarefa de definir o
regime de responsabilidade civil aplicável ao vínculo firmado entre o
intermediário e o ofertante.
7. O responsável pelo site de comércio eletrônico, ao veicular ofertas de
produtos, disponibilizando sua infraestrutura tecnológica e, sobretudo, ao
participar das respectivas negociações em caso de aceitação por parte do
adquirente, assume a posição de fornecedor de serviços. A remuneração
pelo serviço prestado pelo intermediador, por sua vez, é variável e pode ser
direta ou indireta. Nesta, a remuneração é oriunda de anúncios publicitários
realizados no site, enquanto naquela, normalmente é cobrada uma comissão
consistente em percentagem do valor da venda realizada no site.
8. A relação entre o ofertante e o intermediador será ou não de consumo a
depender da natureza da atividade exercida pelo anunciante do produto ou
serviço. Se o vendedor for um profissional que realiza a venda de produtos
com habitualidade, ele não se enquadrará no conceito de fornecedor
instituído no art. 3º do CDC, de modo que a responsabilidade civil do site
será regida pelas normas previstas no Código Civil. Lado outro, caso o
vendedor não seja um profissional e não venda produtos ou ofereça serviços
de forma habitual, havendo falha na prestação de serviços por parte do
intermediário, aplicam-se as normas previstas no CDC. Sendo a relação de
consumo, para emergir a responsabilidade do fornecedor de serviços, é
suficiente a comprovação do dano; da falha na prestação dos serviços e do
nexo de causalidade entre o prejuízo e o vício ou defeito do serviço.
9. Na espécie, o fato de o fraudador não ter usufruído de mecanismos
utilizados na intermediação do comércio eletrônico, nem utilizado-se da
plataforma disponibilizada pelo Mercado Livre para praticar a fraude, obsta
a qualificação do ocorrido como uma falha no dever de segurança. Não
houve, ademais, divulgação indevida de dados pessoais, nem mesmo
violação do dever de informar. Resta ausente, assim, a falha na prestação
dos serviços. Não só, a fraude praticada por terceiro em ambiente externo
àquele das vendas on-line não tem qualquer relação com o comportamento
da empresa, tratando-se de fato de terceiro que rompeu o nexo causal entre
o dano e o fornecedor de serviços.
10. A falta de indicação do dispositivo legal sobre o qual recai a divergência
inviabiliza a análise do dissídio.
11. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso
especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)
Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva,
Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 09 de março de 2021(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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