Hospedagem de e-mail no exterior não isenta provedor de fornecer dados exigidos por juiz brasileiro

Hospedagem de e-mail no exterior não isenta provedor de fornecer dados exigidos por juiz brasileiro

Em consonância com o artigo 11 do Marco Civil da Internet, haverá a aplicação da lei brasileira – e a jurisdição de autoridade nacional – sempre que qualquer operação de coleta, armazenamento e tratamento de registros e dados pessoais ou de comunicações por provedores de internet ocorrer no Brasil, ainda que apenas um dos dispositivos esteja no país e mesmo que as atividades sejam feitas por empresa no exterior.

O entendimento foi estabelecido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que determinou o prosseguimento da execução de multa de R$ 310 mil contra a Microsoft, por descumprimento de ordem judicial para fornecer informações de um usuário de e-mail que teria lançado ameaças contra uma pessoa e uma empresa.

No recurso especial, a Microsoft defendeu que a Justiça brasileira seria incompetente para a análise do caso, já que o endereço eletrônico era acessado de fora do Brasil e o provedor de conexão também se localizava no exterior.

Relatora do recurso, a ministra Nancy Andrighi explicou que, de acordo com a doutrina, em conflitos transfronteiriços na internet, a autoridade responsável deve atuar de forma prudente, reconhecendo que a territorialidade da jurisdição permanece como regra, cuja exceção só pode ser invocada quando atendidos três critérios cumulativos: a existência de fortes razões jurídicas de mérito; a proporcionalidade entre a medida e o fim desejado; e a observância dos procedimentos previstos nas leis locais e internacionais.

A ministra também lembrou precedente da Quarta Turma (REsp 1.168.547) no sentido de que, quando a alegada atividade ilícita tiver sido praticada na internet, independentemente de foro previsto no contrato de prestação de serviço, a autoridade judiciária brasileira é competente – desde que seja acionada para resolver o conflito se o autor tiver domicílio no país, e o Brasil tenha sido o local de acesso à informação.

Equívoco

Nancy Andrighi considerou um equívoco imaginar que qualquer aplicação hospedada fora do Brasil não possa ser alcançada pela jurisdição nacional ou que as leis brasileiras não sejam aplicáveis às suas atividades.

"É evidente que, se há ofensa ao direito brasileiro em aplicação hospedada no estrangeiro (por exemplo, uma ofensa veiculada contra residente no Brasil em rede social), pode ocorrer a determinação judicial de que tal conteúdo seja retirado da internet e que os dados do autor da ofensa sejam apresentados à vítima. Não fosse assim, bastaria a qualquer pessoa armazenar informações lesivas em países longínquos para não responder por seus atos danosos", explicou.

Leitura no Brasil

Segundo a ministra, a alegação de que os acessos à conta de e-mail da qual se originaram as mensagens ofensivas teriam ocorrido no exterior, além de não ter sido devidamente comprovada, não é relevante para a solução do processo, tendo em vista que tais mensagens foram recebidas e lidas em território brasileiro – o que, para a relatora, já é motivo suficiente para atrair a jurisdição nacional.

Ao manter o acórdão do TJSP, Nancy Andrighi enfatizou que a afirmação de que a obtenção dos dados do autor das mensagens dependeria de provedores localizados fora do país não é capaz de alterar o julgamento, pois o procedimento de identificação precisa de informações tanto dos provedores de aplicação quanto, posteriormente, de um provedor de acesso (uma empresa de telefonia).

"Esta controvérsia envolve a primeira parte das informações (os registros de aplicação). Se houver a necessidade de dados de provedores de acesso localizados no estrangeiro, então haverá o dever de pleitear tais informações em jurisdição estrangeira", concluiu a ministra.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.745.657 - SP (2018/0062504-5)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA
ADVOGADOS : MAURO EDUARDO LIMA DE CASTRO - SP146791
EDUARDO HIDEKI INOUE - SP292582
FELIPE DE CARVALHO SOARES E OUTRO(S) - SP335936
RECORRIDO : LUIS AGOSTINHO MARQUES CASO QUINTILIANO
RECORRIDO : TAM LINHAS AÉREAS S/A
ADVOGADOS : RENATO MULLER DA SILVA OPICE BLUM - SP138578
RONY VAINZOF - SP231678
RENATA YUMI IDIE - SP329277
SAMARA SCHUCH BUENO - SP324812
MARINA DE OLIVEIRA E COSTA E OUTRO(S) - SP368489
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. INTERNET. JURISDIÇÃO. SOBERANIA DIGITAL.
PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. MARCO CIVIL DA INTERNET.
ALCANCE. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. PERTINÊNCIA DA
JURISDIÇÃO NACIONAL.
1. Agravo de instrumento interposto em 29/08/2016, recurso especial
interposto em 11/01/2017 e atribuído a este gabinete em
02/05/2018.
2. O propósito recursal consiste em determinar a competência da
Poder Judiciário Brasileiro para a determinação do fornecimento de
registros de acesso de endereço de e-mail, localizado em nome de
domínio genérico “.com”.
3. Em conflitos transfronteiriços na internet, a autoridade responsável
deve atuar de forma prudente, cautelosa e autorrestritiva,
reconhecendo que a territorialidade da jurisdição permanece sendo a
regra, cuja exceção somente pode ser admitida quando atendidos,
cumulativamente, os seguintes critérios: (i) fortes razões jurídicas de
mérito, baseadas no direito local e internacional; (ii)
proporcionalidade entre a medida e o fim almejado; e (iii)
observância dos procedimentos previstos nas leis locais e
internacionais.
4. Quando a alegada atividade ilícita tiver sido praticada pela
internet, independentemente de foro previsto no contrato de
prestação de serviço, ainda que no exterior, é competente a
autoridade judiciária brasileira caso acionada para dirimir o conflito,
pois aqui tem domicílio a autora e é o local onde houve acesso ao
sítio eletrônico onde a informação foi veiculada, interpretando-se
como ato praticado no Brasil. Precedente.
5. É um equívoco imaginar que qualquer aplicação hospedada fora do
Brasil não possa ser alcançada pela jurisdição nacional ou que as leis
brasileiras não sejam aplicáveis às suas atividades.
6. Tem-se a aplicação da lei brasileira sempre que qualquer operação
de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de
dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de
aplicações de internet ocorra em território nacional, mesmo que
apenas um dos dispositivos da comunicação esteja no Brasil e mesmo
que as atividades sejam feitas por empresa com sede no estrangeiro.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte,
desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr.
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, conhecer em parte do recurso
especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra
Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco
Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 03 de novembro de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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