TST define competência para julgar ação de trabalhador contratado por meio de site de empregos

TST define competência para julgar ação de trabalhador contratado por meio de site de empregos

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que é da Vara do Trabalho de Brasília a competência para julgar ação ajuizada por um técnico de manutenção hospitalar de Águas Lindas (GO) contratado pela internet pela Engebio Nordeste. Os exames admissionais ocorreram em Brasília (DF), o contrato foi firmado em Recife (PE) e a prestação de serviços se deu em Natal (RN). Ao analisar o conflito de competência suscitado pela Vara de Currais Novos (RN), o relator, ministro Márcio Amaro, disse que é preciso considerar a “realidade fenomênica do mundo atual” na aplicação da regra de competência territorial.

Conflito negativo

De acordo com o artigo  651 da CLT, a competência territorial para julgar a ação é determinada pela localidade onde o empregado prestou serviços ao empregador. Todavia, se o local de prestação de serviço for diferente do local de contratação, ambos os foros serão competentes, cabendo ao empregado a escolha. No caso do técnico, tanto a Vara do Trabalho de Brasília quanto a de Currais Novos se declararam incompetentes, surgindo o chamado conflito negativo de competência. Como as varas estão vinculadas a Tribunais Regionais diferentes, a declaração de competência deve ser resolvida pelo TST.

Site de empregos

Na ação trabalhista, ajuizada em abril de 2019, o técnico, ao justificar a escolha do foro de Brasília, disse que, apesar de ter firmado o contrato de trabalho em Recife e ter prestado serviço em Santa Cruz (RN), sua pré-contratação ocorreu em Brasília, por meio do site de empregos Indeed. Para o empregado, a escolha, pela empresa, dessa modalidade de seleção e contratação não pode acarretar prejuízo ao acesso à justiça.

Extinção do processo

Por sua vez, a empregadora afirmou que a relação de emprego sempre ocorrera em Santa Cruz e que o contrato fora firmado em Recife, onde está sediada. Disse, ainda, que a busca da vaga pelo empregado se deu por intermédio do site especializado em contratações, ou seja, sem busca ativa da empresa. Por isso, pediu a extinção do processo por incompetência territorial.

Acesso à justiça

O juízo da 7ª Vara do Trabalho de Brasília remeteu o caso à Vara do Trabalho de Currais Novos, cuja jurisdição abrange o Município de Santa Cruz. Esse juízo, por sua vez, ponderou que o técnico residia em Águas Lindas quando foi contratado. Nesse cenário, aplicar, sem restrições, o artigo 651 tolheria o acesso do empregado ao Judiciário, pois a exigência de comparecer a Currais Novos demandaria grande despesa com deslocamento e hospedagem. Remeteu, então, o caso ao TST.

Conjuntura disruptiva

O relator do conflito de competência, ministro Márcio Amaro, lembrou que, em razão dos avanços tecnológicos, os conceitos de espaço e tempo relativos ao processo de contratação foram relativizados. “As normas do processo do trabalho constantes da CLT muitas vezes mostram-se insuficientes como instrumento de operacionalização do direito, por evidente descompasso ou não aderência à realidade fenomênica do mundo atual, do avanço tecnológico, das empresas virtuais, enfim, de uma conjuntura disruptiva”, afirmou.

Segundo o ministro, com a amplitude territorial do país, os novos meios de comunicação, a facilidade de trânsito e de acesso a pessoas e lugares e, também, a elevada taxa de desemprego, pessoas passaram a se deslocar entre cidades e estados à procura de emprego, e empresas passaram a contratar, operar e se estabelecer em lugares distintos. O Direito tem o dever de acompanhar a modernização do modo de vida, decorrente da tecnologia, onde relações de trabalho são forjadas de maneira virtual, sem que sequer o empregador reconheça a fisionomia do empregado”, afirmou.

Na avaliação do relator,  não é razoável condicionar o exercício do direito de ação do empregado contratado pela internet, que fez exames em Brasília, firmou contrato em Recife e prestou serviços em Santa Cruz, ao deslocamento de centenas de quilômetros até a comarca de Currais Novos. "À luz do princípio da razoabilidade na ponderação entre os postulados do acesso à justiça e da ampla defesa, a declaração da competência territorial da 7ª Vara do Trabalho de Brasília é medida que se impõe”, concluiu.

Processo:  CCCiv-232-81.2019.5.21.0019

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA.
CONTRATAÇÃO POR MEIO TELEMÁTICO.
PRÉ-CONTRATAÇÃO EFETUADA POR
TERCEIROS. PONDERAÇÃO ENTRE OS
PRINCÍPIOS DO ACESSO À JUSTIÇA E DA
AMPLA DEFESA. ART. 651 DA CLT. AMOSTRA
FRAGMENTÁRIA DA REALIDADE SOCIAL.
TECNOLOGIAS DISRUPTIVAS.
INAPLICABILIDADE DA REGRA GERAL.
I. As normas de Processo do Trabalho
positivadas na Consolidação das Leis do
Trabalho, como toda e qualquer norma
jurídica, devem ter em conta a ambiência
e os dados reais do mundo, a fim de que
não se mostrem insuficientes como
instrumentos de operacionalização do
direito por evidente descompasso ou não
aderência à realidade fenomênica atual.
O avanço tecnológico, as empresas
virtuais, o trabalho sob demanda, a
inteligência artificial, enfim a
conjuntura disruptiva de certo ocasiona
hodiernas vicissitudes no mundo do
trabalho, refletindo nas demandas
materialmente afetas à competência
desta Justiça Especial, fazendo surgir
para além das lacunas normativas,
lacunas ontológicas e axiológicas. O
direito tem o dever de acompanhar a
modernização do modo de vida,
decorrente da tecnologia, onde relações
de trabalho são forjadas de maneira
virtual a demonstrar que o foco da era
moderna vem ganhando um
redimensionamento, no qual se observa
que a pessoalidade como elemento
decisivo do contrato cede espaço para o
objeto do contrato.
II. Ora, se no campo do direito do
trabalho o conceito de espaço e de tempo
à disposição do empregador demanda
novos significados, também haveria de
se exigir no campo do direito processual
uma nova compreensão do que seria local
de trabalho, local da contratação ou
mesmo local da prestação de serviços.
Por esta razão, nos casos em que o
postulado do acesso à justiça se mostra
ameaçado em decorrência do custo
econômico que recai sobre o demandante
para ter a devida prestação
jurisdicional por órgão cuja localidade
distancia-se em muito de seu próprio
domicílio, há registros doutrinários e
jurisprudenciais no sentido de se
excepcionar as regras objetivamente
previstas no art. 651 caput e §3º da CLT,
permitindo ao trabalhador demandar no
juízo de seu domicílio.
III. Nesses casos, há necessidade de
adequação e de ponderação entre os
princípios do acesso à justiça e da
ampla defesa, normas fundantes da
Constituição para permitir-lhes a
compatibilidade sistêmica.
IV. A melhor solução é aquela que
otimizará o princípio do efetivo acesso
à justiça, sem a necessidade de afastar
o princípio do contraditório e da ampla
defesa, pois ao se garantir o acesso
efetivo à justiça, não se estará,
necessariamente, no caso em exame,
conferindo peso menor ao princípio do
contraditório, mas apenas reafirmando
que a decisão, como posta, realizará a
norma principiológica na maior medida
possível (mandamento de otimização).
V. No caso concreto, extrai-se dos autos
as seguintes informações
incontroversas: (a) o reclamante, mesmo
antes da contratação e após o fim do
vínculo trabalhista, residia em Goiás;
(b) o reclamante foi contratado por
meios telemáticos, através de sítio
eletrônico de intermediação de
pré-contratação; (c) o reclamante fez
os exames admissionais em
Taguatinga-DF; (d) o contrato de
trabalho foi efetivamente firmado em
Recife/PE; (e) o reclamante prestou
serviços de Técnico de Manutenção
Hospitalar; e (f) a prestação de
serviços ocorreu no município de Santa
Cruz/RN, cuja jurisdição está abrangida
pela comarca de Currais Novos/RN.
VI. Demonstra-se, pois, insuficiente o
exame da competência territorial pela
interpretação literal do art. 651 da
CLT, ainda a seleção de empregados por
meios telemáticos reduz custos e amplia
a área de atuação na captação de
mão-de-obra específica para todo o
território nacional ou mesmo para além
de nossas fronteiras. Nesse quadrante,
impende ao intérprete da norma
ressignificá-la face à amplitude
fenomênica responsável pela mutação do
resultado do processo hermenêutico que
deságua na norma. Evidencia-se,
portanto, que, se a boa interpretação da
norma perpassa pela inserção do
intérprete no mundo e na percepção, o
tanto quanto possível, da realidade que
o permeia, à luz do princípio da
razoabilidade na ponderação entre os
postulados do acesso à justiça e da
ampla defesa, a declaração da
competência territorial da 7ª Vara do
Trabalho de Brasília-DF é medida que se
impõe. Isso porque, ao assim decidir,
otimiza-se o acesso à Jurisdição para o
trabalhador, diante do custo elevado
que, de certo, viria pelo seu necessário
deslocamento e eventual permanência à
localidade sobremaneira distante de seu
domicílio, sem que tal represente para
o demandado barreira significativa à
ampla defesa e ao contraditório.
Afinal, não é razoável condicionar o
exercício do direito de ação do
empregado contratado por meios
telemáticos, que realizou exames
admissionais em Taguatinga/DF, firmou
contrato em Recife/PE e prestou
serviços em Santa Cruz/RN, ao
deslocamento de centenas de quilômetros
até a comarca de Currais Novos/RN.
VII. Conflito de competência admitido
para declarar competente o Juízo da 7ª
Vara do Trabalho de Brasília-DF,
suscitada, para proceder no
processamento e julgamento do feito.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (TST - Tribunal Superior do Trabalho) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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