Data do fato gerador define se crédito deve ser submetido aos efeitos da recuperação judicial

Data do fato gerador define se crédito deve ser submetido aos efeitos da recuperação judicial

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.051), estabeleceu a tese de que, para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador.

Definida a tese, pelo menos 1.900 ações – que, segundo o Banco Nacional de Dados de Demandas Repetitivas e Precedentes Obrigatórios, estavam suspensas em todo o país – poderão ser julgadas com base no precedente qualificado do STJ.

A controvérsia dos recursos julgados como repetitivos dizia respeito à interpretação do artigo 49 da Lei 11.101/2005: se a existência do crédito deveria ser determinada pela data de seu fato gerador ou pelo trânsito em julgado da sentença que o reconheceu.

O relator dos recursos, ministro Villas Bôas Cueva, explicou que a recuperação judicial tem como objetivo criar um espaço de negociação entre o empresário devedor e seus credores, de modo a permitir a superação da crise econômico-financeira da empresa.

Entretanto, segundo o ministro, nem todos os credores estão submetidos aos efeitos da recuperação, mas apenas os titulares de créditos existentes na data do pedido de recuperação, ainda que não vencidos, e daqueles que não foram excepcionados pela Lei 11.101/2005. Além disso, o relator lembrou que os créditos de natureza fiscal estão excluídos da recuperação.

"Diante dessa opção do legislador, de excluir determinados credores da recuperação judicial, mostra-se imprescindível identificar o que deve ser considerado como crédito existente na data do pedido, ainda que não vencido. A matéria ganha especial dificuldade no que respeita aos créditos que dependem de liquidação", disse o ministro.

Líquidos e ilíquidos

De acordo com Villas Bôas Cueva, no caso de títulos de crédito – exemplos de créditos líquidos –, não há dúvida de que sua constituição se dá na data de emissão, ainda que não tenha ocorrido o vencimento.

Já no caso dos créditos ilíquidos – como aqueles decorrentes de responsabilidade civil, das relações de trabalho e da prestação de serviços –, o ministro apontou duas interpretações possíveis quanto ao momento de existência do crédito: de um lado, a constituição ocorreria com o provimento judicial que o declarasse; de outro, a constituição se daria no momento do fato gerador, o qual não depende de decisão judicial declaratória.

Relação jurídica

Em seu voto, o ministro Cueva defendeu que a existência do crédito está diretamente ligada à relação jurídica que se estabelece entre o devedor e o credor, pois é com base nela que, ocorrido o fato gerador, surge o direito de exigir o crédito.

Para o relator, essa orientação é confirmada pelo artigo 6º, parágrafo 3º, da Lei 11.101/2005, que permite aos juízes que conduzem ações relativas a quantias ilíquidas ou de natureza trabalhista determinar a reserva do valor que estimarem devido na recuperação judicial ou falência.

"É oportuno consignar que esse entendimento é o que melhor garante o tratamento paritário entre os credores, pois, se a existência do crédito dependesse de declaração judicial, algumas vítimas do mesmo evento danoso poderiam, a depender do trâmite processual, estar submetidas aos efeitos da recuperação judicial, enquanto outras não", apontou o ministro.

Grupo Oi

Um dos recursos afetados como repetitivo dizia respeito à recuperação da operadora de telefonia Oi. Na ação, um cliente da companhia teve reconhecido o direito a indenização por dano moral em virtude de inscrição indevida em cadastro de inadimplentes.

Já na fase de cumprimento de sentença, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu, com base na data do trânsito em julgado da sentença que reconheceu o direito à indenização, que o crédito do cliente teria natureza extraconcursal, mas deveria ser pago na forma estabelecida pelo juiz da recuperação.

Para aplicação da tese fixada, a Segunda Seção considerou que o fato gerador do direito à indenização foi a data da inscrição indevida no cadastro negativo. Assim, como tal fato ocorreu antes do pedido de recuperação da Oi, o colegiado deu provimento ao recurso da companhia para declarar que o crédito deve ser submetido aos efeitos da recuperação. 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.840.531 - RS (2019/0290623-2)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : OI S.A
ADVOGADO : PAULO DE MORAES PENALVA SANTOS E OUTRO(S) - RJ031636
ADVOGADOS : ANA TEREZA BASILIO E OUTRO(S) - RJ074802
LUCIANA RODRIGUES FIALHO DE SOUZA - RS074531A
SHERON GUTERRES DOS SANTOS - RS093996
JULIANA RECH SIEDSCHLAG - RS091381
FERNANDA PETRY DE ABREU SOUZA - RS100441
RECORRIDO : ELISANDRO ROBERTO SELVA
ADVOGADOS : YURI DELLANI COELHO - RS048130
KATIANE KOHUT - RS062491
EMENTA
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO
JUDICIAL. CRÉDITO. EXISTÊNCIA. SUJEIÇÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO
JUDICIAL. ART. 49, CAPUT, DA LEI Nº 11.101/2005. DATA DO FATO GERADOR.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código
de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Ação anulatória e de reparação de danos pela inclusão indevida em cadastro
restritivo de crédito. Discussão acerca da sujeição do crédito aos efeitos da
recuperação judicial.
3. Diante da opção do legislador de excluir determinados credores da
recuperação judicial, mostra-se imprescindível definir o que deve ser considerado
como crédito existente na data do pedido, ainda que não vencido, para identificar
em quais casos estará ou não submetido aos efeitos da recuperação judicial.
4. A existência do crédito está diretamente ligada à relação jurídica que se
estabelece entre o devedor e o credor, o liame entre as partes, pois é com base
nela que, ocorrido o fato gerador, surge o direito de exigir a prestação (direito de
crédito).
5. Os créditos submetidos aos efeitos da recuperação judicial são aqueles
decorrentes da atividade do empresário antes do pedido de soerguimento, isto é,
de fatos praticados ou de negócios celebrados pelo devedor em momento
anterior ao pedido de recuperação judicial, excetuados aqueles expressamente
apontados na lei de regência.
6. Em atenção ao disposto no art. 1.040 do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese:
Para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a
existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador.
7. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a
Segunda Seção, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial da OI S.A. - Em
Recuperação Judicial - para declarar que o crédito da recorrida está submetido aos efeitos da
recuperação judicial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Para os fins repetitivos, fixou-se a seguinte tese: "Para o fim de submissão aos
efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela
data em que ocorreu o seu fato gerador." Os Srs. Ministros Marco Buzzi, Nancy Andrighi, Luis
Felipe Salomão, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino e Antonio Carlos Ferreira votaram
com o Sr. Ministro Relator.
Impedido o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze quanto ao caso concreto.
Os Srs. Ministros Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Nancy Andrighi, Luis Felipe
Salomão, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr.
Ministro Relator quanto à tese repetitiva.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Moura Ribeiro.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.
Brasília (DF), 09 de dezembro de 2020(Data do Julgamento)
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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