Empresa em recuperação pode alegar abuso de cláusula contratual como defesa na impugnação de crédito

Empresa em recuperação pode alegar abuso de cláusula contratual como defesa na impugnação de crédito

A empresa em recuperação judicial pode, como matéria de defesa em incidente de impugnação de crédito, pedir o exame de eventual abuso nas cláusulas do contrato que deu origem ao valor em discussão.

O entendimento foi aplicado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná que, ao negar o recurso de uma empresa em recuperação, afirmou que o incidente de impugnação de crédito não seria o meio processual adequado para a revisão das cláusulas financeiras dos contratos que deram origem ao crédito.

Os ministros concluíram que, embora no incidente de impugnação de crédito só possam ser arguidas as matérias elencadas na Lei 11.101/2005, não há restrição ao exercício do amplo direito de defesa – que apenas se admite em situações excepcionais expressamente previstas no ordenamento jurídico.

Conclusão equivocada

O relator do recurso da empresa, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, explicou que o incidente de impugnação de crédito – previsto no artigo 8º da Lei 11.101/2005 – pode ser apresentado por qualquer credor, pelo devedor ou por seus sócios, ou, ainda, pelo Ministério Público, para questionar a existência, a legitimidade, o valor ou a classificação do crédito relacionado.

Segundo o ministro, o incidente, autuado em separado, deve ser processado nos termos dos artigos 13 a 15 da Lei 11.101/2005, cuja redação "não autoriza a conclusão a que chegou o tribunal de origem, de que o questionamento da importância do crédito demandaria a existência de direito incontroverso e de que eventual abusividade deveria ser questionada em ação própria, em que houvesse amplo contraditório".

"Desses enunciados normativos se extrai de forma clara que é possível, no incidente de impugnação de crédito, o exercício pleno do contraditório, incluindo a ampla produção de provas, além da possibilidade de realização de audiência de instrução e julgamento", disse o relator.  

Defesa sem restrição

Sanseverino ponderou que, na impugnação de crédito, só podem ser suscitadas as questões indicadas no artigo 8º da Lei 11.101/2005: ausência de crédito, legitimidade, importância ou classificação.

"No plano processual, porém, uma vez apresentada a impugnação acerca de matéria devidamente elencada como passível de ser discutida, o exercício do direito de defesa não encontra, em regra, qualquer restrição, podendo perfeitamente ser apresentada, como no presente caso, defesa material indireta", afirmou.

Diante disso, o ministro concluiu que devem ser examinadas todas as questões alegadas pela empresa em recuperação, como o caráter eventualmente abusivo das cláusulas contratuais relativas aos encargos moratórios que o impugnante busca acrescer ao seu crédito.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.799.932 - PR (2019/0046056-2)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : WHB AUTOMOTIVE S/A - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
ADVOGADOS : PRISCILA MELO CHAGAS TURKOT - PR038562
EDUARDO CASILLO JARDIM - PR026501
RECORRIDO : FINANCIADORA DE ESTUDOS E PROJETOS - FINEP
ADVOGADOS : DOUGLAS SANTOS ANDRADE DOS REIS E OUTRO(S) - RJ179958
ELISA MARA COIMBRA - RJ213557
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL.
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INCIDENTE DE
IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO APRESENTADO PELO
CREDOR. DISCUSSÃO ACERCA DA IMPORTÂNCIA DO
CRÉDITO RELACIONADO. ACRÉSCIMO DE ENCARGOS
MORATÓRIOS PREVISTOS EM CONTRATOS DE
FINANCIAMENTO. ALEGAÇÃO DE ABUSIVIDADES EM
CLÁUSULAS DESSES CONTRATOS. MATÉRIA DE
DEFESA. POSSIBILIDADE. COGNIÇÃO EXAURIENTE.
PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE SE
RESTRINGIR O EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA.
1. Controvérsia em torno da possibilidade de exame, em sede
de impugnação de crédito incidente à recuperação judicial,
acerca da existência de abusividade em cláusulas dos
contratos de que se originou o crédito impugnado, alegada
pela recuperanda como matéria de defesa.
2, O incidente de impugnação de crédito configura
procedimento de cognição exauriente, possibilitando o pleno
contraditório e a ampla instrução probatória, em rito
semelhante ao ordinário. Inteligência dos arts. 13 e 15 da Lei
n. 11.101/05.
3. Apesar de, no incidente de impugnação de crédito, apenas
poderem ser arguidas as matérias elencadas no art. 8º da Lei
n. 11.101/05, não há restrição ao exercício do amplo direito de
defesa, que apenas se verifica em exceções expressamente
previstas no ordenamento jurídico.
4. Tendo sido apresentada impugnação de crédito acerca de
matéria passível de discussão no incidente, a defesa não
encontra restrições, estando autorizada inclusive a defesa
material indireta, sendo despiciendo o ajuizamento de ação
autônoma.
5. Possibilidade de se alegar, como defesa à pretensão do
credor de serem acrescidos encargos moratórios ao crédito
relacionado, a abusividade das cláusulas dos contratos de
financiamento.
6. Doutrina e jurisprudência do STJ acerca do tema.
7. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de
Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto
do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva,
Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Brasília, 1º de setembro de 2020(data do julgamento)
MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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