Mandado de injunção não pode ser usado para buscar regulamentação de ascensão funcional no Exército
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) extinguiu, sem julgamento do mérito, um mandado de injunção para que, em razão de suposta lacuna legislativa, o Exército fosse obrigado a editar norma regulamentadora que garantisse aos militares do Quadro Especial o acesso às graduações superiores, até o posto de subtenente.
Para o colegiado, além de não haver competência do comandante do Exército no caso, eventual regulamentação de progressões hierárquicas dependeria de avaliação do Congresso Nacional, em razão do possível aumento de despesas com as ascensões.
No mandado de injunção, um militar alegou que o acesso às graduações superiores foi garantido ao Quadro de Taifeiros da Aeronáutica após a edição da Lei 12.158/2009, mas não houve previsão semelhante para os integrantes do Exército. Segundo o militar, até o momento, não houve uma lei complementar que regulamentasse o artigo 50 do Estatuto dos Militares e o artigo 142, parágrafo 3º, inciso X, da Constituição Federal.
Iniciativa do presidente
O ministro Herman Benjamin, relator do mandado, apontou que não incumbe ao comandante do Exército inovar o ordenamento jurídico quanto a promoção de militares das Forças Armadas, sob pena de violação ao artigo 61, parágrafo 1º, inciso II, alínea "f", da Constituição Federal.
"A Carta Magna exige lei ordinária ou complementar, de iniciativa do presidente da República, para tratar de promoções, entre outros direitos, aos militares das Forças Armadas. Portanto, patente a ilegitimidade passiva do comandante do exército no presente writ", afirmou.
Além disso, o ministro lembrou que a pretensão de promoção hierárquica no âmbito do Quadro Especial do Exército não está assegurada na Constituição, de forma que, no caso dos autos, não há omissão na edição de norma regulamentadora do artigo 142 da Carta Magna.
Aumento de despesas
Em seu voto, Herman Benjamin também enfatizou que a possibilidade de promoção das carreiras de cabos e sargentos implicaria aumento de despesas. Assim – destacou –, compete exclusivamente ao Congresso Nacional, por meio da análise de projeto de lei de iniciativa do presidente da República, concordar ou não com a criação ou modificação das carreiras militares existentes, prevendo, inclusive, recursos no orçamento público.
"Acrescenta-se, por fim, que a carreira militar está lastreada em processos seletivos rigorosos, compostos de cursos, avaliações e preparo físico-técnico, devendo, em consequência, eventuais exceções (por exemplo, quadros especiais) ser interpretadas restritivamente, sob pena de comprometimento do sistema meritório global e da própria disciplina das Forças Armadas", concluiu o ministro.
MANDADO DE INJUNÇÃO Nº 324 - DF (2019/0342248-9)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
IMPETRANTE : JOSE CLAUDIO FERREIRA BARBOSA
ADVOGADO : NELLO RICCI NETO - MS008225
IMPETRADO : COMANDANTE DO EXÉRCITO
INTERES. : UNIÃO
EMENTA
MANDADO DE INJUNÇÃO. REGULAMENTAÇÃO DO DIREITO
MILITAR DE ASCENSÃO FUNCIONAL DO QUADRO ESPECIAL DO
EXÉRCITO. INEXISTÊNCIA DE COMANDO CONSTITUCIONAL.
ILEGITIMIDADE PASSIVA DO COMANDANTE DO EXÉRCITO. VIA
ELEITA IMPRÓPRIA.
1. Cuida-se de Mandado de Injunção impetrado contra ato alegadamente
omissivo do Comandante do Exército.
2. Para o cabimento do Mandado de Injunção, é imprescindível a existência de
direito previsto na Constituição que não esteja sendo exercido por ausência de
norma regulamentadora. O Mandado de Injunção não é remédio destinado a
fazer suprir lacuna ou ausência de regulamentação de direito previsto em norma
infraconstitucional e, muito menos, de legislação que se refere a eventuais
prerrogativas a serem estabelecidas discricionariamente pela União.
3. In casu, constata-se que não cabe ao Comandante do Exército, por ato
infralegal, nem por iniciativa própria, inovar no ordenamento jurídico quanto à
promoção de militares das Forças Armadas, sob pena de violação ao art. 61, § 1º,
II, "f", da Constituição Federal.
4. A Carta Magna exige lei ordinária ou complementar, de iniciativa do
Presidente da República, para tratar de promoções, entre outros direitos, aos
militares das Forças Armadas. Portanto, patente a ilegitimidade passiva do
Comandante do Exército no presente writ.
5. Ademais é cediço que o anseio de regulamentação da promoção hierárquica
no âmbito do Quadro Especial do Exército não está assegurada na Carta Magna.
6. O art. 142, § 3º, X, da Constituição Federal é claro ao prever que haverá lei
dispondo sobre "o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a
estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os
direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais
dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades". Assim, foi
editada a Lei 6.880/1980. Nessa esteira, imperioso asseverar que não há omissão
na edição de norma regulamentadora do citado artigo constitucional, conforme se
busca no presente mandamus.
7. Depreende-se, ainda, que a possibilidade de promoção das carreiras de cabos e
sargentos, conforme se sugere, sem dúvida implica aumento de despesa pública, o
que compete única e exclusivamente ao Congresso Nacional, mediante análise de
Projeto de Lei de iniciativa do Presidente da República, aquiescer ou não com a
criação ou alteração das carreiras já existentes, prevendo recursos no Orçamento
para tanto.
8. Outrossim, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, no Mandado de
Injunção 6.837 (decisão monocrática proferida pelo Min. Roberto Barroso em
25/4/2018 e já transitada em julgado), caso semelhante ao presente, entendeu que
o impetrante buscava a regulamentação não de preceito da Constituição, mas do
art. 50, IV, "m", da Lei 6.880/1980, concluindo, assim, que, ausente dever
constitucional de legislar, é imprópria a via do Mandado de Injunção, conforme
dita o art. 5º, LXXI, da Constituição e da jurisprudência do próprio STF.
9. O impetrante postula exatamente o que se requereu no MI 6.837 no Supremo
Tribunal Federal, com base em igual causa de pedir (arts. 142, § 3º, X, da
Constituição Federal; 50, IV, "m", da Lei 6.880/1980 e Lei 12.158/2009). Assim,
aplica-se neste caso o mesmo raciocínio elaborado pela Suprema Corte.
10. Como dito, a despeito de o art. 142, § 3º, X, da Constituição Federal prever
que a lei disporá sobre "direitos" e "prerrogativas" dos militares, isso não assegura
especificamente o direito à promoção na carreira, ao contrário do que sustenta o
impetrante. A propósito, nenhum outro preceito constitucional dispõe nesse
sentido, o que impossibilita o conhecimento do writ, conforme entendimento do
Plenário do STF em casos análogos: MI 766 AgR, Plenário, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, DJe em 21/10/2009, MI 5.392 ED, Plenário, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe
em 19/9/2013.
11. Citam-se decisões recentes do STJ com objeto semelhante ao presente writ:
MI 000257, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 9/8/2019; MI 000272,
Rel. Min. Og Fernandes, DJe 14/8/2019; MI 000266, Rel. Min. Og Fernandes,
DJe 14/8/2019.
12. Acrescenta-se, por fim, que a carreira militar está lastreada em processos
seletivos rigorosos, compostos de cursos, avaliações e preparo físico-técnico,
devendo, em consequência, eventuais exceções (por. ex. quadros especiais) ser
interpretadas restritivamente, sob pena de comprometimento do sistema meritório
global e da própria disciplina das Forças Armadas.
13. Mandado de Injunção extinto sem exame do mérito.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça: "A Corte Especial,
por unanimidade, declarou extinto o mandado de injunção, sem exame do mérito, nos termos
do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe
Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Francisco Falcão,
Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Humberto Martins e Maria Thereza de Assis Moura votaram
com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e
Paulo de Tarso Sanseverino.
Licenciado o Sr. Ministro Felix Fischer."
Brasília, 19 de fevereiro de 2020(data do julgamento)..
MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Presidente