STJ aplica entendimento de que cessão não altera natureza do crédito

STJ aplica entendimento de que cessão não altera natureza do crédito

Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um fundo de investimentos para manter como condominial um crédito que lhe foi cedido, com todas as consequências jurídicas decorrentes. O colegiado aplicou o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de que a cessão não implica a alteração da natureza do crédito.

O fundo interpôs recurso contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que entendeu que os créditos decorrentes da dívida condominial de um espólio, cedidos ao fundo, deveriam ser novamente habilitados no inventário, apesar de estarem em fase de execução.

Ao STJ, o fundo argumentou, entre outros pontos, que a cessão de crédito opera a transmissão da obrigação sem que ocorra a extinção ou modificação de sua natureza e de seu conteúdo.

Interesse coletivo

O relator do recurso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, lembrou que, em questão distinta – mas que também envolvia a interpretação dos artigos 286 e 287 do Código Civil –, a Terceira Turma decidiu que "não se transmitem ao cessionário os direitos acessórios indissociáveis da pessoa do cedente, decorrentes de sua condição personalíssima, salvo, naturalmente, se o cessionário detiver a mesma condição pessoal do cedente".

Para o ministro, esse mesmo entendimento poderia ser aplicado à hipótese dos autos, uma vez que tanto a natureza propter rem das dívidas relativas a cotas condominiais quanto as prerrogativas conferidas ao titular desse tipo de crédito decorrem de lei, que leva em conta a situação especial do credor e o interesse prevalecente da coletividade – a qual necessita obter recursos para o pagamento de despesas indispensáveis e inadiáveis.

Contudo, o relator destacou que o STF, após reconhecer a existência de repercussão geral da matéria referente à "transmudação da natureza de precatório alimentar em normal em virtude de cessão do direito nele estampado" (Tema 361), decidiu que a cessão de crédito não implica a alteração da sua natureza.

"Semelhante situação ocorre na hipótese dos autos, haja vista que a transmutação da natureza do crédito cedido viria em prejuízo dos próprios condomínios, que se valem da cessão de seus créditos como meio de obtenção de recursos financeiros necessários ao custeio das despesas de conservação da coisa, desonerando, assim, os demais condôminos que mantêm as suas obrigações em dia", disse.

Modificação expressa

O ministro explicou que, nas atividades de securitização de créditos condominiais, os fundos de investimento em direitos creditórios – como o recorrente do caso em análise – valem-se do instituto da cessão de créditos, regulado pelos artigos 286 e seguintes do Código Civil, e, ao efetuarem a quitação das cotas condominiais não pagas, sub-rogam-se na mesma posição do condomínio cedente, com todas as prerrogativas legais a ele conferidas.

Villas Bôas Cueva ainda observou que, quando o legislador pretende modificar a natureza do crédito cedido, ele o faz expressamente, a exemplo da disposição contida no parágrafo 4º do artigo 83 da Lei 11.101/2005, segundo o qual "os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários".

RECURSO ESPECIAL Nº 1.570.452 - RJ (2015/0232612-1)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : G5 PRECATORIOS FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS
CREDITORIOS NAO-PADRONIZADO
ADVOGADOS : ANA CLAUDIA HADDAD MURGEL GEPP E OUTRO(S) - RJ123720
THIAGO NICOLAY - RJ172186
GUSTAVO CARVALHO GOMES SCHWARTZ - RJ169539
ANA CAROLINA FIORI PINHEIRO - RJ200807
BIANCA SARAGÔ THOMÉ - RJ230820
RECORRIDO : RITA MELLO JANTARE - ESPÓLIO
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS - SE000000M
INTERES. : ANGELUCIA CAVALCANTE MARTINS
ADVOGADOS : GASTON LUIZ DO REGO NETO - RJ104535
DEBORA LINS DE MOURA - RJ123289
INTERES. : ELIZANGELA CAVALCANTE MARTINS
ADVOGADOS : KÍSSILA DA SILVA SOARES E OUTRO(S) - RJ117910
ALEXANDRE RAGGIO GRITTA HAGGE - RJ107939
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS
CONDOMINIAIS. CESSÃO DE CRÉDITO. NATUREZA JURÍDICA. PRESERVAÇÃO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código
de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Tanto a natureza propter rem das dívidas relativas a cotas condominiais quanto
as prerrogativas conferidas ao titular desse tipo de crédito decorrem de lei, que
leva em conta a situação especial do credor e o interesse prevalecente da
coletividade, que necessita obter os recursos necessários para pagamento de
despesas indispensáveis e inadiáveis.
3. O Supremo Tribunal Federal, após reconhecer a existência de repercussão
geral da matéria atinente à "transmudação da natureza de precatório alimentar
em normal em virtude de cessão do direito nele estampado" (Tema nº 361/STF),
decidiu que a cessão de crédito não implica a alteração da sua natureza.
4. Ainda que as prerrogativas concedidas ao detentor de crédito alimentar contra
a Fazenda Pública sejam inerentes à natureza da dívida, visam elas proteger, em
última análise, a pessoa do credor, à semelhança das preferências legais
conferidas aos detentores de crédito trabalhista ou condominial, a justificar, desse
modo, a aplicação da mesma tese jurídica.
5. Hipótese em que a transmutação da natureza do crédito cedido viria em
prejuízo dos próprios condomínios, que se valem da cessão de seus créditos
como meio de obtenção de recursos financeiros necessários ao custeio das
despesas de conservação da coisa, desonerando, assim, os demais condôminos
que mantêm as suas obrigações em dia.
6. Na atividade de securitização de créditos condominiais, os Fundos de
Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) valem-se do instituto da cessão de
créditos, regulado pelos arts. 286 e seguintes do Código Civil, e, ao efetuarem o
pagamento das cotas condominiais inadimplidas, sub-rogam-se na mesma
posição do condomínio cedente, com todas as prerrogativas legais a ele
conferidas.
7. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a
Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e
Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 22 de setembro de 2020(Data do Julgamento)
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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