Revisão da prisão preventiva em 90 dias só se aplica ao juiz ou tribunal que a determinou

Revisão da prisão preventiva em 90 dias só se aplica ao juiz ou tribunal que a determinou

A determinação do Código de Processo Penal (CPP) para que seja feita uma revisão, a cada 90 dias, da necessidade de manter a prisão preventiva é imposta apenas ao juiz ou ao tribunal que decretou a medida. Com esse entendimento, a Sexta Turma, por unanimidade, negou habeas corpus em que a defesa pediu a revogação da prisão preventiva ao argumento de que o seu cliente estaria encarcerado há mais de um ano por causa do descumprimento da regra do CPP.

No caso, o juiz converteu a prisão em flagrante em preventiva, em 7 de maio de 2019, e manteve a medida na sentença condenatória, em 22 de agosto daquele ano. Ao negar provimento à apelação, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina nada decidiu sobre a prisão preventiva, até porque a defesa não fez requerimento algum a esse respeito.

Ao STJ, a defesa alegou constrangimento ilegal pelo fato de que, desde a data da sentença, não foi revista a necessidade de manutenção da prisão preventiva, como determina o parágrafo único do artigo 316 do CPP.

Literalidade

A relatora do pedido, ministra Laurita Vaz, afirmou que a Lei 13.964/2019 – que acrescentou o parágrafo único ao artigo 316 do CPP – atribui expressamente ao "órgão emissor da decisão" a obrigação de revisar a necessidade de manutenção da preventiva a cada 90 dias, "sob pena de tornar a prisão ilegal".

Segundo a ministra, a norma explicita literalmente que a obrigação de revisar a custódia cautelar é imposta apenas ao juiz ou ao tribunal que a decretou. "A inovação legislativa se apresenta como uma forma de evitar o prolongamento da medida cautelar extrema, por prazo indeterminado, sem formação da culpa. Daí o dever de ofício de o juiz ou o tribunal processantes declinarem fundamentos relevantes para manter a segregação provisória", disse.

No entanto, a relatora ressaltou que, depois de exercidos o contraditório e a ampla defesa, na prolação da sentença penal condenatória, o CPP prevê que "o juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta" (parágrafo 1º do artigo 387).

Acervo recursal

Dessa forma, Laurita Vaz esclareceu que, encerrada a instrução criminal, e prolatada a sentença ou o acórdão condenatórios, a impugnação à prisão cautelar – decorrente, a partir daí, de novo título judicial – continuará sendo possível pelas vias recursais ordinárias, sem prejuízo do manejo do habeas corpus a qualquer tempo.

Para a relatora, pretender que a obrigação de revisar, de ofício, os fundamentos da prisão preventiva, no prazo de 90 dias, e em períodos sucessivos, seja estendida por toda a cadeia recursal, "impondo aos tribunais (todos abarrotados de recursos e de habeas corpus) tarefa desarrazoada ou, quiçá, inexequível, sob pena de tornar a prisão preventiva 'ilegal', é o mesmo que permitir uma contracautela, de modo indiscriminado, impedindo o Poder Judiciário de zelar pelos interesses da persecução criminal e, em última análise, da sociedade".

A ministra ressaltou a importância de instrumentos processuais eficientes para que a pessoa em prisão preventiva possa impugnar decisões que lhe pareçam injustas. Para tanto, lembrou que a defesa dispõe de farto acervo recursal no processo penal brasileiro, além da inesgotável possibilidade de arguir ilegalidades e atentados ao direito de locomoção pela via do habeas corpus.

Nenhuma ilegalidade

"Não se pode olvidar, entretanto, que também coexiste no mesmo contexto o interesse da sociedade em ver custodiados aqueles cuja liberdade represente risco à ordem pública ou econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal", afirmou.

Como a apelação da defesa não incluiu pedido algum acerca da situação prisional do condenado, Laurita Vaz concluiu que o tribunal de segunda instância não tinha a obrigação legal de revisar, de ofício, a necessidade da custódia cautelar reafirmada na sentença, e por isso "não há nenhuma ilegalidade a ensejar a ingerência deste Superior Tribunal de Justiça".

A relatora destacou ainda que, em julgamento recente, a Quinta Turma, ao analisar pedido semelhante para a revisão da prisão cautelar, chegou à mesma conclusão de que a determinação do artigo 316 se aplica somente ao órgão emissor da decisão.

Nos debates na Sexta Turma, o ministro Rogerio Schietti Cruz disse que votava pela denegação do habeas corpus porque, no caso, havia a peculiaridade de já ter sido julgada a apelação. No entanto, ele ressalvou seu ponto de vista em relação à tese principal, por entender que o dever de revisão das prisões cabe a qualquer juiz ou tribunal onde a ação penal esteja em curso.

HABEAS CORPUS Nº 589.544 - SC (2020/0144047-4)
RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ
IMPETRANTE : JAISON DA SILVA
ADVOGADO : JAISON DA SILVA - SC025147
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
PACIENTE : DANIEL DA SILVA (PRESO)
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
EMENTA
HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. EXTORSÃO. ART. 316,
PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
OBRIGAÇÃO DE REVISAR, A CADA 90 (NOVENTA) DIAS, A
NECESSIDADE DE SE MANTER A CUSTÓDIA CAUTELAR. TAREFA
IMPOSTA APENAS AO JUIZ OU TRIBUNAL QUE DECRETAR A
PRISÃO PREVENTIVA. REAVALIAÇÃO PELOS TRIBUNAIS, QUANDO
EM ATUAÇÃO COMO ÓRGÃO REVISOR. INAPLICABILIDADE.
ORDEM DENEGADA.
1. A obrigação de revisar, a cada 90 (noventa) dias, a necessidade de
se manter a custódia cautelar (art. 316, parágrafo único, do Código de Processo
Penal) é imposta apenas ao juiz ou tribunal que decretar a prisão
preventiva. Com efeito, a Lei nova atribui ao "órgão emissor da decisão" –
em referência expressa à decisão que decreta a prisão preventiva – o dever de
reavaliá-la. 2. Encerrada a instrução criminal, e prolatada a sentença ou acórdão
condenatórios, a impugnação à custódia cautelar – decorrente, a partir daí, de
novo título judicial a justificá-la – continua sendo feita pelas vias ordinárias
recursais, sem prejuízo do manejo da ação constitucional de habeas corpus
a qualquer tempo.
3. Pretender o intérprete da Lei nova que essa obrigação – de
revisar, de ofício, os fundamentos da prisão preventiva, no exíguo prazo de
noventa dias, e em períodos sucessivos – seja estendida por toda a cadeia
recursal, impondo aos tribunais (todos abarrotados de recursos e de habeas
corpus) tarefa desarrazoada ou, quiçá, inexequível, sob pena de tornar a prisão
preventiva "ilegal", data maxima venia, é o mesmo que permitir uma
contracautela, de modo indiscriminado, impedindo o Poder Judiciário de zelar
pelos interesses da persecução criminal e, em última análise, da sociedade.
4. Esse mesmo entendimento, a propósito, foi adotado pela QUINTA
TURMA deste Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do AgRg
no HC 569.701/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, julgado em 09/06/2020,
DJe 17/06/2020: "Nos termos do parágrafo único do art. 316 do CPP, a
revisão, de ofício, da necessidade de manutenção da prisão cautelar, a cada
90 dias, cabe tão somente ao órgão emissor da decisão (ou seja, ao
julgador que a decretou inicialmente) [...] Portanto, a norma contida no
parágrafo único do art. 316 do Código de Processo Penal não se aplica aos
Tribunais de Justiça e Federais, quando em atuação como órgão revisor."
5. Na hipótese dos autos, em sessão realizada em 24 de março de
2020, o Tribunal de origem julgou as apelações (da Defesa e da Acusação) e
mpôs ao Réu, ora Paciente, pena mais alta, fixada em mais de 15 (quinze) anos
de reclusão – o Magistrado singular havia estabelecido a pena em mais de 13
(treze) anos de reclusão.
6. No acórdão que julgou as apelações, nada foi decidido acerca da
situação prisional do ora Paciente, até porque a Defesa nada requereu nesse
sentido. Assim, considerando que inexiste obrigação legal imposta à Corte de
origem de revisar, de ofício, a necessidade da manutenção da custódia cautelar
reafirmada pelo juízo sentenciante, não há nenhuma ilegalidade a ensejar a
ingerência deste Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de
instância.
7. Ademais, em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal de origem, vê-se
que o recurso especial e o recurso extraordinário interpostos pela Defesa do
Paciente foram inadmitidos em 03/07/2020; em 13/07/2020 foi interposto agravo
em recurso especial e eventual juízo de retratação ainda não foi realizado. Desse
modo, os autos ainda não foram encaminhados a esta Corte Superior.
8. Ordem de habeas corpus denegada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma
do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por
unanimidade, denegar a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros
Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz, Nefi Cordeiro e Antonio Saldanha Palheiro votaram
com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 08 de setembro de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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