Prescrição de ação de sonegados parte do trânsito de decisão que atesta que sonegador não é único dono do bem

Prescrição de ação de sonegados parte do trânsito de decisão que atesta que sonegador não é único dono do bem

Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu como marco inicial para contagem do prazo prescricional de uma ação de sonegados a data do trânsito em julgado da decisão de mérito que estabeleceu que o imóvel em disputa não pertencia exclusivamente ao suposto sonegador. Com base na teoria da actio nata, o colegiado entendeu que essa era a única data na qual se podia afirmar, com segurança, que a parte prejudicada teve ciência inequívoca da lesão ao seu direito.

Com a decisão, o colegiado deu parcial provimento ao recurso especial para afastar a prescrição e determinar o prosseguimento da ação de sonegados, cujo objeto é um imóvel que não foi considerado na partilha de bens entre todos os herdeiros do falecido.

O imóvel foi comprado em 1986 e registrado apenas em nome da mulher – com a qual o falecido era casado em regime de separação de bens – e da filha deles. O marido – que tinha filhos e netos de um casamento anterior – morreu em 1989, e o termo de partilha amigável dos outros bens foi assinado por todos os herdeiros em 1991.

Quando houve uma tentativa de venda do imóvel que não entrou na partilha, o oficial de registro levantou dúvida sobre o negócio, já que o bem havia sido comprado pela viúva quando ela era casada. Tentando desembaraçar a venda, a viúva e sua filha ajuizaram, em dezembro de 2002, ação de bens reservados contra os demais herdeiros, os quais foram citados em 2003. O trânsito em julgado ocorreu em 2008.

Actio nata

Na ação de sonegados movida pelos demais herdeiros em 2013, a sentença acolheu a preliminar de prescrição, decisão confirmada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Em recurso ao STJ, os herdeiros alegaram que a citação na anterior ação de bens reservados (em 2003) seria insuficiente para deflagrar o prazo prescricional da ação de sonegados; por isso, pediram a reforma do acórdão.

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, a prescrição da pretensão de sonegados deve ser examinada sob a ótica da teoria da actio nata em sua vertente subjetiva, que se relaciona com o momento em que a violação de direito – em sua existência, extensão e autoria – passa a ser do conhecimento inequívoco da parte prejudicada.

No caso em análise, esclareceu a ministra, o ajuizamento da ação de bens reservados pela viúva e sua filha impediu o ajuizamento da ação de sonegados pelos demais herdeiros, que não tinham, até o trânsito em julgado da primeira ação, a ciência inequívoca da lesão que poderia motivar a propositura da segunda.

Incertezas

Para a relatora, a mera citação dos demais herdeiros na ação de bens reservados ajuizada pelas supostas sonegadoras – fundada em dúvida levantada pelo oficial de registro –, mesmo que tenha dado a eles ciência da existência do imóvel, é, em geral, insuficiente para configurar a ciência inequívoca da lesão, indispensável para que comece a correr o prazo prescricional da ação de sonegados, tendo em vista as incertezas sobre a existência e a extensão do dano.

"A descoberta, em audiência de instrução e julgamento realizada em ação de bens reservados, de que a proprietária do imóvel alegadamente sonegado não exercia atividade remunerada que justificaria a aquisição exclusiva do imóvel apenas configura prova indiciária da sonegação, mas não resulta, por si só, em ciência inequívoca da lesão e do dano que justifica o início do prazo prescricional da pretensão de sonegados", disse a ministra.

Nancy Andrighi destacou que, no caso, o único marco razoavelmente seguro e objetivo para que se inicie o cômputo do prazo prescricional da ação de sonegados será o trânsito em julgado da sentença que declarar que o bem sonegado não é de propriedade exclusiva de quem o registrou – ressalvadas as hipóteses de confissão ou de incontrovérsia fática.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.698.732 - MG (2017/0010797-5)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MARIA ANGELA GONCALVES COTTA
RECORRENTE : LUCIA MARIA GONCALVES DE SOUZA TORRES
RECORRENTE : LUIZ OTÁVIO CARVALHO GONÇALVES DE SOUZA
RECORRENTE : JULIO CESAR GONCALVES DE SOUZA FILHO
RECORRENTE : LUCIANE MARIA CARVALHO GONCALVES DE SOUZA
ADVOGADOS : ANDRE GUIMARÃES CANTARINO E OUTRO(S) - MG116021
FREDERICO GOMES DARES - MG119889
RECORRIDO : LIDIA ZARATINI GONCALVES
RECORRIDO : CLAUDIA GONCALVES SOUSA
ADVOGADOS : RAUL DE ARAÚJO FILHO E OUTRO(S) - MG005915
JANAINA CASTRO DE CARVALHO E OUTRO(S) - DF014394
ADVOGADOS : ADRIANA MOURÃO NOGUEIRA - DF016718
JULIANA SAFAR TEIXEIRA CASTANHEIRA - MG083027
EMENTA
CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES. PRESCRIÇÃO DA
PRETENSÃO DE SONEGADOS. OMISSÕES. INOCORRÊNCIA.
ACÓRDÃO QUE ENFRENTOU TODAS AS QUESTÕES RELEVANTES
DA CONTROVÉRSIA. ACTIO NATA OBJETIVA E SUBJETIVA.
APLICABILIDADE À AÇÃO DE SONEGADOS. OCULTAÇÃO DE BEM
DOS HERDEIROS. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO.
AFASTAMENTO, COMO TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO, DA
DATA DAS PRIMEIRAS DECLARAÇÕES OU DO ENCERRAMENTO
DO INVENTÁRIO. INCIDÊNCIA DA ACTIO NATA NA VERTENTE
SUBJETIVA. CITAÇÃO DOS HERDEIROS EM ANTERIOR AÇÃO DE
BENS RESERVADOS AJUIZADA PELO SUPOSTO SONEGADOR.
CAUSA DE PEDIR. DÚVIDA DO REGISTRADOR POR OCASIÃO DA
VENDA A TERCEIRO. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DO IMÓVEL.
INCERTEZA E CONTROVÉRSIA QUANTO À EXISTÊNCIA DE LESÃO E
DANO E DE TODOS OS SEUS EFEITOS. AUSÊNCIA DE ATIVIDADE
REMUNERADA DO SUPOSTO SONEGADOR, APURADA EM
AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. PROVA
MERAMENTE INDICIÁRIA. AUSÊNCIA DE CIÊNCIA DA LESÃO.
FATO DETERMINANTE PARA CIÊNCIA INEQUÍVOCA OCORRIDO
EM OUTRO PROCESSO. FATO PROCESSUAL. MARCO SEGURO E
OBJETIVO PARA INÍCIO DO CÔMPUTO DA PRESCRIÇÃO.
TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO DE MÉRITO QUE JULGA
QUE O BEM IMÓVEL EM DISPUTA NÃO PERTENCE
EXCLUSIVAMENTE AO SUPOSTO SONEGADOR, SALVO NAS
HIPÓTESES DE CONFISSÃO OU INCONTROVÉRSIA FÁTICA.
DISSENSO JURISPRUDENCIAL. DESNECESSIDADE DE EXAME.
1- Ação ajuizada em 27/08/2013. Recurso especial interposto em
19/07/2016 e atribuído à Relatora em 27/01/2017.
2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se houve
omissões relevantes no acórdão recorrido; (ii) se o termo inicial
do prazo prescricional da ação de sonegados deve ser
computado a partir da data da citação das partes em ação de
bens reservados, da audiência de instrução e julgamento
realizada em ação de bens reservados ou de outra data.
3- Inexiste omissão no julgado que examina todas as questões
relevantes para o desate da controvérsia, ainda que em sentido
diverso daquele pretendido pela parte.
4- A teoria da actio nata pode ser examinada sob duas diferentes
e, por vezes, complementares óticas: em sua vertente objetiva,
que se relaciona com o momento em que ocorre a violação do
direito subjetivo e que se torna exigível a prestação, e em sua
vertente subjetiva, que se relaciona com o momento em que
aquela violação de direito subjetivo passa a ser de conhecimento
inequívoco da parte que poderá exigir a prestação.
5- Na hipótese de ocultação de bem imóvel ocorrida mediante
artifício que não permitiu que os demais herdeiros sequer
identificassem a existência do bem durante a tramitação do
inventário do de cujus, o termo inicial da prescrição da
pretensão de sonegados não deve ser contado da data das
primeiras declarações ou da data do encerramento do
inventário, devendo ser aplicada a teoria da actio nata em sua
vertente subjetiva.
6- A mera citação dos demais herdeiros em anterior ação de
bens reservados ajuizada pelos supostos sonegadores, fundada
em dúvida suscitada pelo registrador do bem imóvel por ocasião
de sua venda a terceiro, conquanto dê à parte ciência da
existência do bem imóvel, é insuficiente, em regra, para a
configuração da ciência inequívoca da lesão indispensável para
que se inicie o prazo prescricional da pretensão de sonegados,
tendo em vista o cenário de incerteza e controvérsia acerca da
existência e extensão da lesão e do dano.
7- A descoberta, em audiência de instrução e julgamento
realizada em ação de bens reservados, de que a proprietária do
imóvel alegadamente sonegado não exercia atividade
remunerada que justificaria a aquisição exclusiva do imóvel
apenas configura prova indiciária da sonegação, mas não
resulta, por si só, em ciência inequívoca da lesão e do dano que
justifica o início do prazo prescricional da pretensão de
sonegados.
8- Se o fato determinante para a configuração da ciência
inequívoca da lesão e do dano deve ser examinado a partir de
outro processo em que essa questão também está em debate, o
único marco razoavelmente seguro e objetivo para que se inicie
o cômputo do prazo prescricional da pretensão de sonegados
será, em regra, o trânsito em julgado da sentença que,
promovendo ao acerto definitivo da relação jurídica de direito
material, declarar que o bem sonegado não é de propriedade
exclusiva de quem o registrou, ressalvadas as hipóteses de
confissão ou de incontrovérsia fática.
9- Acolhida a pretensão recursal por um dos fundamentos, é
despiciendo o exame dos demais que se relacionem ao mesmo
capítulo decisório.
10- Recurso especial conhecido e parcialmente provido, para
afastar a ocorrência da prescrição e determinar que seja dado
prosseguimento à ação de sonegados.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros
da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos
e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e
dar parcial provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra.
Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas
Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra.
Ministra Relatora.
Dr(a). JANAINA CASTRO DE CARVALHO, pela parte RECORRIDA:
LIDIA ZARATINI GONCALVES
Brasília (DF), 12 de maio de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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