Cessionário de direito litigioso se sujeita a todos os efeitos da cessão, mesmo que represente obrigações

Cessionário de direito litigioso se sujeita a todos os efeitos da cessão, mesmo que represente obrigações

A parte que recebe um direito litigioso mediante cessão sujeita-se a todos os seus efeitos, com a efetivação da sucessão processual, inclusive nas hipóteses em que esse direito corresponda, na verdade, a um débito, e não a um crédito. Esse foi o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao negar provimento a recursos interpostos contra decisão que julgou procedentes os embargos de terceiro opostos pelo cedente, visando afastar a penhora de valores de sua titularidade no processo em que se operou a cessão de crédito e a consequente sucessão das partes.

No caso em análise, o banco cedeu a uma companhia securitizadora um título executivo extrajudicial, supostamente representativo de crédito contra três particulares. Após os cálculos realizados pelo perito judicial, nos autos de embargos à execução em fase de cumprimento de sentença, apurou-se que o direito litigioso alienado caracterizava, na verdade, um débito, em vez de um crédito, acarretando a constrição de bens do cedente, que não mais integrava a lide executiva.

Foram opostos embargos de terceiro pelo banco, sobrevindo sentença de improcedência, dada a probabilidade de se reconhecer a invalidade da cessão, visto que o crédito cedido não existia. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) reformou a sentença para afastar o bloqueio sobre bens do banco, porquanto excluído este dos embargos à execução (à época na fase de conhecimento), assim que realizada a cessão, considerando ser terceiro o cedente em relação a essa execução.

Nos recursos ao STJ, tanto a securitizadora quanto os particulares detentores do crédito defenderam que os atos executivos deveriam ser dirigidos ao banco, pois a cessão não se aperfeiçoou, já que o objeto era um crédito, e não deveres e obrigações.

Risco assumido

Segundo o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator dos recursos, a parte cessionária sabia dos riscos e decidiu assumi-los ao aceitar a titularidade do direito litigioso.

"Não mais integrando o banco a relação jurídica de direito material e processual constante dos feitos executivos, em que se reconheceu serem credores os primitivos executados, e não devedores, ostenta a casa bancária, de fato, condição de terceiro" – explicou o ministro, ao justificar a manutenção do acórdão que afastou a penhora sobre montante de titularidade do banco.

Ele lembrou que a alienação de coisa ou direito litigioso é expressamente admitida no ordenamento jurídico brasileiro, constituindo basicamente a transferência da titularidade, mas não alterando necessariamente a legitimidade das partes.

Sucessão processual

No caso em questão, de acordo com o ministro, ocorreu situação diferente da prevista no artigo 42 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973 (correspondente ao artigo 109 do CPC/2015), pois houve sucessão processual, incluindo-se a securitizadora na causa como legitimada ordinária superveniente, em defesa de direito próprio que lhe foi transferido por cessão.

A discussão levantada pelos recorrentes sobre a higidez da alienação, segundo o ministro, deve ser feita em ação própria, mediante contraditório específico.

"Não pode a adquirente/cessionária favorecer-se apenas dos bônus provenientes da cessão, se sabidamente adquiriu um crédito litigioso do banco sucedido, passando, inclusive, a ingressar nas ações executivas, defendendo direito próprio", explicou Bellizze.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.837.413 - PR (2018/0046908-1)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : RIO PARANÁ COMPANHIA SECURITIZADORA DE CRÉDITOS
FINANCEIROS
ADVOGADO : MILTON JOÃO BETENHEUSER JUNIOR - PR014341
ADVOGADOS : ESTEFANIA FERREIRA DE SOUZA DE VIVEIROS E OUTRO(S) - DF011694
NILTO SALES VIEIRA - PR011038
ADVOGADOS : LUCIANA PEREZ GUIMARAES DA COSTA E OUTRO(S) - PR018588
IDAMARA ROCHA FERREIRA - PR014153
RECORRENTE : MARIA IZABEL GUARESCHI
RECORRENTE : SEVERINO EDUARDO GUARESCHI
RECORRENTE : CELSO MOACIR GUARESCHI
ADVOGADO : LUIZ GONZAGA GUEDES MARTINS E OUTRO(S) - PR009080
RECORRIDO : OS MESMOS
RECORRIDO : ITAU UNIBANCO S.A
ADVOGADOS : IANDRA DOS SANTOS MACHADO DE LIMA - PR061287
JORGE ANDRE RITZMANN DE OLIVEIRA - PR058886
JULIANO RICARDO SCHMITT E OUTRO(S) - PR058885
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. ALIENAÇÃO DE
DIREITO LITIGIOSO POR ATO ENTRE VIVOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
NÃO OCORRÊNCIA. CESSÃO DE CRÉDITO EFETIVADA PELO EXEQUENTE NO CURSO DA
EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL E DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO. SUCESSÃO
PROCESSUAL. EXCLUSÃO DA PARTE CEDENTE DA LIDE E INCLUSÃO DA CESSIONÁRIA.
SUJEIÇÃO TANTO AOS BÔNUS QUANTO AOS ENCARGOS DECORRENTES DO NEGÓCIO
REALIZADO SOBRE DIREITO QUE SABIDAMENTE ERA LITIGIOSO. ASSUNÇÃO DO RISCO
DO NEGÓCIO PELA PARTE ADQUIRENTE. COISA JULGADA MATERIAL QUE ALCANÇA
APENAS A CESSIONÁRIA. PENHORA SOBRE VALORES DO CEDENTE QUE SE MOSTRA
INDEVIDA. PROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS DE TERCEIRO. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO
RECORRIDO. RECURSOS ESPECIAIS DESPROVIDOS.
1. Considerando que os recursos especiais foram interpostos contra decisão publicada sob a
égide do Código de Processo Civil de 1973, sua análise obedecerá ao regramento nele
previsto (Enunciado Administrativo n. 2 do STJ).
2. A controvérsia posta nos respectivos recursos especiais concentra-se a aferir a
legitimidade de penhora sobre valores da conta bancária do cedente (exequente primitivo),
que, após realizar cessão de crédito sobre direito litigioso, procedendo-se à sucessão
processual das partes, apurou-se, em cumprimento de sentença, a existência de um débito
em desfavor da parte cessionária, em vez de um crédito.
3. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução
da lide, de forma fundamentada, não havendo que se falar em negativa de prestação
jurisdicional.
4. Na alienação de coisa ou direito litigioso, os efeitos da sentença estendem-se ao
adquirente/cessionário, tendo este ingressado ou não no feito, nos termos do art. 42, § 3º,
do CPC/1973 (art. 109, § 3º, do CPC/2015). Havendo a sucessão processual, com a
exclusão do alienante/cedente da lide e a inclusão do adquirente/cessionário, como na
hipótese, com mais razão sujeita-se este aos efeitos da sentença – sejam eles positivos ou
negativos –, dada a sua legitimidade ordinária superveniente, não mais alcançando o
alienante/cedente.
5. No caso ora em foco, o banco cedente, no curso da execução por ele promovida (e dos
embargos à execução), cedeu o suposto crédito objeto da execução, procedendo-se as
partes integrantes da cessão à sucessão processual, sendo apurado, em cumprimento de
sentença dos embargos à execução procedentes, um débito em desfavor da parte
cessionária, ao invés de um crédito.
6. Favorecendo-se a parte cessionária da sentença relativa ao negócio jurídico sobre direito
que sabidamente era litigioso, independentemente da sua participação na causa sub judice,
igualmente deve sujeitar-se aos encargos provenientes desse negócio, visto que assumiu o
risco, sobretudo quando procederam as partes à sucessão no processo do cedente pelo
cessionário, como na hipótese.
7. Desse modo, não mais integrando o banco a relação jurídica de direito material e
processual constante dos feitos executivos, em que se reconheceu serem credores os
primitivos executados, e não devedores, ostenta a casa bancária, de fato, condição de
terceiro, revelando-se indevida a constrição efetivada sobre os valores constantes de sua
conta bancária, a ensejar a procedência dos embargos de terceiro, conforme assentado no
acórdão recorrido.
8. Recursos especiais desprovidos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar
provimento aos recursos especiais, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso
Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 10 de março de 2020 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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