Erro na classificação de circunstância judicial desfavorável não impede aumento da pena

Erro na classificação de circunstância judicial desfavorável não impede aumento da pena

O juiz não é obrigado a mencionar pelo nome – tal como apresentadas no artigo 59 do Código Penal – as circunstâncias judiciais que ele avaliou para definir a pena. Se a sentença registrar a existência de condenações anteriores sem se referir a maus antecedentes, ou se demonstrar que o dano causado pelo réu foi especialmente grave, mesmo sem falar em consequências do crime, o aumento da pena-base estará justificado.

O entendimento foi aplicado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao analisar habeas corpus em que a defesa contestava o uso de condenações definitivas anteriores para valorar negativamente a conduta social. Na decisão, a turma reafirmou a jurisprudência segundo a qual condenações pretéritas não utilizadas para configurar a reincidência só podem caracterizar maus antecedentes, sendo erro técnico usá-las de forma diferente.

A ré foi condenada pela prática de estelionato (artigo 171 do Código Penal) contra três vítimas, em continuidade delitiva, a três anos e quatro meses de reclusão, no regime inicial semiaberto. O juiz valorou negativamente a conduta social em razão de ela ter mais cinco condenações penais por estelionato transitadas em julgado, que não foram consideradas para caracterizar reincidência.

No habeas corpus, a defesa alegou ainda que não haveria prova de que as consequências do crime – outra vetorial com valoração negativa – afetaram demasiadamente as vítimas.

Reclassificação

O relator do pedido no STJ, ministro Rogerio Schietti Cruz, ressaltou que a Terceira Seção considera uma impropriedade técnica entender que as condenações transitadas em julgado refletem negativamente na personalidade ou na conduta social do réu.

No caso sob exame, o ministro afirmou que as cinco condenações anteriores por idêntico crime, embora classificadas de forma errada, não podem ser desconsideradas para punir a ré "da mesma forma que um criminoso neófito". E como a defesa não contestou a existência das condenações, o correto, segundo o ministro, é tão somente corrigir a classificação da circunstância judicial, sem afastar o correspondente aumento de pena.

Dano não dimensionado

Para Schietti, contudo, não ficou evidenciado grande prejuízo às vítimas que justificasse a valoração negativa das consequências do crime, pois o juiz não especificou o dano patrimonial causado a cada uma, nem demonstrou que, diante de suas condições econômicas, o resultado extrapolou os limites da normalidade. Tudo o que consta da sentença é o valor total perdido pelas vítimas, de quase R$ 5 mil.

O ministro apontou que o magistrado, ante duas circunstâncias negativas, aumentou a pena em um ano de reclusão, o que equivale a seis meses de acréscimo para cada vetorial. Uma vez afastada a análise negativa de uma delas (consequências do crime) e nominado corretamente o histórico criminal como maus antecedentes, o relator redimensionou a pena-base para um ano e seis meses de reclusão.

A turma julgadora também corrigiu a fração de aumento em razão da continuidade delitiva, pois foram cometidos três crimes – o que, segundo a jurisprudência do STJ, leva à majoração em um quinto, e não dois terços, como fixado pelo juiz. Assim, a pena definitiva ficou estabelecida em um ano, nove meses e 18 dias de reclusão, em regime semiaberto.

HABEAS CORPUS Nº 501.144 - SP (2019/0088301-3)
RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ
IMPETRANTE : GUSTAVO RODRIGUES PIVETA
ADVOGADO : GUSTAVO RODRIGUES PIVETA - SP226958
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
PACIENTE : VANIA CRISTINA ECLE RODRIGUES
ADVOGADO : BERNARDO FELISBERTO CORRIERI - DF052477
EMENTA
HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. DOSIMETRIA.
REGISTROS CRIMINAIS ANTERIORES NOMINADOS DE
CONDUTA SOCIAL. ATECNIA. CORREÇÃO DO TÍTULO
DA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL PARA MAUS
ANTECEDENTES. CONSIDERAÇÃO DESFAVORÁVEL DAS
CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. FALTA DE
FUNDAMENTAÇÃO. DECOTE DA VETORIAL. HABEAS
CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDO.
1. A Terceira Seção fixou o entendimento de que "condenações
criminais do réu transitadas em julgado e não utilizadas para
caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na primeira
fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais" (EREsp n.
1.688.077/MS, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 3ª S.,
DJe 28/8/2019).
2. Se existe uma circunstância judicial específica destinada à
valoração do passado desabonador do réu (antecedentes), revela-se
uma imprecisão intitulá-la de personalidade ou de conduta social
negativas.
3. Todavia, não se pode perder de vista que a dicção legal não impõe
ao julgador a obrigatoriedade de nomear as circunstâncias legais. O
que é cogente na tarefa individualizadora da pena-base é indicar
peculiaridades concretas dos autos, relacionadas às oito vetoriais do
art. 59 do CP. Se a sentença mencionar várias condenações
definitivas anteriores do réu para aumentar a sanção básica, sem dar
título algum à circunstância, não haverá vício no decisum.
4. As instâncias ordinárias mencionaram cinco condenações
definitivas da paciente como justificativa para o recrudescimento da
reprimenda na primeira fase da dosimetria. Entretanto, os registros
não foram corretamente designados como maus antecedentes, mas
sim como conduta social. O erro do pronunciamento está relacionado
somente à atecnia na nomeação da circunstância legal. Assim, em
habeas corpus, deve ser corrigida a palavra imprópria, para que o
dado concreto levado em conta pelo juiz seja chamado de maus
antecedentes.
5. A motivação da decisão (anotações criminais anteriores), que
permitiu ao operador do direito expor a razão da escolha da sanção
ao fato sob julgamento e possibilitou à defesa compreender e
fiscalizar sua atuação, permanece hígida. O fundamento está
relacionado à justa reprovação e prevenção do crime e não pode,
portanto, ser desconsiderado apenas porque houve imprecisão na sua
classificação, caso contrário seria conferido à ré, em igual
intensidade, a mesma retribuição cabível aos agentes neófitos em
práticas ilícitas, o que afrontaria o princípio da igualdade.
6. Se, em relação às consequências do crime de estelionato não
houve menção ao dano patrimonial causado a cada uma das vítimas
ou às suas condições financeiras, nem se mencionou quantia que, por
si só, se mostra vultosa, inexiste justificativa concreta para considerar
desfavorável o resultado do dano patrimonial e deve ser afastada a
vetorial, por falta de motivação idônea.
7. Habeas corpus parcialmente concedido, a fim de afastar a análise
desfavorável das consequências do crime e corrigir a falta de técnica
na denominação dos registros criminais da paciente, doravante
intitulados de maus antecedentes, e não de conduta social.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, conceder
parcialmente a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs.
Ministros Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Reis Júnior
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz.
Brasília, 10 de março de 2020
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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