Espólio não pode ser responsabilizado por saque indevido de remuneração paga a servidor morto

Espólio não pode ser responsabilizado por saque indevido de remuneração paga a servidor morto

O espólio não é parte legítima para responder à ação de ressarcimento relativa a valores de remuneração depositados na conta de servidor falecido e sacados indevidamente por terceiros, mesmo que tenham sido os herdeiros. A decisão foi da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao dar provimento ao recurso de um espólio para restabelecer sentença que reconheceu a sua ilegitimidade passiva na demanda.

Na origem do caso, o Distrito Federal depositou na conta de uma servidora, após sua morte, pagamentos referentes à remuneração mensal e à gratificação natalina. Após constatar o erro, o DF ajuizou ação de restituição contra o espólio, afirmando que os valores foram sacados pelas herdeiras da servidora.

A sentença extinguiu a ação sem resolução do mérito, por entender que o espólio não poderia ser demandado, já que a remuneração depositada indevidamente e recebida por terceiros não integra o conjunto de bens e obrigações deixado pela falecida.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) reformou a sentença com o argumento de que, na ausência de abertura do inventário, o espólio é parte legítima para responder à ação.

Clareza solar

No recurso especial, o espólio sustentou que o acórdão violou a regra do artigo 796 do Código de Processo Civil ao lhe atribuir responsabilidade por dívida que não foi contraída em vida pela servidora.

Segundo o ministro Mauro Campbell Marques, relator, a restituição de quantia recebida indevidamente é dever de quem se enriqueceu sem causa. Para ele, se o DF entende que o saque foi feito pelas herdeiras, estas é que deveriam figurar no polo passivo da ação.

"A impossibilidade de um morto se enriquecer (seja devidamente, seja indevidamente) é de clareza solar, de tal modo que se deve perquirir quem, de fato, obteve proveito econômico com o pagamento indevido", assinalou o ministro.

Sem personalidade jurídica

De acordo com o relator, está correto o recurso ao apontar violação do artigo 796 do CPC, pois o espólio responde pelas dívidas do falecido, mas não por eventual enriquecimento sem causa das herdeiras – ato que não pode ser atribuído à servidora. Ele destacou que a morta não tinha mais personalidade jurídica e, portanto, não poderia se tornar titular de deveres.

O ministro Mauro Campbell Marques afirmou que seria possível falar em responsabilidade do espólio caso o dever de ressarcimento decorresse de uma dívida da falecida, mas, embora o dinheiro tenha sido depositado a título de remuneração, não houve de fato um pagamento em favor dela.

O relator comentou ainda que, se o administrador da herança recebe valores indevidamente sem reparti-los com os demais herdeiros, e o espólio é condenado a fazer a restituição, os herdeiros de boa-fé acabam prejudicados, pois aquele que ficou com o dinheiro não o restitui de forma plena – permanecendo o enriquecimento indevido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.805.473 - DF (2018/0343417-4)
RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
RECORRENTE : ELISABETE ALVES DE SOUSA NEVES - ESPÓLIO
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL
RECORRIDO : DISTRITO FEDERAL
PROCURADOR : ROBSON CAETANO DE SOUSA E OUTRO(S) - DF015309
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO
ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. SERVIDOR PÚBLICO DISTRITAL.
QUANTIA DISPONIBILIZADA PELO ENTE PÚBLICO APÓS O
FALECIMENTO DA SERVIDORA. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
DAS HERDEIRAS. AÇÃO DE RESSARCIMENTO. LEGITIMIDADE DO
ESPÓLIO. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Na hipótese dos autos, o Distrito Federal demandou ação de ressarcimento contra
o Espólio de Elisabete Alves de Souza Neves visando à condenação do espólio à
restituição dos valores depositados na conta ex-servidora pública, a título de
remuneração e de gratificação natalícia, após o seu falecimento.
2. A restituição de quantia recebida indevidamente é um dever de quem se
enriqueceu sem causa (art.884 do CC/2002). De acordo com as alegações do ente
público, a vantagem econômica foi auferida pelas herdeiras da ex-servidora.
3. Pessoas naturais possuem personalidade jurídica entre seu nascimento com vida e
o momento de sua morte (arts. 2º c/c 6º, ambos do CC/2002). A ex-servidora pública
não tinha mais personalidade jurídica quando o Distrito Federal depositou a quantia
ora pleiteada.
4. Para que se possa ser titular de direitos e obrigações (deveres), necessita-se de
personalidade jurídica (art. 1º do CC/2002). Se a de cujus não tinha mais
personalidade, não poderia se tornar titular de deveres. Ademais, o falecimento é
causa de vacância do cargo público, de modo não existir mais vínculo
jurídico-administrativo entre a administração pública e a servidora após o falecimento
dessa.
5. O espólio responde pelas dívidas do falecido (art. 796 do CPC/2015 e 1.997 do
CC/2002). Por isso, o espólio não deve responder pelo enriquecimento sem causa
das herdeiras que não é atribuível à falecida.
6. Logo, se o espólio não pode ser vinculado, nem mesmo abstratamente, ao dever
de restituir, ele não pode ser considerado parte legítima nesta ação nos termos do art.
17 do CPC/2015.
7. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade
dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:
"A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a).
Ministro(a)-Relator(a)."
A Sra. Ministra Assusete Magalhães, os Srs. Ministros Herman Benjamin e Og
Fernandes votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 03 de março de 2020.
MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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