Presunção de influência do júri por comentários do promotor na imprensa não basta para mudança de foro

Presunção de influência do júri por comentários do promotor na imprensa não basta para mudança de foro

A hipótese excepcional de desaforamento do júri popular para outra comarca – prevista nos artigos 427 e 428 do Código de Processo Penal – não pode ser autorizada pela mera suposição de que a imparcialidade dos jurados tenha sido afetada por comentários sobre o processo feitos por membro do Ministério Público na imprensa da região.

Com base nesse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou seguimento a habeas corpus no qual a defesa alegava que, em virtude de comentários negativos feitos pelo promotor sobre o réu e seus advogados na imprensa local, seria necessária a mudança da comarca para a realização do júri.

De acordo com os autos, o réu foi julgado em 2016 pelo tribunal do júri da comarca de Três Lagoas (MS). Ele foi condenado pelo crime de homicídio qualificado à pena de 14 anos de reclusão, mas teve a condenação anulada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), que determinou a realização de novo julgamento.

Entrevista

Segundo a defesa, o representante do Ministério Público concedeu entrevista para a imprensa narrando com detalhes todo o trâmite processual e falando sobre as provas produzidas e a condenação anterior do réu.

Para a defesa, as palavras no promotor tiveram o objetivo de contaminar as pessoas da cidade, de forma que fosse criado um sentimento negativo contra o réu e seus advogados, com potencial para interferir no novo julgamento pelo tribunal do júri. Por isso, a defesa entendia ser necessário o julgamento da ação em outra comarca.

O ministro Ribeiro Dantas, relator do pedido de habeas corpus no STJ, explicou que, nos termos dos artigos 69 e 70 do Código de Processo Penal, a competência será, como regra, determinada pelo lugar em que se consumou a infração ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que foi praticado o último ato de execução.

Entretanto, em relação aos crimes de competência do tribunal do júri, o ministro observou que pode haver a alteração da competência inicialmente fixada. Como previsto pelos artigos 427 e 428 do CPP, esse deslocamento do julgamento para comarca da mesma região pode ocorrer se, entre outros casos, houver dúvida sobre a imparcialidade do júri, risco à segurança pessoal do acusado ou, ainda, comprovado excesso de serviço.

Circunstâncias comuns

Na hipótese em discussão, porém, Ribeiro Dantas ressaltou que o TJMS, ao manter a competência do júri em Três Lagoas, entendeu que as notícias foram publicadas pela mídia na época do primeiro julgamento, em 2016, sendo que as matérias jornalísticas mais recentes informaram apenas sobre a prisão do réu.

Além disso, o TJMS levou em conta a avaliação do juiz de primeira instância, segundo o qual o crime aconteceu 11 anos antes, teve a gravidade comum aos casos de homicídio e não envolveu pessoas famosas – razão pela qual não haveria especial comoção social na cidade, de mais de 120 mil habitantes.

"No caso dos autos, não se faz presente a comprovação acerca do comprometimento da imparcialidade dos jurados, como defende o impetrante, não merecendo respaldo, ainda, a alegação de que o desaforamento se justifica pela veiculação de novas matérias na imprensa local", concluiu o ministro ao não conhecer do pedido de habeas corpus.

HABEAS CORPUS Nº 492.964 - MS (2019/0039940-0)
RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS
IMPETRANTE : RODRIGO MARCON SANTANA
ADVOGADO : RODRIGO MARCON SANTANA - PR038413
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO
SUL
PACIENTE : ERCILIO PRIVIATELI
EMENTA
PROCESSO PENAL. PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO
QUALIFICADO E FRAUDE PROCESSUAL. JÚRI. ART. 427 DO CPP.
PEDIDO DE DESAFORAMENTO. INDEFERIMENTO.
COMPROMETIMENTO DA IMPARCIALIDADE DOS JURADOS NÃO
VERIFICADA. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE
ORIGEM. EXAME APROFUNDADO DO CONTEXTO
FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. NECESSIDADE. MATÉRIA
INCABÍVEL NA VIA ELEITA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. NÃO
OCORRÊNCIA. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de
que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a
hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada
a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. Nos termos do art. 427 do CPP, se o interesse da ordem pública o reclamar ou
houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o
Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do
acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o
desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não
existem aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.
3. A mera presunção de parcialidade dos jurados em razão da divulgação dos
fatos e da opinião da mídia é insuficiente para o deferimento da medida
excepcional do desaforamento da competência.
4. Para rever o entendimento do Tribunal de origem de que não existem os
requisitos que autorizam o desaforamento, seria necessário o exame aprofundado
do contexto fático-probatório, inviável neste via eleita.
5. Habeas corpus não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não
conhecer do pedido.
Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Jorge Mussi e Reynaldo Soares da Fonseca
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Leopoldo de Arruda Raposo
(Desembargador convocado do TJ/PE).
Brasília (DF), 03 de março de 2020 (data do julgamento)
MINISTRO RIBEIRO DANTAS
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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