IR sobre lucro apurado no país pode ser compensado em repasses ao exterior, mesmo em balanços diferentes

IR sobre lucro apurado no país pode ser compensado em repasses ao exterior, mesmo em balanços diferentes

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que é possível a compensação do Imposto de Renda (IR) recolhido sobre lucros apurados por empresa domiciliada no país com aquele retido sobre lucros distribuídos a cotistas no exterior, ainda que a apuração de ambos os tributos tenha sido feita em balanços encerrados em exercícios diferentes.

Segundo o processo, uma empresa recebeu de sua subsidiária, em fevereiro de 1990, lucros apurados no balanço de 1988, com a retenção do IR na fonte. Nessa mesma data, distribuiu aos seus sócios domiciliados no exterior os lucros relativos aos balanços de 1988 e 1989, os quais também estavam sujeitos ao recolhimento do IR.

Tendo por base o Decreto-Lei 1.790/1980, a IN/SRF 87/1980 e o Parecer Normativo 33/1984, ela deduziu do imposto devido na distribuição de lucros o valor recolhido quando do recebimento dos lucros da subsidiária, entendendo que a legislação permitia essa prática independentemente do exercício contábil em que foram apurados os resultados.

A Receita Federal, contudo, com base em uma instrução normativa vigente à época (IN/SRF 139/1989), vedou a compensação, por entender que se tratava de lucros relativos a balanços encerrados em exercícios diferentes.

No recurso dirigido ao STJ, a empresa argumentou que a IN/SRF 139/1989 – ato de hierarquia infralegal – não poderia ter limitado o alcance do artigo 2°, parágrafo 2°, do Decreto-Lei 1.790/1980, que permitia a dedução realizada.

Compensação tributária

A ministra Regina Helena Costa, autora do voto que prevaleceu no julgamento, explicou que a compensação tributária é modalidade extintiva inspirada no direito privado, por meio da qual "se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem", conforme estatui o Código Civil.

Segundo ela, a compensação em matéria tributária está contemplada no artigo 170 do Código Tributário Nacional (CTN), o qual preceitua que a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo, contra a Fazenda Pública.

Interação entre regramentos

Em seu voto, a ministra ressaltou que a solução do caso passa pelo exame da interação entre o regramento do Decreto-Lei 1.790/1980 e a disciplina da Lei 7.713/1988. Ela verificou que, apesar de já existir autorização para compensar o IR retido na fonte com aquele a ser descontado no momento da distribuição de lucros – previsto no Decreto-Lei 1.790/1980 –, a Lei 7.713/1988 somou a possibilidade de serem compensados valores calculados com base, também, no lucro líquido apurado pela pessoa jurídica e enviado ao exterior, com incidência no encerramento do respectivo período-base.

Para ela, esses diplomas legais não se antagonizam porque, enquanto o Decreto-Lei 1.790/1980 disciplina o regime de compensação vinculado às relações jurídicas tributárias sob a sua vigência, a Lei 7.713/1988, por outro lado, define regramento próprio da modalidade de compensação complementar que especifica, sendo aplicável, porém, somente a partir de janeiro de 1989.

Regina Helena Costa ressaltou que a disciplina da obrigação tributária, inclusive sua extinção – modalidade na qual se insere a compensação –, deve ser sempre veiculada por lei, com vista à proteção ao patrimônio público representado pelo crédito tributário.

Ilegalidade

A ministra verificou que o Decreto-Lei 1.790/1980 não estabeleceu restrição à compensação entre períodos diversos, sendo "a possibilidade de compensar o IR originalmente retido na fonte, em calendários diferentes, direito que se extrai, primariamente, do próprio texto legal".

Segundo ela, o artigo 35, parágrafo 4º, "c", da Lei 7.713/1988 não traz nenhuma proibição de compensação entre exercícios diferentes, nem mesmo previsão de tal regulamentação ser feita por ato infralegal – como o fez a IN SRF 139/1989, que criou limitação conflitante com o Decreto-Lei 1.790/1980, invadindo o plano exclusivo da lei.

"O artigo 4º, I, da IN SRF 139/1989, ao suprimir a comunicação entre exercícios diferentes, trouxe inovação limitadora não prevista na lei de regência, incorrendo, no ponto, em ilegalidade", ressaltou.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.628.374 - SP (2016/0250212-0)
RELATOR : MINISTRO GURGEL DE FARIA
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRA REGINA HELENA COSTA
RECORRENTE : AUTOLATINA-COMERCIO NEGOCIOS E
PARTICIPACOES LIMITADA
ADVOGADOS : HAMILTON DIAS DE SOUZA E OUTRO(S) - SP020309
DANIEL CORRÊA SZELBRACIKOWSKI - DF028468
RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL
EMENTA
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
DE 1973. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC/1973.
INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR N. 284/STF. COMPENSAÇÃO
TRIBUTÁRIA. IMPOSTO SOBRE A RENDA RETIDO NA FONTE - IRRF.
DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS OCORRIDA EM EXERCÍCIO POSTERIOR
AO DA PRIMEIRA RETENÇÃO. DIREITO A COMPENSAR ENTRE
PERÍODOS-BASE DISTINTOS. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE
PREVISÃO LEGAL NA DATA DO ENCONTRO DE CONTAS.
DECRETO-LEI N. 1.790/1980 E IN SRF N. 87/1980. LEGISLAÇÃO
SUPERVENIENTE. LEI N. 7.713/1988. AUSÊNCIA DE PROIBIÇÃO.
SUPRESSÃO DO DIREITO DE COMPENSAR ENTRE CALENDÁRIOS
DIVERSOS POR ATO INFRALEGAL. IN SRF N. 139/1989. ILEGALIDADE.
I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em
09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do
provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, in casu, o Código de
Processo Civil de 1973.
II – Não se pode conhecer da apontada violação ao art. 535 do CPC/1973,
porquanto o recurso cinge-se a alegações genéricas e, por isso, não
demonstra, com transparência e precisão, qual seria o ponto omisso,
contraditório ou obscuro do acórdão recorrido, bem como a sua importância
para o deslinde da controvérsia, o que atrai o óbice do verbete sumular n.
284/STF, aplicável, por analogia, no âmbito desta Corte.
III – A lei é o único veículo normativo capaz de criar e estabelecer a
configuração do direito à compensação tributária, vale dizer, de fixar os
requisitos materiais e formais à sua fruição, e somente por intermédio dela é
que se poderá impor limitações ao seu exercício, em observância à
legalidade prevista no art. 5º, II, da Constituição da República.
IV – O vigente Decreto-lei n. 1.790/1980 e a Lei n. 7.713/1988 não se
antagonizam: enquanto o primeiro disciplina o regime de compensação
vinculado às relações jurídicas tributárias havidas sob a sua égide, a
segunda, por outro lado, define regramento próprio da modalidade de
compensação complementar que especifica, sendo aplicável, todavia,
somente a partir de 1º.01.1989, por força do disposto nos arts. 35, § 6º, e 57.
V – O Decreto-lei n. 1.790/1980 não estabeleceu restrição à compensação
entre períodos diversos, isto é, não impôs limitação temporal ao exercício de
tal direito.
VI – O art. 35, § 4º, c, da Lei n. 7.713/1988, não exibe nenhuma proibição de
compensar entre exercícios diferentes, como também não se verifica
previsão de regulamentação de tal dispositivo por ato infralegal,
diversamente da IN SRF n. 87/1980, cuja edição foi expressamente
autorizada pelo art. 6º do Decreto-lei n. 1.790/1980.
VII – Os atos administrativos regulamentares devem observar não apenas o
ato normativo do qual extraem validade imediata, mas também devem
guardar conformidade com o arcabouço legal sobrejacente.
VIII – Ilegalidade do art. 4º, I, da IN SRF n. 139/1989, que suprimiu a
comunicação entre exercícios diferentes, trazendo inovação limitadora não
prevista na lei de regência da compensação.
IX – Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da
Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade
dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo o julgamento,
após o voto-vista do Sr. Ministro Benedito Gonçalves, por maioria, vencido o
Sr. Ministro Gurgel de Faria(Relator), dar provimento ao recurso especial,
nos termos do voto-vista da Sra. Ministra Regina Helena Costa, que lavrará o
acórdão. Votaram com a Sra. Ministra Regina Helena Costa os Srs. Ministros
Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves e Sérgio Kukina.
Brasília (DF), 04 de fevereiro de 2020 (Data do Julgamento)
MINISTRA REGINA HELENA COSTA
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
Lista de leitura
Adicione esta notícia à sua lista de itens para ler depois
Adicionar à lista

Resumos relacionados Exclusivo para assinantes

Mantenha-se atualizado com os resumos sobre este tema

Guias de Estudo relacionados Exclusivo para assinantes

Organize seus estudos jurídicos e avalie seus conhecimentos

Economize tempo e aumente sua produtividade com o DN PRO Seja um assinante DN PRO e tenha acesso ilimitado a todo o conteúdo que agiliza seu processo de elaboração de peças e mantém você sempre atualizado sobre o mundo jurídico. 7.430 modelos e documentos essenciais para o seu dia a dia Atualizados regularmente por especialistas em Direito Ideal para advogados e profissionais da área jurídica Apenas R$ 24,90 por mês Veja exemplos gratuitos