Rescisória não pode alegar prescrição que não foi discutida na ação original

Rescisória não pode alegar prescrição que não foi discutida na ação original

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a prescrição é matéria limitada ao direito material das partes, restrita à esfera de sua disponibilidade, não sendo cabível o ajuizamento de ação rescisória fundada em violação literal de lei, sem que a questão afeta à prescrição tenha sido objeto de deliberação na ação originária.

Com esse entendimento, o colegiado confirmou acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná que julgou improcedente ação rescisória na qual se alegava violação literal de lei apesar de a sentença rescindenda não ter emitido nenhum juízo de valor sobre a questão relativa à prescrição, que também não foi suscitada pela parte interessada.

A ação rescisória, com base em violação literal de lei, foi apresentada contra sentença transitada em julgado em ação de cobrança de débitos condominiais.

Ao STJ, o recorrente argumentou ser possível a rescisória, independentemente da revelia havida nos autos originais, sob o argumento de que o artigo 219, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil de 1973 – vigente à época – impunha ao juiz a obrigação de pronunciar, de ofício, a prescrição, já que se trata de matéria de ordem pública.

Direitos subjetivos

Segundo o relator do recurso especial, ministro Marco Aurélio Bellizze, a prescrição é compreendida como a perda da pretensão de exigir de alguém a realização de uma prestação em virtude do fim do prazo fixado em lei. Para ele, a prescrição se relaciona diretamente com os interesses exclusivos das partes envolvidas.

"Isso porque a prescrição refere-se a direitos subjetivos patrimoniais e relativos, na medida em que a correlata ação condenatória tem por finalidade obter, por meio da realização de uma prestação do demandado, a reparação dos prejuízos suportados em razão da violação do direito do autor. Não é por outra razão, aliás, que a prescrição, desde que consumada, comporta, à parte que a favoreça, sua renúncia, expressa ou tácita", afirmou.

Inércia

De acordo com o ministro, o fato de o magistrado não reconhecer de ofício a prescrição não ofende o parágrafo 5º do artigo 219 nem o artigo 485, V, do CPC/1973 (artigo 966, V, do CPC/2015), pois a norma processual não obriga o juiz a deliberar sobre matéria de livre disposição das partes litigantes. 

"Se ao magistrado não se impõe o dever de se manifestar sobre a prescrição, embora seja a ele possível, sob o signo da celeridade processual, à parte que se beneficiaria com a sua declaração, ao contrário, caso seja sua intenção valer-se da exceção substancial em comento, não é dado furtar-se de suscitá-la no processo, sob pena de sua inércia configurar verdadeira renúncia a esse direito", explicou.

De acordo com Bellizze, para ser possível ação rescisória fundada na alegação de ofensa à literalidade de dispositivo legal, é preciso que a questão tenha sido objeto de decisão na ação rescindenda, com a incorreta aplicação de determinado dispositivo da lei ou a falta de aplicação de preceito legal.

Preclusão máxima

O ministro destacou ainda que a superveniência da sentença transitada em julgado resulta na preclusão máxima, mediante a formação da coisa julgada, considerando-se deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas que a parte poderia opor ao acolhimento ou à rejeição do pedido, conforme preceitua o artigo 508 do CPC/2015 (similar ao artigo 474 do CPC/1973).

Ao negar provimento ao recurso, Bellizze observou que, na hipótese dos autos, a questão relacionada à prescrição não foi tratada de ofício pelo juiz e nem suscitada pela parte que se beneficiaria com o seu reconhecimento, não havendo nenhuma deliberação sobre a matéria na ação rescindenda.

"De todo inconcebível, assim, o manejo de ação rescisória, sob a tese de violação literal de lei, se a questão – a qual o preceito legal apontado na ação rescisória deveria supostamente regular – não foi objeto de nenhuma deliberação na ação originária", concluiu.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.749.812 - PR (2018/0152682-6)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : ANUAR ABDUL TARABAI
ADVOGADOS : TIAGO COSTA ALFREDO - PR054494
GUILHERME PERUSSOLO - PR055227
EDUARDO LUIZ CUNICO - PR054587
RECORRIDO : CONDOMÍNIO RESIDENCIAL VILLA MIRAFIORI
ADVOGADA : VANESSA DAS NEVES PICOUTO - PR034728
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA, COM BASE EM VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI,
CONTRA SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO EM AÇÃO DE COBRANÇA DE DÉBITOS
CONDOMINIAIS. TESE DE QUE O § 5º DO ART. 219 DO CPC/1973 IMPUNHA AO JUIZ O
RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA PRESCRIÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. PRESCRIÇÃO É
MATÉRIA CIRCUNSCRITA AO DIREITO MATERIAL DAS PARTES, RESTRITA À ESFERA DE
SUA DISPONIBILIDADE. RECONHECIMENTO. EXCEÇÃO SUBSTANCIAL NÃO SUSCITADA
PELA PARTE BENEFICIÁRIA. RENÚNCIA AO DIREITO DE DEFESA. PRECLUSÃO E COISA
JULGADA. VERIFICAÇÃO. MANEJO DE AÇÃO RESCISÓRIA, FUNDADA EM VIOLAÇÃO
LITERAL DE LEI, SEM QUE A QUESTÃO AFETA À PRESCRIÇÃO TENHA SIDO OBJETO DE
DELIBERAÇÃO NA AÇÃO ORIGINÁRIA. DESCABIMENTO. RECURSO ESPECIAL
IMPROVIDO.
1. A controvérsia posta no presente recurso especial centra-se em definir se é cabível o
ajuizamento de ação rescisória, fundada na alegação de violação literal de lei — especificamente dos arts. 206, § 5º, I do CC e 219, § 5º, do CPC/1973, que cuidam,
respectivamente, da prescrição quinquenal da pretensão de cobrança de dívidas líquidas e
da possibilidade de reconhecimento, de ofício, pelo juiz da prescrição —, a despeito de a
sentença rescidenda não ter esposado nenhum juízo de valor sobre a questão afeta à
prescrição, sendo incontroverso que a parte que aproveitaria de seu reconhecimento (o ora
insurgente) em momento algum dela cogitou.
2. A prescrição, compreendida como a perda da pretensão de exigir de alguém a realização
de uma prestação, em virtude da fluência de prazo fixado em lei, tangencia, diretamente,
como se pode perceber de sua definição, interesses adstritos exclusivamente às partes
envolvidas. Isso porque a prescrição, refere-se a direitos subjetivos patrimoniais e relativos,
na medida em que a correlata ação condenatória tem por finalidade obter, por meio da
realização de uma prestação do demandado, a reparação dos prejuízos suportados em razão
da violação do direito do autor. Não é por outra razão, aliás, que a prescrição, desde que
consumada, comporta, à parte que a favoreça, sua renúncia, expressa ou tácita (ao contrário
do que se dá com a decadência, que, diretamente, guarda em si, um interesse público).
2.1 Evidenciada a adstrição da prescrição aos interesses das partes e considerada a
natureza dos direitos a que se refere, a possibilidade de o juiz dela conhecer, de ofício, tal
como dispõe a lei adjetiva civil (de 1973, assim como a atual), refoge, em princípio, da lógica,
e somente se justifica em nome da celeridade, efetividade e economia processual.
3. O fato de o magistrado não reconhecer, de ofício, a prescrição — incumbência que
competia, necessariamente, à parte a que beneficiaria, caso quisesse valer-se da exceção
substancial —, não redunda na ofensa à literalidade do § 5º do art. 219 do CPC/1973, a
subsidiar ação rescisória, com fulcro no art. 485, V, CPC/1973 (art. 966, V, CPC/2015), pois
a norma processual não encerra ao juiz o dever de deliberar sobre a matéria de livre
disposição das partes litigantes.
4. Se ao magistrado não se impõe o dever de se manifestar sobre a prescrição, embora seja

a ele possível, sob o signo da celeridade processual, à parte que se beneficiaria com a sua
declaração, ao contrário, caso seja sua intenção valer-se da exceção substancial em
comento, não é dado furtar-se de suscitá-la no processo, sob pena de sua inércia configurar
verdadeira renúncia a esse direito (de defesa à pretensão).
4.1 Com a superveniência da sentença transitada em julgado, opera-se, por conseguinte, a
preclusão máxima, mediante a conformação da coisa julgada, reputando-se "deduzidas e
repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento
como à rejeição do pedido" (art. 474 do CPC/1973; art. 508 do CPC/2015, com redação
similar).
5. A violação literal de lei, como fundamento da ação rescisória, pressupõe que o órgão
julgador delibere sobre a questão posta, conferindo indevida aplicação a determinado
dispositivo legal ou deixando de aplicar preceito legal que, supostamente, segundo a
compreensão do autor da rescisória, melhor resolva a matéria. Em uma ou outra situação, é
indispensável que a questão aduzida na ação rescisória tenha sido objeto de deliberação na
ação rescindenda, o que não se confunde com exigência de prequestionamento do
dispositivo legal apontado.
5.1. No particular, a questão relacionada à prescrição, embora fosse possível, não foi
tratada, de ofício, pelo juiz, tampouco foi suscitada, como seria de rigor, pela parte a que
beneficiaria com o seu reconhecimento, caso fosse de seu interesse, não havendo, assim,
nenhuma deliberação sobre a matéria no bojo da ação rescidenda. De todo inconcebível,
assim, o manejo de ação rescisória, sob a tese de violação literal de lei, se a questão — a
qual o preceito legal apontado na ação rescisória deveria supostamente regular — não foi
objeto de nenhuma deliberação na ação originária.
6. Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso
Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 17 de setembro de 2019 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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