Inclusão de crédito de aval em recuperação depende de análise sobre prestação gratuita ou não da garantia

Inclusão de crédito de aval em recuperação depende de análise sobre prestação gratuita ou não da garantia

A submissão de créditos oriundos de aval ao processo de recuperação judicial de sociedade empresária depende da verificação da característica da garantia prestada: se realizada a título gratuito, é possível a aplicação do artigo 5º da Lei 11.101/2005 para afastar o crédito do processo; se prestada a título oneroso, o crédito está sujeito à inclusão na recuperação, conforme artigo 49 da Lei de Falência e Recuperação de Empresas.

O entendimento foi estabelecido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao determinar a remessa dos autos ao primeiro grau para que, no âmbito da ação de recuperação, o juiz analise o tipo de garantia cambiária que foi prestada pela sociedade empresária. O credor do título é o Banco do Brasil.

O aval representa garantia prestada em favor de devedor de título de crédito, caracterizada pelo fato de o avalista responder pelo cumprimento da obrigação da mesma maneira que o devedor principal.

No curso de ação de recuperação judicial de um grupo de sociedades empresárias, o juiz acolheu a impugnação apresentada pelo Banco do Brasil para determinar a exclusão de crédito no valor aproximado de R$ 12 milhões.

Devedor solidário

A decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que determinou a submissão dos créditos relativos à obrigação avalizada ao processo de recuperação. Para o tribunal, seria viável a habilitação de crédito decorrente de aval, pois o avalista garante o pagamento como devedor solidário, podendo, inclusive, ser acionado individualmente, sem que seja necessário observar a ordem pela qual se obrigaram em razão da solidariedade cambiária.

Por meio de recurso especial, o Banco do Brasil alegou que os créditos discutidos na ação não deveriam se sujeitar à recuperação, tendo em vista que as sociedades recuperandas ocupam a posição de avalistas da cédula de crédito bancário emitida por terceiros.

Segundo o BB, como na data do pedido de recuperação os avalistas ainda não tinham crédito algum, mas sim mera expectativa de direito de regresso, o pedido ainda não se enquadrava nas hipóteses do artigo 49 da Lei 11.101/2005, além de desrespeitar o artigo 899 do Código Civil.

Oneroso ou gratuito

A ministra Nancy Andrighi lembrou que o avalista responde solidariamente pela dívida perante o credor, não lhe sendo cabível invocar exceções de ordem pessoal.

Ela também destacou que o artigo 49 da Lei 11.101/2005 estipula que todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial ficam sujeitos a seus efeitos, excetuados os descritos nos parágrafos 3º e 4º do mesmo artigo, entre os quais não se inclui o aval.

"Assim, dada a autonomia da garantia prestada pela recuperanda e a permissão legal para inclusão no plano dos créditos ainda não vencidos, não haveria motivos para a exclusão pleiteada pelo recorrente", apontou a ministra.

Entretanto, a relatora ponderou se a disposição do artigo 5º, parágrafo I, da Lei de Falência e Recuperação – que afasta expressamente da recuperação a exigibilidade das obrigações a título gratuito – teria aplicabilidade na hipótese dos autos.

Classificação

Segundo a ministra, é comum que as relações negociais travadas no meio empresarial envolvam a prestação de garantias em contrapartida a algum ato praticado (ou que será praticado) pelo avalizado ou por terceiros.

"Nessas hipóteses, portanto – em que a declaração cambiária em questão assume contornos de natureza onerosa –, a norma do precitado artigo 5º, I, da LFRE não tem aplicabilidade, devendo o crédito correspondente, por imperativo lógico, sujeitar-se aos efeitos da recuperação judicial", disse a relatora.

Nesse sentido, tendo em vista que os julgadores não examinaram as circunstâncias que motivaram a concessão do aval pela sociedade empresária, Nancy Andrighi entendeu que os autos deveriam retornar ao juízo de primeira instância para se verificar se a obrigação pode ou não ser classificada como ato de mera liberalidade.

"Tal providência, em que pese retardar a marcha processual, afigura-se imperativa em razão do enunciado da Súmula 7/STJ, que inviabiliza o exame de fatos e provas em recurso especial, e do texto normativo do artigo 10 do Código de Processo Civil de 2015, segundo o qual 'o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício'", concluiu a ministra.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.829.790 - RS (2018/0281921-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL SA
ADVOGADO : ALISSON DOS SANTOS CAPPELLARI E OUTRO(S) - RS046946
RECORRENTE : SOUTO, CORREA, CESA, LUMMERTZ & AMARAL ADVOGADOS
ADVOGADOS : GILBERTO DEON CORRÊA JUNIOR - RS021436
DIOGO SQUEFF FRIES - RS069876
ERIKA DONIN DUTRA - RS096845
NATÁLIA OLIVEIRA MARIANI E OUTRO(S) - RS108951
RECORRIDO : OS MESMOS
RECORRIDO : ESESA PARTICIPACOES SOCIETARIAS S.A. - EM RECUPERACAO JUDICIAL
ADVOGADO : GILBERTO DEON CORRÊA JUNIOR E OUTRO(S) - RS021436
RECORRIDO : ELO ELETRONICA AMAZONIA LTDA
RECORRIDO : ELO SISTEMAS ELETRÔNICOS S.A
RECORRIDO : TISZ PARTICIPACOES SA - EM RECUPERACAO JUDICIAL
ADVOGADOS : GILBERTO DEON CORRÊA JUNIOR - RS021436
ERIKA DONIN DUTRA - RS096845
NATÁLIA OLIVEIRA MARIANI - RS108951
EMENTA
RECURSOS ESPECIAIS. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. AVAL
PRESTADO PELA SOCIEDADE RECUPERANDA EM MOMENTO ANTERIOR AO PEDIDO
DE SOERGUIMENTO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO
OCORRÊNCIA. AVAL. OBRIGAÇÃO AUTÔNOMA. SUJEIÇÃO AOS EFEITOS DA
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITOS EXISTENTES NA DATA DO PEDIDO, AINDA QUE
NÃO VENCIDOS. OBRIGAÇÕES A TÍTULO GRATUITO. EXCEÇÃO. VERIFICAÇÃO DA
ONEROSIDADE/GRATUIDADE. IMPRESCINDIBILIDADE. RETORNO DOS AUTOS AO
JUÍZO DE ORIGEM.
1. Impugnação de crédito apresentada em 29/1/2016. Recursos especiais
interpostos em 23/5/2018. Autos conclusos à Relatora em 27/11/2018.
2. O propósito recursal é definir se os créditos derivados de garantia cambiária (aval)
prestada por sociedade empresária que veio a ingressar com pedido de recuperação
judicial sujeita-se ou não aos efeitos do processo de soerguimento.
3. Ausente omissão, contradição, obscuridade ou erro material no acórdão
recorrido, inviável o acolhimento da alegação de violação ao art. 1.022 do CPC/15.
4. O art. 49, caput, da Lei 11.101/05 estipula que todos os créditos existentes na
data do pedido de recuperação judicial ficam sujeitos a seus efeitos (ainda que não
vencidos), excetuados aqueles listados nos §§ 3º e 4º do mesmo dispositivo, dentre
os quais não se incluiu o aval prestado pela recuperanda.
5. Assim, dada a autonomia dessa espécie de garantia e a permissão legal para
inclusão no plano dos créditos ainda não vencidos, não haveria motivos para a
exclusão pleiteada pelo recorrente.
6. Há que se ponderar, todavia, acerca da disposição constante no art. 5º, I, da Lei
11.101/05, que afasta expressamente da recuperação judicial a exigibilidade das
obrigações a título gratuito.
7. Tratando-se, como no particular, de aval prestado por sociedade empresária,
não se pode presumir que a garantia cambiária tenha sido concedida como ato de
mera liberalidade, devendo-se apurar as circunstâncias que ensejaram sua concessão.
8. De fato, é bastante comum que as relações negociais travadas no âmbito
empresarial envolvam a prestação de garantias em contrapartida a algum outro ato
praticado (ou a ser praticado) pelo avalizado ou por terceiros interessados.
9. Conforme anota respeitável doutrina, ainda que não exista contraprestação
direta pelo aval, há situações em que a garantia foi prestada com o objetivo de
auferir algum ganho, mesmo que intangível, como ocorre na hipótese de aval
prestado em benefício de sociedades do mesmo grupo econômico ou para viabilizar
operações junto a parceiros comerciais, hipóteses nas quais não se pode considerar
tal obrigação como a título gratuito.
10. Desse modo – considerando a impossibilidade de se examinar fatos e provas em
sede de recurso especial e tendo em vista que partes não tiveram a oportunidade
de se manifestar acerca do fundamento sobre o qual se assenta o presente
entendimento –, devem os autos retornar ao juízo a quo para que, após
oportunizar às partes que comprovem o que for de seu interesse, verifique se o aval
pode ou não ser classificado como ato de mera liberalidade e prossiga no
julgamento da impugnação apresentada pelo recorrente.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso
especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso
Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram
com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 19 de novembro de 2019(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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