Inércia do locador dispensa loja de pagar reajustes retroativos, mas não a isenta de obrigações futuras

Inércia do locador dispensa loja de pagar reajustes retroativos, mas não a isenta de obrigações futuras

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a rede de lojas de departamentos Havan não terá de pagar retroativamente os valores correspondentes aos cinco últimos reajustes anuais previstos no contrato de locação de sua loja no Catuaí Shopping Maringá, na cidade de Maringá (PR) – valores que não foram cobrados no momento correto. A turma entendeu, porém, que a omissão da locadora quanto ao reajuste nos cinco anos anteriores não a impede de cobrá-lo ao longo do tempo restante do contrato.

A decisão teve origem em ação declaratória de inexistência de débito proposta pela Havan contra a empresa responsável pela gestão e locação dos espaços comerciais do shopping. Segundo a loja de departamentos, ela e a empresa imobiliária firmaram contrato com prazo de 20 anos, tendo sido ajustado o aluguel mínimo de R$ 53.337,90 ou 2% do faturamento da loja, prevalecendo o que fosse maior.

A Havan relatou que sempre quitou os aluguéis em dia, mas foi surpreendida por notificação extrajudicial com a cobrança de R$ 361.987,60, relativos a reajustes contratuais automáticos de 5% ao ano – os quais nunca teriam sido cobrados –, além da respectiva correção monetária e de um reajuste do aluguel mínimo para R$ 80.960,69.

Supressio

Na ação, a loja de departamentos sustentou que a inércia da locadora em aplicar os reajustes contratuais anuais leva à aplicação do instituto da supressio, tanto em relação aos retroativos quanto em relação aos valores posteriores à notificação extrajudicial.

A supressio inibe um direito em razão do seu não exercício pelo credor no curso da relação contratual, criando no devedor a crença de que não será mais exercitado.

Em sua defesa, a locadora alegou que não é razoável pressupor que a Havan, empresa de grande vulto e experiente no ramo dos negócios, entendesse que a falta de cobrança dos reajustes anuais representaria renúncia a tais valores pela outra parte do contrato.

O magistrado de primeiro grau julgou procedentes os pedidos da Havan para declarar a inexistência de dívida relacionada aos retroativos dos reajustes não cobrados e a inexigibilidade do reajuste anual nos aluguéis dos 15 anos restantes do contrato.

No julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) acolheu o pedido da locadora para manter o reajuste a partir da notificação enviada à Havan, porém confirmou o veto à cobrança retroativa.

Princípio da boa-fé

O relator do caso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que, para a configuração da supressio, é necessário haver a inércia do titular do direito, além do transcurso de um tempo capaz de gerar a expectativa de que esse direito não mais será exercido. Também é preciso que esteja caracterizada a deslealdade decorrente do exercício posterior do direito, com reflexos no equilíbrio da relação contratual.

O magistrado ressaltou que, de acordo com o TJPR, o locador não gerou no locatário a expectativa de que não haveria a atualização do valor do aluguel durante todo o período de 20 anos do contrato, mas tão somente deixou de cobrar os reajustes ao longo dos cinco anos iniciais, o que sugeriria que apenas o valor correspondente a esse período não seria mais cobrado.

"Não é razoável supor que o locatário tivesse criado a expectativa de que o locador não fosse mais reclamar o aumento dos aluguéis. Assim, o decurso do tempo não foi capaz de gerar a confiança de que o direito não seria mais exercitado em momento algum do contrato de locação", afirmou Villas Bôas Cueva.

O ministro também salientou que violaria o princípio da boa-fé objetiva, a ser observado quando da aplicação da supressio, obrigar a empresa imobiliária a deixar de cobrar o reajuste nos 15 anos ainda restantes para o término do contrato com a loja.

"Impedir o locador de reajustar os aluguéis pode provocar manifesto desequilíbrio no vínculo contratual, dado o congelamento do valor pelo tempo restante da relação locatícia. Em vista disso, a aplicação da boa-fé objetiva não pode chancelar desajustes no contrato a ponto de obstar o aumento do valor do aluguel pelo tempo de 20 anos", disse o relator.

"A solução que mais se coaduna com a boa-fé objetiva é permitir a atualização do valor do aluguel a partir da notificação extrajudicial encaminhada ao locatário e afastar a cobrança de valores pretéritos", concluiu.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.803.278 - PR (2019/0071035-1)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : HAVAN LOJAS DE DEPARTAMENTOS LTDA
ADVOGADOS : MURILO VARASQUIM E OUTRO(S) - PR041918
VICTOR SANGIULIANO SANTOS LEAL - PR069684
GUILHERME RODRIGUES - PR088285
MONIQUE CRISTHIE DE MOURA - PR091938
RECORRENTE : ALVEAR PARTICIPAÇÕES S/A
ADVOGADOS : PATRICIA DE BARROS CORREIA CASILLO - PR022765
CRISTIAN LUIZ MORAES - PR025855
BIANCA FERRARI FANTINATTI - PR066455
CASILLO ADVOGADOS - SOCIEDADE DE ADVOGADOS - PR000791
RECORRIDO : OS MESMOS
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO COMERCIAL. ALUGUÉIS. REAJUSTE.
CLÁUSULA CONTRATUAL. PREVISÃO. CINCO ANOS. COBRANÇA.
INEXISTÊNCIA. VALORES RETROATIVOS. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ
OBJETIVA. SUPRESSIO. 1. Recursos especiais interpostos contra acórdão publicado na vigência do
Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a definir se, não tendo exercido o direito de reajustar
os aluguéis durante o período de 5 (cinco) anos, com base em cláusula contratual
expressa, pode o locador exigir o pagamento de tais valores, inclusive de
retroativos, após realizada a notificação do locatário.
3. A supressio decorre do não exercício de determinado direito, por seu titular, no
curso da relação contratual, gerando para a outra parte, em virtude do princípio
da boa-fé objetiva, a legítima expectativa de que não mais se mostrava sujeito ao
cumprimento da obrigação.
4. Hipótese em que o acórdão recorrido concluiu que o locador não gerou a
expectativa no locatário de que não mais haveria a atualização do valor do
aluguel durante todo o período contratual (vinte anos), mas que apenas não seria
exigida eventual diferença no valor já pago nos 5 (cinco) anos anteriores à
notificação extrajudicial.
5. Destoa da realidade fática supor que, no caso, o locatário tivesse criado a
expectativa de que o locador não fosse mais reclamar o aumento dos aluguéis e,
por esse motivo, o decurso do tempo não foi capaz de gerar a confiança de que o
direito não seria mais exercitado em momento algum do contrato de locação.
6. Viola a boa-fé objetiva impedir que o locador reajuste os aluguéis por todo o
período da relação contratual.
7. No caso, a solução que mais se coaduna com a boa-fé objetiva é permitir a
atualização do valor do aluguel a partir da notificação extrajudicial encaminhada
ao locatário e afastar a cobrança de valores pretéritos.
8. Recursos especiais não providos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a
Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial de ALVEAR
PARTICIPAÇÕES S/A e, por maioria, negar provimento ao recurso especial de HAVAN LOJAS
DE DEPARTAMENTOS LTDA, que manteve a multa, com majoração dos honorários
advocatícios, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Vencido o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze, apenas quanto à multa.
Participaram do julgamento os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco
Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino.
Brasília (DF), 22 de outubro de 2019(Data do Julgamento)
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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