Encargos derivados de adiantamento de contratos de câmbio se submetem à recuperação judicial

Encargos derivados de adiantamento de contratos de câmbio se submetem à recuperação judicial

Apesar de não haver determinação legal específica sobre a submissão dos encargos originados de adiantamento de contratos de câmbio ao processo de recuperação judicial, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento de que esses valores acessórios devem ser integrados aos créditos sujeitos à recuperação – diferentemente do montante principal dos contratos de câmbio, que não faz parte do conjunto da recuperação por expressa previsão das Leis 11.101/2005 e 4.278/1965.

Por entender ser esta a medida mais compatível com os princípios da Lei de Falência e Recuperação de Empresas – LFRE (Lei 11.101/2005), o colegiado, por maioria de votos, negou recurso do Banco do Brasil que defendia a tese de que os encargos referentes a adiantamento dos contratos de câmbio deveriam ser excluídos dos efeitos da recuperação, pois, como se trata de obrigação acessória, teriam de seguir o destino da obrigação principal.

Na ação que deu origem ao recurso, o banco manifestou contrariedade quanto à sujeição de créditos de sua titularidade, relativos a encargos incidentes sobre adiantamento de contratos de câmbio (juros, taxas e variação cambial), aos efeitos da recuperação de uma sociedade empresarial.

Entretanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que os valores deveriam permanecer submetidos às deliberações da assembleia geral de credores, pois as normas fixadas no artigo 49 da Lei 11.101/2005 e no artigo 75 da Lei 4.278/1965 autorizam apenas a exclusão do montante principal adiantado pela instituição financeira à empresa em recuperação.

Efetividade

Relatora do recurso especial do banco, a ministra Nancy Andrighi apontou que, de fato, a LFRE estabelece textualmente que a importância entregue ao devedor, derivada de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, não se sujeita aos efeitos da recuperação.

Segundo a ministra, não há, todavia, disposição legal específica em relação à destinação que deva ser conferida aos encargos eventualmente incidentes sobre o montante adiantado pelo exportador pela instituição financeira.

"E, inexistindo regra expressa a tratar da questão na lei de regência, a hermenêutica aconselha ao julgador que resolva a controvérsia de modo a garantir efetividade aos valores que o legislador privilegiou ao editar o diploma normativo", afirmou a relatora.

Superação da crise

Nancy Andrighi lembrou que o objetivo primordial da recuperação judicial, previsto no artigo 47 da Lei 11.101/2005, é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores.

Por isso, a relatora entendeu que a sujeição dos encargos aos efeitos do procedimento de recuperação é a medida que mais se adequa à finalidade da legislação, pois permite que a empresa e seus credores, ao negociarem as condições de pagamento, encontrem a melhor saída para a crise financeira.

No voto acompanhado pela maioria do colegiado, Nancy Andrighi também defendeu que não há possibilidade de que juízos diferentes – aquele competente para eventual execução do montante principal e o juízo responsável pela recuperação – venham a decidir de modo conflitante sobre a mesma relação jurídica.

"Isso porque, segundo entendimento pacificado nesta corte, tanto os valores que eventualmente devam ser restituídos ao credor (importância principal) quanto aqueles sujeitos aos efeitos da recuperação (encargos correlatos) irão permanecer sob a supervisão do juízo responsável pela condução do processo de soerguimento", concluiu a ministra ao manter a decisão do TJSP.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.810.447 - SP (2019/0022563-7)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL SA
ADVOGADOS : NANCI APARECIDA RAGAINI - SP157928
CARLOS ALBERTO BONORA JUNIOR - SP230926
THATIANA HELENA DE OLIVEIRA PONGITORI CAMPOS E OUTRO(S) - SP216694
RECORRIDO : SIFCO S/A - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
ADVOGADOS : MARCOS MARTINS DA COSTA SANTOS - SP072080
FERNANDO FIOREZZI DE LUIZI E OUTRO(S) - SP220548
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO.
NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA.
ADIANTAMENTO DE CONTRATOS DE CÂMBIO (ACCs). ENCARGOS. SUJEIÇÃO
AO PROCESSO DE SOERGUIMENTO. AUSÊNCIA DE REGRA ESPECÍFICA.
PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. RISCO DE DECISÕES
CONFLITANTES. INEXISTÊNCIA.
1. Impugnação de crédito apresentada em 16/10/2014. Recurso especial
interposto em 21/6/2018. Autos conclusos à Relatora em 21/2/2019.
2. O propósito recursal, além de verificar se houve negativa de prestação
jurisdicional, é definir se os encargos derivados de adiantamento de
contratos de câmbio se submetem aos efeitos da recuperação judicial da
devedora.
3. Muito embora os arts. 49, § 4º, e 86, II, da Lei 11.101/05 estabeleçam a
extraconcursalidade dos créditos referentes a adiantamento de contratos de
câmbio, há de se notar que tais normas não dispõem, especificamente,
quanto à destinação que deva ser conferida aos encargos incidentes sobre o
montante adiantado ao exportador pela instituição financeira.
4. Inexistindo regra expressa a tratar da questão, a hermenêutica aconselha
ao julgador que resolva a controvérsia de modo a garantir efetividade aos
valores que o legislador privilegiou ao editar o diploma normativo.
5. Como é cediço, o objetivo primordial da recuperação judicial, estampado
no art. 47 da Lei 11.101/05, é viabilizar a superação da situação de crise
econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte
produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores.
6. A sujeição dos valores impugnados aos efeitos do procedimento
recuperacional é a medida que mais se coaduna à finalidade retro
mencionada, pois permite que a empresa e seus credores, ao negociar as
condições de pagamento, alcancem a melhor saída para a crise enfrentada.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr.
Ministro Marco Aurélio Bellizze, divergindo do voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, por
maioria, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos
termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Vencidos os Srs. Ministros Marco Aurélio
Bellizze e Moura Ribeiro. Votaram com a Sra. Ministra Relatora os Srs. Ministros Paulo de
Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva.
Brasília (DF), 05 de novembro de 2019(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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