Certidão negativa não pode ser exigida de empresa que teve recuperação deferida antes da Lei 13.043

Certidão negativa não pode ser exigida de empresa que teve recuperação deferida antes da Lei 13.043

Com base na impossibilidade de retroação dos efeitos da Lei 13.043/2014, que regulamentou o parcelamento tributário para empresas em recuperação judicial, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu não ser cabível exigir a certidão negativa de débitos fiscais de uma empresa cuja recuperação foi deferida em 2006.

No recurso analisado pela turma, a Fazenda Nacional questionava a falta de comprovação de regularidade fiscal da empresa – discussão que surgiu apenas quando uma nova assembleia de credores, em 2016 (após o encerramento do processo de recuperação), aprovou a venda de um parque fabril para quitar créditos ainda em aberto.

"Tal providência, dado o avançado estágio de desenvolvimento do processo de soerguimento da recorrida, representaria violação à segurança jurídica e ao mais basilar dos princípios estampados na própria Lei 11.101/2005 – preservação da empresa –, que objetiva viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores", afirmou a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi.

Em decisão interlocutória, o juiz homologou proposta de alienação do parque fabril independentemente da apresentação de certidões de regularidade fiscal. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), o qual entendeu que a exigência de apresentação de certidões negativas não pode ser obstáculo ao deferimento da recuperação de uma empresa, mesmo após a regulamentação do parcelamento de débitos fiscais pela Lei 13.043/2014.

Inércia legislativa

Por meio de recurso especial, a Fazenda Nacional e o Ministério Público do Rio Grande do Sul sustentaram que a apresentação das certidões seria condição imprescindível para a concessão da recuperação judicial. Segundo as recorrentes, não existe mais o vácuo legislativo relativo ao parcelamento especial para empresários em processo de recuperação, em razão da publicação da Lei 13.043/2014.

A ministra Nancy Andrighi apontou que, efetivamente, a Lei 11.101/2005 (Lei de Falência e Recuperação de Empresas – LFRE) dispõe, em seu artigo 57, que, após a aprovação do plano pela assembleia geral de credores, incumbe ao devedor apresentar em juízo certidões comprobatórias de sua regularidade fiscal. Trata-se, segundo a ministra, de exigência imprescindível, nos termos do artigo 58 da mesma lei.

Entretanto, a relatora lembrou que, em razão das disposições constantes no artigo 68 da LFRE e no artigo 155-A do Código Tributário Nacional – as quais garantem ao empresário em recuperação a possibilidade de parcelar seus débitos fiscais em condições especiais –, a Corte Especial do STJ passou a entender que a inércia do legislador em editar lei específica sobre o parcelamento impossibilitaria o contribuinte de cumprir a regra do artigo 57 da Lei 11.101/2005, não podendo o empresário sofrer prejuízos pela demora do Legislativo.

Parcelamento especial

Em 2014, foi publicada a Lei 13.043/2014, incluindo o artigo 10-A na Lei 10.522/2002, dispositivo que prevê modalidade especial de parcelamento de débitos tributários para a sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação. A lei foi regulamentada pela Portaria Conjunta PGFN/RFB 1/2015, conciliando, segundo Nancy Andrighi, os interesses dos credores privados do devedor e os do fisco.

"Como a obtenção do parcelamento conduz à suspensão da exigibilidade do crédito tributário, e esta permite a expedição de certidões positivas com efeitos de negativas, achava-se pavimentado o caminho que possibilita o cumprimento, pela recuperanda, da exigência da norma do artigo 57 da LFRE (comprovação da regularidade fiscal)", afirmou a ministra.

Além disso, Nancy Andrighi lembrou que, de acordo com o fixado nos artigos 57 e 58 da Lei 11.101/2005, bem como no artigo 191-A do CTN, a comprovação da regularidade fiscal da recuperanda deve ocorrer em momento anterior à concessão da recuperação judicial.

Ela ressaltou, porém, que o processo de soerguimento da empresa já estava encerrado em 2008, e a insurgência da Fazenda Nacional quanto à comprovação da necessidade da regularidade fiscal só foi manifestada após o pedido de homologação da decisão de vender o parque fabril, tomada em assembleia de 2016, durante a execução do plano.

"Como, à época da concessão do benefício legal, não havia lei específica a disciplinar o parcelamento especial do crédito tributário do devedor em processo de recuperação, tem plena aplicabilidade à espécie o entendimento assentado por esta corte no sentido de que a comprovação da regularidade fiscal da recuperanda não era providência que dela se podia exigir", concluiu a ministra ao manter a decisão do TJRS.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.719.894 - RS (2017/0322633-1)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
RECORRIDO : RECRUSUL S/A - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
ADVOGADOS : LAURENCE BICA MEDEIROS - ADMINISTRADOR JUDICIAL - RS056691
FELLIPE BERNARDES DA SILVA E OUTRO(S) - RS089218
EMENTA
RECURSOS ESPECIAIS. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CERTIDÕES NEGATIVAS DE
DÉBITOS TRIBUTÁRIOS. RECUPERAÇÃO CONCEDIDA HÁ MAIS DE 10 ANOS.
MOMENTO DE COMPROVAÇÃO DA REGULARIDADE FISCAL JÁ
ULTRAPASSADO. INEXISTÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA, À ÉPOCA DA CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO, DISPONDO SOBRE O PARCELAMENTO DA DÍVIDA
TRIBUTÁRIA. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL.
1. Ação ajuizada em 25/1/2006. Recursos especiais interpostos em
17/2/2017 e 21/6/2017. Autos conclusos ao Gabinete da Relatora em
31/1/2018.
2. O propósito recursal é definir se a comprovação da regularidade fiscal da
sociedade empresária que ingressou com pedido de recuperação judicial é
requisito imprescindível para concessão do benefício.
3. De acordo com o que dispõem expressamente os arts. 57 e 58, caput, da
Lei 11.101/05, bem como o art. 191-A do CTN, a comprovação da
regularidade fiscal da recuperanda deve ocorrer em momento anterior à
concessão da recuperação judicial.
4. Apesar da existência dessa previsão legal acerca da necessidade de
apresentação de certidões negativas de débitos tributários para que seja
concedida a recuperação judicial do devedor, a Corte Especial do STJ tem
entendido que "o parcelamento tributário é direito da empresa em
recuperação judicial que conduz a situação de regularidade fiscal, de modo
que eventual descumprimento do que dispõe o art. 57 da LRF só pode ser
atribuído, ao menos imediatamente e por ora, à ausência de legislação
específica que discipline o parcelamento em sede de recuperação judicial,
não constituindo ônus do contribuinte, enquanto se fizer inerte o legislador,
a apresentação de certidões de regularidade fiscal para que lhe seja
concedida a recuperação" (REsp 1.187.404/MT, DJe de 21/8/2013).
5. Hipótese concreta em que, à época da concessão da recuperação judicial
da recorrida (2006), não havia sido editado o diploma legal que veio a
regulamentar o parcelamento da dívida tributária para sociedades em
processo de soerguimento (Lei 13.043/14), circunstância que, à luz da
jurisprudência do STJ, conduz à conclusão de que não é exigível do devedor a

apresentação das certidões negativas de débitos tributários.
6. A insurgência da Fazenda Nacional quanto à necessidade de comprovação
da regularidade fiscal da recorrida foi manifestada, tão somente, quando do
pedido de homologação da deliberação assemblear que, já no curso da
execução do plano, no ano de 2016, aprovou a venda de um parque fabril
para que pudessem ser satisfeitos os direitos, ainda pendentes, titularizados
pelos credores sujeitos ao processo recuperacional.
7. Não se pode fazer retroagir os efeitos da Lei 13.043/14 para, ainda que
por via indireta, invalidar a decisão concessiva do benefício recuperacional.
Tal providência, dado o avançado estágio de desenvolvimento do processo
de soerguimento da recorrida, representaria violação à segurança jurídica e
ao mais basilar dos princípios estampados na própria Lei 11.101/05 – preservação da empresa –, 

que objetiva viabilizar a superação da crise
econômico-financeira do devedor, permitindo a manutenção da fonte
produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores.
RECURSOS ESPECIAIS NÃO PROVIDOS.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento aos recursos
especiais, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso
Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram
com a Sra. Ministra Relatora. Dr. ROGÉRIO DE PAIVA NAVARRO, Subprocurador-Geral da
República (Custos Legis). Dr. JOÃO HENRIQUE CHAUFFAILLE GROGNET, pela parte
RECORRENTE: FAZENDA NACIONAL.
Brasília (DF), 19 de novembro de 2019(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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