Afastada aplicação da lei de representantes comerciais a contratos de representação de seguro

Afastada aplicação da lei de representantes comerciais a contratos de representação de seguro

Regulados por normas específicas, os contratos de representação para a venda de seguros não permitem a aplicação, ainda que por analogia, da Lei 4.866/1965, que regula as atividades dos representantes comerciais autônomos. Consequentemente, o artigo 39 da lei – que estabelece o foro de domicílio do representante comercial como competente para o julgamento de controvérsias entre as partes – não pode ser invocado para afastar cláusula de eleição de foro fixada no contrato de representação de seguro.

O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para estabelecer a competência de uma vara judicial de Brasília, conforme previsto em contrato de representação de seguro, para julgar ação de cobrança movida por uma seguradora contra um grupo varejista em razão da rescisão antecipada do contrato.

Na decisão unânime, o colegiado também considerou não haver hipossuficiência ou assimetria de capacidade econômica das partes que justificasse a mudança de foro estabelecida contratualmente.

Ao receber a ação em Brasília, o magistrado acolheu pedido de exceção de incompetência formulado pelo grupo varejista e encaminhou os autos para a cidade de Marabá (PA), seu domicílio, tendo em vista que a relação jurídica seria de representação comercial, o contrato seria de adesão e a parte ré seria hipossuficiente.

A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), que concluiu que a competência prevista no artigo 39 da Lei 4.886/1965 é relativa, podendo ser livremente alterada pelas partes, mesmo em contrato de adesão, desde que a mudança de foro não impeça o acesso à Justiça do representante comercial. Além disso, para o TJDFT, a hipossuficiência do representante no caso imporia a prevalência do foro de Marabá.

Aplicação incabível

O relator do recurso da seguradora no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, destacou que a relação negocial mantida entre as partes foi de representação de seguro, regida por atos normativos próprios, não se amoldando ao contrato de representação comercial regulado pela Lei 4.886/1965.

Segundo o ministro, a aplicação analógica da regra do artigo 39 da Lei 4.886/1965 também é incabível, pois somente poderia ser utilizada na hipótese de ausência de regra específica.

"Seja pelas diretrizes da Superintendência de Seguros Privados (Susep), que regulamentam o representante de seguro, seja pelo Código Civil, que regulamenta o contrato de agência de seguro, para qualquer uma das hipóteses há regulamentação específica, tornando indevida a aplicação por analogia do artigo 39 da Lei 4.886/1965 ao caso", afirmou o relator.

Competência relativa

De acordo com Sanseverino, ainda que se admitisse a incidência da Lei 4.886/1965, o STJ, interpretando a norma, definiu-a como hipótese de competência relativa, podendo ser afastada pela vontade das partes contratantes.

"Portanto, sendo relativa a competência, a vontade das partes manifestada no pacto litigioso possui força suficiente para alterá-la, bastando, assim, verificar os requisitos da hipossuficiência e do prejuízo para estar em juízo", disse o ministro.

No caso dos autos, Sanseverino ressaltou que as empresas representantes constituem um grupo econômico de porte, operando por uma rede com dezenas de lojas. Dessa forma, para o relator, não é crível que o grupo empresarial tenha dificuldade de compreender os termos do acordo ou que seu acesso à Justiça seja dificultado em razão da cláusula de eleição de foro em Brasília.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.761.045 - DF (2016/0214990-5)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : ASSURANT SEGURADORA S/A
ADVOGADOS : ANDRÉ LUIZ SOUZA DA SILVEIRA E OUTRO(S) - DF016379
ANDRE LUIZ DO RÊGO MONTEIRO TAVARES PEREIRA E
OUTRO(S) - RJ109367
LUIS FELIPE FREIRE LISBOA E OUTRO(S) - DF019445
ADVOGADOS : CAROLINA CARDOSO FRANCISCO MOUTINHO E
OUTRO(S) - RJ116999
RAFAELA FILGUEIRAS FUCCI - RJ147427
RECORRIDO : LEOLAR MOVEIS E ELETRODOMESTICOS LTDA
RECORRIDO : LEOROCHA MOVEIS E ELETRODOMESTICOS LTDA
RECORRIDO : ROCHA MAGAZINE LOJA DE DEPARTAMENTOS LTDA
RECORRIDO : BORGES INFORMATICA LTDA
ADVOGADO : JOSÉ HENRIQUE CABELLO - SP199411
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
COMPETÊNCIA. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. NATUREZA
DO CONTRATO. REPRESENTAÇÃO DE CONTRATO DE SEGURO.
OFERTA DE SEGURO PELO VAREJISTA AO CONSUMIDOR.
AUSÊNCIA DE HIPOSSUFICIÊNCIA. CLÁUSULA MANTIDA.
INAPLICABILIDADE DA LEI 4.886/65, DISCIPLINADORA DA
REPRESENTAÇÃO COMERCIAL, AO CONTRATO DE
REPRESENTAÇÃO DE SEGURO.
1. Controvérsia em torno da incidência da regra do art. 39 da Lei
4.886/65, que disciplina a representação comercial, aos
contratos de representação de seguro celebrados entre a
seguradora demandante e as empresas do grupo econômico
demandado.
2. O contrato de representação de seguro não se confunde com
a representação comercial, pois, enquanto o representante
comercial deve transmitir as propostas e obter aprovação do
representado, o representante de seguros atua sem vínculo de
dependência, realizando contratos de seguro em nome da
sociedade seguradora sem ter que lhe apresentar as propostas
recebidas.
3. Inaplicabilidade, mesmo por analogia, da regra do art. 39 da Lei
4.886/65, que disciplina a representação comercial, para afastar a
cláusula de eleição de foro estabelecida em contrato de representação
de seguro.
4. Contratos típicos distintos, com regulamentação própria

5. Hipossuficiência das empresas demandadas não reconhecida, sendo
que eventual assimetria na capacidade econômica entre as partes não é
causa suficiente para o afastamento da cláusula de eleição de foro.
6. Ausência de prejuízo efetivo na manutenção da competência do juízo
da Capital Federal para acompanhar o processamento da demanda.
7. Em tempos de processo digital, permitindo o acesso à integralidade
dos autos eletrônicos de qualquer parte do país, raras são as hipóteses
de efetivo prejuízo por dificuldade de acesso à Justiça.
8. Reforma do acórdão recorrido para manutenção da validade e
eficácia da cláusula de eleição de foro.
9. Precedente específico do STJ.
10. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente) e Nancy
Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Dr(a). GUILHERME VALDETARO MATHIAS, pela parte RECORRENTE:
ASSURANT SEGURADORA S/A
Brasília, 05 de novembro de 2019. (Data de Julgamento)
MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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