Não há proteção do bem de família quando ocorre violação da boa-fé

Não há proteção do bem de família quando ocorre violação da boa-fé

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que aplicou o entendimento segundo o qual a impenhorabilidade do bem de família pode ser afastada quando há violação do princípio da boa-fé objetiva.

O colegiado negou provimento ao recurso de um empresário que ofereceu seu imóvel como garantia na negociação de R$ 650 mil em dívidas e, depois, alegou que ele não poderia ser penhorado por constituir bem de família.

A credora, por sua vez, afirmou que o empresário teria violado o princípio da boa-fé ao invocar a proteção legal do imóvel só após a formalização da penhora e a realização de vários atos judiciais subsequentes visando à expropriação do bem.

Torpeza

Afastada a impenhorabilidade pelo TJPR, sob o fundamento de violação da boa-fé objetiva, o empresário recorreu ao STJ.

A relatora na Terceira Turma, ministra Nancy Andrighi, citou precedentes sobre a Lei 8.009/1990 nos quais ficou consignado que a regra de impenhorabilidade do bem de família deve ser examinada à luz do princípio da boa-fé objetiva – diretriz interpretativa para as normas do sistema jurídico pátrio que deve incidir em todas as relações.

"Não se pode olvidar da máxima de que a nenhum é dado beneficiar-se de sua própria torpeza, isto é, não pode o devedor ofertar bem em garantia que é sabidamente residência familiar para, posteriormente, vir a informar que tal garantia não encontra respaldo legal, pugnando pela sua exclusão", explicou a ministra ao justificar a manutenção do acórdão do TJPR.

Escritura ou testamento

A ministra ressaltou que existem dois tipos de bens de família: um, legal, disciplinado pela Lei 8.009/1990, que decorre da vontade do Estado de proteger a família, assegurando-lhe as mínimas condições de dignidade; outra, voluntária, que decorre da vontade de seu instituidor, visando a proteção do seu patrimônio.

Segundo Nancy Andrighi, diferentemente daquele previsto na lei, o bem de família voluntário somente pode ser instituído por intermédio de escritura pública ou testamento do próprio integrante da família ou de terceiro.

Analisando o recurso em julgamento, a relatora afirmou que não se pode admitir que o proprietário não tenha o direito de dispor livremente sobre o imóvel, já que não realizou nenhum ato para constituí-lo como bem de família. Dessa forma, no caso, concluiu pela possibilidade de oferecimento do bem de família como garantia de cumprimento do acordo celebrado com o exequente nos autos da ação de execução.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.782.227 - PR (2018/0095819-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : CESAR EDMAR THIESEN
ADVOGADO : DANIEL FERNANDES LUIZ - PR043468
RECORRIDO : N A FOMENTO MERCANTIL LTDA
ADVOGADO : RUBENS DE BIASI RIBEIRO - SP209381
INTERES. : JRJ COMERCIO IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA.
ADVOGADO : CHRISTIAN MARCEL SOARES DA SILVA - PR053468
EMENTA
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO
EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. BEM IMÓVEL RECONHECIDO COMO BEM DE
FAMÍLIA DADO EM GARANTIA DO CUMPRIMENTO DE ACORDO
HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. POSSIBILIDADE. CONDUTA QUE FERE A
ÉTICA E A BOA-FÉ.
1. Ação de execução de título executivo extrajudicial – nota promissória.
2. Ação ajuizada em 11/06/2010. Recurso especial concluso ao gabinete em
07/05/2018. Julgamento: CPC/2015.
3. O propósito recursal é dizer se é válido o oferecimento de bem de família
como garantia ao cumprimento de acordo pactuado e homologado
judicialmente nos autos de ação de execução por quantia certa.
4. A questão da proteção indiscriminada do bem de família ganha novas
luzes quando confrontada com condutas que vão de encontro à própria ética
e à boa-fé, que devem permear todas as relações negociais.
5. Não pode o devedor ofertar bem em garantia que é sabidamente
residência familiar para, posteriormente, vir a informar que tal garantia
não encontra respaldo legal, pugnando pela sua exclusão (vedação ao
comportamento contraditório).
6. Tem-se, assim, a ponderação da proteção irrestrita ao bem de família,
tendo em vista a necessidade de se vedar, também, as atitudes que
atentem contra a boa-fé e a eticidade, ínsitas às relações negociais.
7. Recurso especial conhecido e não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao
recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de
Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro
votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 27 de agosto de 2019(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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