É possível penhora de bem de família para pagar dívida de empreitada para construção parcial do imóvel
A dívida proveniente de contrato de empreitada para a construção – ainda que parcial – de imóvel residencial faz parte das exceções legais que permitem a penhora do bem de família.
Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que permitiu a penhora de terreno com casa em construção para o pagamento de duplicatas referentes à empreitada contratada para a obra.
Segundo o processo, uma empresa de pequeno porte ajuizou execução contra os proprietários do imóvel afirmando ser credora da quantia original de R$ 10.702, representada por três duplicatas vinculadas a contrato particular de construção por empreitada parcial de obra.
Único imóvel
Após a penhora do terreno, com obra de alvenaria inacabada, os executados alegaram a sua impenhorabilidade, por ser o único imóvel do casal e, apesar de a casa estar em construção, destinar-se à residência da família.
O juízo de primeiro grau considerou possível a penhora, afirmando que a dívida de financiamento de material e mão de obra destinados à construção de moradia, decorrente de contrato de empreitada, enquadra-se na hipótese do inciso II do artigo 3º da Lei 8.009/1990. O TJRS confirmou a decisão.
Ao apresentar recurso ao STJ, os executados alegaram ser inviável dar interpretação extensiva à norma legal, além de sustentarem que o crédito resultante da aquisição de material de construção e mão de obra (empreitada) não é privilegiado, motivo pelo qual deveria ser afastada a penhora sobre o único imóvel do casal, considerado bem de família.
Hipóteses taxativas
Segundo o relator, ministro Marco Buzzi, a Lei 8.009/1990 apresenta taxativamente as hipóteses autorizadoras da penhora do bem de família.
Ele explicou que o inciso II do artigo 3º ressalva ser possível a penhora quando há pedido do titular do crédito decorrente de financiamento, o que abarca operações de crédito destinadas à aquisição ou construção do imóvel residencial, podendo essas serem stricto sensu – decorrente de operação envolvendo uma financiadora – ou em sentido amplo – nas quais se incluem o contrato de compra e venda em prestações, o consórcio ou a empreitada com pagamento parcelado durante ou após a entrega da obra.
No caso analisado, de acordo com Buzzi, a dívida executada decorreu da inadimplência de valores relativos a contrato de empreitada para construção, ainda que parcial, de uma casa de alvenaria, com fornecimento de material e mão de obra.
Assim, segundo o ministro, não é possível dizer que está sendo feita uma interpretação extensiva das exceções descritas na lei, "vez que há subsunção da hipótese à exceção legal, considerando-se os limites e o conteúdo do instituto do financiamento, esse que, diferentemente do alegado pelos ora insurgentes, uma vez incontroversa a origem e a finalidade voltada para a edificação ou aquisição do bem, não fica adstrito a mútuos realizados por agente financeiro do Sistema Financeiro Habitacional", observou.
Operação de crédito
De acordo com o ministro, a situação é peculiar, pois o terreno sobre o qual foi ou seria construída a casa é de propriedade do contratante, que se comprometeu, mediante contrato específico de empreitada global, a saldar a dívida contraída para a construção de sua moradia com recursos próprios, mediante pagamento parcelado, tendo deixado de pagar a obrigação.
"O ponto nodal é que o executado realizou com a construtora uma operação de crédito concomitante ao ajuste atinente à edificação, e quedou-se inadimplente para com o pagamento da dívida contraída, essa vinculada especificamente à construção de sua própria moradia, a atrair, nesses termos, a exceção à regra da impenhorabilidade referida pelo inciso II do artigo 3º da Lei 8.009/1990, pois aqui a execução é movida pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à edificação do próprio prédio, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato", explicou.
Ao negar provimento ao recurso especial, o ministro ressaltou que, se o bem de família pode ser penhorado para garantir a quitação da dívida contraída para sua aquisição/construção, não há como afastar a conclusão segundo a qual a operação de crédito/financiamento viabilizou a construção do imóvel, motivo pelo qual também é inafastável a possibilidade de sua penhora.
"Entendimento em outro sentido premiaria o comportamento contraditório do devedor e ensejaria o seu inegável enriquecimento indevido, causando insuperável prejuízo/dano ao prestador que, mediante prévio e regular ajuste, bancou com seus aportes a obra ou aquisição, somente concretizada pelo tomador valendo-se de recursos do primeiro" – concluiu o relator.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.221.372 - RS (2010/0199295-7)
RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI
RECORRENTE : JORGE LUIZ WEBER E OUTRO
ADVOGADO : JAIRO LUIZ BRANDELERO MARQUES E OUTRO(S) - RS024252
RECORRIDO : MATTIAZZI CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA - EMPRESA DE PEQUENO PORTE
ADVOGADO : FERNANDA SERRER E OUTRO(S) - RS057508
EMENTA
RECURSO ESPECIAL - EXECUÇÃO DE DUPLICATAS
REFERENTES A EMPREITADA DE CONSTRUÇÃO PARCIAL
DA EDIFICAÇÃO - PENHORA DO PRÓPRIO IMÓVEL OBJETO
DO CONTRATO DE EMPREITA - INCIDENTE DE
IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA REJEITADO -
IRRESIGNAÇÃO DOS EXECUTADOS - RECURSO
DESPROVIDO.
Hipótese: Averiguar se o crédito oriundo de contrato de
empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel
residencial, encontra-se salvaguardado nas exceções legais de
impenhorabilidade do bem de família.
1. No caso, as instâncias ordinárias entenderam que a
obrigação/dívida oriunda de financiamento de material e
mão-de-obra destinados à construção de moradia, decorrente de
contrato de empreitada, enquadra-se na hipótese prevista pelo
inciso II do artigo 3º da Lei nº 8.009/90, não sendo oponível ao
credor a impenhorabilidade resguardada ao bem de família.
2. Para os efeitos estabelecidos no dispositivo legal (inciso II do
art. 3º da Lei nº 8.009/90), o financiamento referido pelo
legislador abarca operações de crédito destinadas à
aquisição ou construção do imóvel residencial, podendo
essas serem stricto sensu - decorrente de uma operação na
qual a financiadora, mediante mútuo/empréstimo, fornece
recursos para outra a fim de que essa possa executar
benfeitorias ou aquisições específicas, segundo o previamente
acordado - como aquelas em sentido amplo, nas quais se inclui
o contrato de compra e venda em prestações, o consórcio ou
a empreitada com pagamento parcelado durante ou após a
entrega da obra, pois todas essas modalidades viabilizam a
aquisição/construção do bem pelo tomador que não pode ou não
deseja pagar o preço à vista.
3. Não há falar esteja sendo realizada uma interpretação
extensiva das exceções legais descritas na norma, vez que há
subsunção da hipótese à exceção legal, considerando-se os
limites e o conteúdo do instituto do financiamento, esse que,
diferentemente do alegado pelos ora insurgentes, uma vez
incontroversa a origem e a finalidade voltada à edificação ou
aquisição do bem, não fica adstrito a mútuos realizados por
agente financeiro do SFH.
4. Entendimento em outro sentido premiaria o comportamento
contraditório do devedor e ensejaria o seu inegável
enriquecimento indevido, causando insuperável prejuízo/dano ao
prestador que, mediante prévio e regular ajuste, bancou com
seus aportes a obra ou aquisição somente concretizada pelo
tomador valendo-se de recursos do primeiro.
5. Recurso Especial desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Antonio Carlos Ferreira
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.
Brasília (DF), 15 de outubro de 2019 (Data do Julgamento)
MINISTRO MARCO BUZZI
Relator