Recebimento pessoal de notificação não é requisito para constituir devedor em mora

Recebimento pessoal de notificação não é requisito para constituir devedor em mora

Nos contratos de alienação fiduciária, a mora decorre do vencimento. Assim, para a constituição do devedor em mora e o ajuizamento da ação de busca e apreensão, basta que o credor comprove o envio de notificação por via postal ao endereço indicado no contrato, não sendo imprescindível o seu recebimento pessoal pelo devedor.

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que extinguiu ação de busca e apreensão de automóvel com alienação fiduciária porque a notificação extrajudicial de cobrança não tinha sido entregue pessoalmente ao devedor e não houve complementação de diligência por parte da financeira.

Mudou-se

No caso analisado, a financeira ajuizou ação de busca e apreensão em razão do não pagamento das prestações do financiamento de um carro. A instituição enviou notificação ao devedor pelo cartório de títulos e documentos, no endereço constante do contrato de financiamento, mas, no aviso de recebimento devolvido, foi informado que ele havia se mudado.

O juiz deferiu a liminar de busca e apreensão, mas o TJRS extinguiu o processo sem resolução de mérito por considerar que, tendo sido frustrado o envio da notificação extrajudicial, a financeira não complementou o ato, deixando de realizar qualquer outra tentativa de comprovação da mora. O tribunal entendeu que não foi comprovada a mora para o ajuizamento da ação de busca e apreensão.

No recurso apresentado ao STJ, a financeira sustentou que a constituição em mora está devidamente comprovada pela demonstração de envio da notificação para o endereço informado no contrato. Argumentou ainda que não pode ser punida com a extinção do processo, sem resolução de mérito, pela falta de informação atualizada quanto ao correto domicílio do devedor.

Desídia

Segundo a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, a solução do acórdão recorrido contrariou os artigos 2º, parágrafo 2º, e 3º do Decreto-Lei 911/1969, considerando que a legislação fixou que "a mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento" – referindo-se, portanto, ao seu autêntico caráter de mora ex re. Para a ministra, a jurisprudência das turmas de direito privado sobre o assunto é uníssona.

"O prévio encaminhamento de notificação ao endereço informado no contrato pelo cartório de títulos e documentos é suficiente para a comprovação da mora, tornando-se desnecessário ao ajuizamento da ação de busca e apreensão que o credor fiduciário demonstre o efetivo recebimento da correspondência pela pessoa do devedor", explicou.

Nancy Andrighi disse ainda que o simples retorno da carta com aviso de recebimento do qual consta que o devedor se mudou não constitui, por si só, fundamento para dizer que não foi constituído em mora.

"Não se pode imputar à recorrente o dever de realizar outras tentativas de comprovação da mora além daquela disposta em lei, pois a frustração da notificação foi fruto tão somente da desídia do devedor em manter seu endereço atualizado no contrato", observou.

Ao dar provimento ao recurso, a ministra reconheceu a constituição do devedor em mora e determinou o regular prosseguimento da ação de busca e apreensão ajuizada pela financeira.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.828.778 - RS (2019/0221724-5)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A
ADVOGADOS : GUSTAVO RODRIGO GÓES NICOLADELI - RS074909
ELISIANE DE DORNELLES FRASSETTO - RS083593
PAULO CÉSAR DA ROSA GÓES - RS077330
RODRIGO FRASSETTO GÓES E OUTRO(S) - RS087537
RECORRIDO : MAICON RICARDO GERHARDT
ADVOGADO : ECINELE PENTEADO BOEIRA E OUTRO(S) - RS046096
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
EM GARANTIA. DL 911/69. CONSTITUIÇÃO EM MORA. NOTIFICAÇÃO
EXTRAJUDICIAL. AVISO DE RECEBIMENTO (AR) COM INFORMAÇÃO DE QUE
O DEVEDOR MUDOU-SE. COMPROVAÇÃO DO RECEBIMENTO PESSOAL.
DESNECESSIDADE. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.
INDEVIDA.
1. Ação de busca e apreensão da qual se extrai este recurso especial,
interposto em 16/5/19 e concluso ao gabinete em 1º/8/19.
2. O propósito recursal consiste em definir se é imprescindível a
comprovação simultânea do encaminhamento de notificação ao endereço
constante no contrato e do seu recebimento pessoal, para a constituição do
devedor em mora nos contratos de alienação fiduciária.
3. O prévio encaminhamento de notificação ao endereço informado no
contrato pelo Cartório de Títulos e Documentos é suficiente para a
comprovação da mora, tornando-se desnecessário ao ajuizamento da ação
de busca e apreensão que o credor fiduciário demonstre o efetivo
recebimento da correspondência pela pessoa do devedor.
4. O retorno da carta com aviso de recebimento no qual consta que o
devedor “mudou-se” não constitui, por si só, fundamento para dizer que não
foi constituído em mora.
5. A bem dos princípios da probidade e boa-fé, não é imputável ao credor
fiduciário a desídia do devedor que deixou de informar a mudança do
domicílio indicado no contrato, frustrando, assim, a comunicação entre as
partes.
6. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem extinguiu o processo sem
resolução de mérito, por ausência de comprovação da mora para o
ajuizamento da ação de busca e apreensão, sob o fundamento de o AR
constar a mudança do devedor. Esse entendimento não se alinha à
jurisprudência do STJ.
7. Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao
recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de
Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro
votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 27 de agosto de 2019(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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