Falta de previsão em regulamento não impede que entidade de previdência privada cobre reserva matemática adicional

Falta de previsão em regulamento não impede que entidade de previdência privada cobre reserva matemática adicional

A falta de previsão expressa no regulamento vigente à época da aposentadoria não impede que as entidades fechadas de previdência complementar cobrem reserva matemática adicional do assistido, com o objetivo de manter o equilíbrio econômico-financeiro e atuarial do plano de benefícios. O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e tem como base a regra da contrapartida e o princípio do mutualismo.

O processo analisado pelo colegiado teve origem em ação de cobrança ajuizada pelo Fundo de Pensão Multipatrocinado (Funbep) contra beneficiário que teve majorado o valor da aposentadoria por força de sentença transitada em julgado na Justiça do Trabalho.

Segundo consta dos autos, o beneficiário aderiu ao plano de previdência complementar em 12 de janeiro de 1970 e começou a receber a aposentadoria em 12 de janeiro de 1995, momento anterior à entrada em vigor do Plano de Benefícios I do Funbep, que ocorreu apenas em 27 de fevereiro de 2008, já com a previsão de complementação da reserva matemática.

O juízo de primeiro grau decidiu pela improcedência do pedido formulado pela entidade previdenciária. Houve apelação, e a sentença foi mantida sob o fundamento de que cobranças sem previsão no regulamento vigente à época do fato gerador ferem o direito adquirido do assistido.

Caráter social

Em seu voto, a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, destacou o caráter social das entidades de previdência privada, que, mesmo sendo de adesão facultativa, devem, assim como a previdência social, trabalhar pelo bem-estar da sociedade e pela redução das desigualdades.

"Com efeito, é o viés social do contrato previdenciário que justifica a atenção dada pelo poder público ao regime de previdência privada, submetendo as entidades a diversas exigências e determinações legais, quanto ao seu funcionamento e organização, além de sujeitá-las à fiscalização quanto ao desempenho de suas atividades, e à intervenção e decretação de liquidação extrajudicial nas hipóteses que a lei especifica."

Além disso, a magistrada ressaltou que o objetivo das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) é alcançar o equilíbrio econômico-financeiro e atuarial dos planos de benefícios, de forma que as contribuições recebidas e os investimentos realizados permitam a constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e a cobertura das demais despesas, segundo os critérios fixados pelos órgãos regulador e fiscalizador, nos termos do artigo 18 da Lei Complementar 109/2001.

"Superávit e déficit são, portanto, formas de desequilíbrio do plano de previdência, cujos efeitos alcançam todos aqueles que concorrem para o seu financiamento: patrocinadores, participantes e assistidos", lembrou a ministra.

Contrapartida e mutualismo

Nancy Andrighi observou ainda que o artigo 202 da Constituição estabelece que o regime de previdência privada será baseado na formação de reservas que garantam o benefício contratado, evidenciando a denominada "regra da contrapartida", a qual se alinha ao princípio do mutualismo, segundo o qual todos os participantes e beneficiários do contrato de previdência privada assumem os riscos envolvidos, porque são todos também titulares da universalidade dos valores alocados no plano de benefícios.

"A circunstância de o regulamento vigente à época da aposentadoria não prever, expressamente, a obrigação de o assistido pagar a reserva matemática adicional não impede seja essa prestação exigida – inclusive previamente à incorporação dos reflexos das verbas remuneratórias reconhecidas pela Justiça do Trabalho na aposentadoria complementar – com base na regra da contrapartida e no princípio do mutualismo, ínsitos ao contrato de previdência privada celebrado entre as partes."

O colegiado destacou a diferença entre o processo sob análise e o Recurso Especial 1.312.736, julgado pela Segunda Seção em 8 de agosto de 2018, sob a sistemática dos repetitivos, e que trata da inclusão, nos cálculos dos proventos de complementação de aposentadoria pagos por entidade fechada de previdência privada, de verbas incorporadas por decisão da Justiça do Trabalho.

"Hipótese dos autos que se distingue da acobertada pelas teses firmadas no REsp 1.312.736/RS, julgado pela sistemática dos recursos repetitivos, porque não se discute a possibilidade de inclusão dos reflexos das verbas remuneratórias, reconhecidas pela Justiça do Trabalho, nos cálculos da renda mensal do benefício de complementação de aposentadoria, porquanto tal medida já foi efetivamente implementada em favor do recorrido, sem a prévia recomposição da reserva matemática" – observou a ministra relatora.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.624.273 - PR (2016/0233388-5)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : FUNBEP - FUNDO DE PENSÃO MULTIPATROCINADO
ADVOGADOS : LUIZ RODRIGUES WAMBIER - PR007295
EVARISTO ARAGÃO FERREIRA DOS SANTOS - PR024498
ADVOGADA : TERESA CELINA DE ARRUDA ALVIM - PR022129
ADVOGADOS : RITA DE CASSIA CORREA DE VASCONCELOS E OUTRO(S) - PR015711
GERARD KAGHTAZIAN JÚNIOR - PR041986
RECORRIDO : LAERTES RENE RASERA
ADVOGADOS : YARA D'AMICO E OUTRO(S) - PR014258
CARINA DANIELA DE SOUZA LIMA - PR063820
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. FUNDAMENTO
NÃO IMPUGNADO. SÚM. 283/STF. OMISSÃO INEXISTENTE. AÇÃO DE COBRANÇA
DO PAGAMENTO DE RESERVA MATEMÁTICA ADICIONAL. ENTIDADE FECHADA DE
PREVIDÊNCIA PRIVADA. MAJORAÇÃO DO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA
COMPLEMENTAR. VERBAS REMUNERATÓRIAS RECONHECIDAS PELA JUSTIÇA DO
TRABALHO. INCORPORAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EXPRESSA NO
REGULAMENTO. REGRA DA CONTRAPARTIDA E PRINCÍPIO DO MUTUALISMO.
FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO PREVIDENCIÁRIO. JULGAMENTO: CPC/73.
1. Ação de cobrança de reserva matemática adicional, em virtude da majoração do
benefício de aposentadoria pago por entidade fechada de previdência
complementar, ajuizada em 01/02/2013, da qual foi extraído o presente recurso
especial, interposto em 27/11/2015 e distribuído ao gabinete em 1º/09/2016.
2. O propósito recursal é dizer sobre a negativa de prestação jurisdicional, bem
como sobre a obrigação do recorrido de pagar a reserva matemática adicional, em
virtude da majoração, por força de sentença judicial transitada em julgado, do
benefício de aposentadoria complementar que recebe do recorrente, entidade
fechada de previdência privada.
3. A existência de fundamento não impugnado – quando suficiente para a
manutenção das conclusões do acórdão recorrido – impede a apreciação do recurso
especial (súm. 283/STF).
4. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente
fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional,
não há falar em violação do art. 535, 165, 458, II, do CPC/73.
5. Hipótese dos autos que se distingue da acobertada pelas teses firmadas no REsp
1.312.736/RS, julgado pela sistemática dos recursos repetitivos, porque não se
discute a possibilidade de inclusão dos reflexos das verbas remuneratórias,
reconhecidas pela Justiça do Trabalho, nos cálculos da renda mensal do benefício de
complementação de aposentadoria, porquanto tal medida já foi efetivamente
implementada em favor do recorrido, sem a prévia recomposição da reserva
matemática.
6. É o viés social do contrato previdenciário que justifica a atenção dada pelo Poder
Público ao regime de previdência privada, submetendo as entidades a diversas

exigências e determinações legais, quanto ao seu funcionamento e organização,
além de sujeita-las à fiscalização, quanto ao desempenho de suas atividades, e à
intervenção e decretação de liquidação extrajudicial nas hipóteses que especifica.
7. Estabelece o art. 202 da CF/88 que o regime de previdência privada será baseado
na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, evidenciando a
denominada “regra da contrapartida”.
8. Essa regra se alinha ao princípio do mutualismo, segundo o qual todos os
participantes e beneficiários do contrato de previdência privada assumem os riscos
envolvidos, porque são todos também titulares da universalidade dos valores
alocados junto ao plano de benefícios.
9. Em função da natureza da relação jurídica estabelecida entre patrocinadores,
participantes e assistidos, bem como das regras e princípios que orientam o regime
de previdência privada, a circunstância de o regulamento vigente à época da
aposentadoria não prever, expressamente, a obrigação de o assistido pagar a
reserva matemática adicional, não impede seja essa prestação exigida – inclusive
previamente à incorporação dos reflexos das verbas remuneratórias reconhecidas
pela Justiça do Trabalho na aposentadoria complementar – com base na regra da
contrapartida e no princípio do mutualismo, ínsitos ao contrato de previdência
privada celebrado entre as partes.
10. Conclusão que se alinha às teses firmadas pela Segunda Seção, no julgamento
do REsp 1.312.736/RS (julgado em 08/08/2018, DJe de 16/08/2018), em especial a
partir da modulação atribuída aos efeitos da decisão nele exarada, e, sobretudo,
que melhor satisfaz a finalidade do regime de previdência privada e a função social
do respectivo contrato.
11. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao
recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de
Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro
votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 21 de maio de 2019(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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