Menção à decisão de pronúncia não leva obrigatoriamente à anulação do júri

Menção à decisão de pronúncia não leva obrigatoriamente à anulação do júri

A mera menção, ou ainda a leitura, da decisão de pronúncia não conduz necessariamente à nulidade do julgamento no Tribunal do Júri, a menos que haja argumento de autoridade no ato, de forma a beneficiar ou prejudicar o réu.

O entendimento foi da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar um caso em que se alegava nulidade em julgamento do Tribunal do Júri da Comarca de Minaçu (GO), no qual o réu, acusado de homicídio duplamente qualificado, foi condenado a 13 anos de reclusão em regime fechado.

Na ocasião, o promotor, em plenário, afirmou que “a legítima defesa foi rechaçada no momento da análise da pronúncia” – frase considerada manifesto argumento de autoridade pela defesa do réu, que requereu a anulação do julgamento por violação ao artigo 478, I, do Código de Processo Penal (CPP).

Argumento de autoridade

Em seu voto, o relator do recurso da defesa no STJ, ministro Rogerio Schietti Cruz, lembrou que a previsão do artigo 478, I, do CPP tem como objetivo excluir dos debates do Tribunal do Júri o emprego, tanto pela defesa quanto pela acusação, de linhas argumentativas com base na importância, no senso de justiça e no conhecimento jurídico do magistrado prolator da decisão de pronúncia – ou seja, evitar que os discursos sejam empregados como argumento de autoridade.

Ele mencionou julgado anterior da Sexta Turma que concluiu que o CPP, ao tratar do procedimento do Tribunal do Júri, veda apenas “a utilização das peças processuais de forma capciosa, a macular o ânimo dos jurados”. Naquela oportunidade, o colegiado analisou não apenas o artigo 478, mas também o 472, parágrafo único, que prevê a distribuição de cópias da decisão de pronúncia para os jurados.

Ao julgar o caso atual, o tribunal de segunda instância rejeitou a alegação de nulidade por entender que o promotor não empregou argumento de autoridade, especialmente porque os membros do conselho de sentença já haviam tomado conhecimento da pronúncia.

Reexame de provas

Segundo Schietti, a jurisprudência do STJ já sedimentou o entendimento de que a verificação da presença do argumento de autoridade na referência feita a um documento durante os debates do júri exige reexame de provas, o que não é possível em recurso especial (Súmula 7). 

Assim, para o ministro, a mera menção à pronúncia não induz, por si só, a nulidade do julgamento, visto que os jurados tiveram amplo acesso à decisão.

“A intenção do legislador, insculpida no artigo 478, I, do CPP não foi a de vedar toda e qualquer referência à decisão de pronúncia e às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, mas sim evitar que o conselho de sentença, constituído por juízes leigos, seja influenciado por decisões técnicas, ao impor aos jurados o argumento da autoridade”, afirmou Schietti.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.757.942 - GO (2018/0011218-0)
RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ
RECORRENTE : RONILDO CHAVES RODRIGUES
ADVOGADOS : CLEBER LOPES DE OLIVEIRA E OUTRO(S) - DF015068
MARCEL ANDRÉ VERSIANI CARDOSO - DF017067
EDUARDA CAMARA PESSOA DE FARIA - DF041916
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO
DUPLAMENTE QUALIFICADO (ART. 121, § 2º, II E IV, CP).
JÚRI. SUPOSTA VIOLAÇÃO DO ART. 478 DO CPP. MENÇÃO
À DECISÃO DE PRONÚNCIA. ARGUMENTO DE
AUTORIDADE. NÃO CONFIGURADO. RECURSO NÃO
PROVIDO.
1. As normas processuais penais relativas ao procedimento adotado
no Tribunal do Júri são bastante particulares e regradas. Em plenário,
tais normas possuem grande relevância no desfecho do julgamento e
visam assegurar a imparcialidade dos jurados, cidadãos leigos, que
têm o dever, sob juramento, de examinar a causa e decidir segundo
sua consciência e razão, sem nenhuma influência do tecnicismo da
justiça togada.
2. Na hipótese, as palavras utilizadas pelo Membro do Ministério
Público – "a legítima defesa foi rechaçada no momento da análise da
pronúncia" – não demonstram evidente argumento de autoridade.
Isso porque a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme
no sentido de que a simples menção ou mesmo a leitura da sentença
de pronúncia não implica, obrigatoriamente, a nulidade do
julgamento, até mesmo pelo fato de os jurados possuírem amplo
acesso aos autos.
3. Somente fica configurada a ofensa ao art. 478, I, do Código de
Processo Penal se as referências forem feitas como argumento
de autoridade que beneficie ou prejudique o acusado, circunstância
afastada pelo Tribunal de origem, não demonstrada nos autos e, cuja
análise transbordaria os limites do recurso especial, exigindo
reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado
pela Súmula 7/STJ.
4. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma, prosseguindo no julgamento após a
sustentação oral e a ratificação de votos dos Srs. Ministros Relator, Nefi
Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Reis Júnior, e o voto do Sr.
Ministro Felix Fischer negando provimento ao recurso especial, por maioria,
negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Vencidos os Srs. Ministros Nefi Cordeiro e Sebastião Reis Júnior. Os
Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro e Felix Fischer votaram com o Sr.
Ministro Relator. Impedida a Sra. Ministra Laurita Vaz. Dr(a). CLEBER
LOPES DE OLIVEIRA, pela parte RECORRENTE: RONILDO CHAVES
RODRIGUES.
Brasília (DF), 28 de março de 2019
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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