CPTM não terá de indenizar passageira molestada em vagão
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de uma passageira que tentava obter indenização da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) por ter sido molestada sexualmente dentro de um vagão. O colegiado reafirmou o entendimento de que as empresas de transporte coletivo não têm responsabilidade diante de ato libidinoso cometido por terceiro contra passageira no interior do veículo.
Consta do processo que, ao perceber um homem se esfregar em seu corpo, a mulher buscou socorro, e funcionários da CPTM a conduziram à delegacia para que fosse feito o registro da ocorrência. Posteriormente, ela ajuizou uma ação de indenização por danos morais contra a empresa, alegando que, mesmo pedindo ajuda, não foi prontamente socorrida após o atentado.
O juízo de primeiro grau condenou a CPTM a pagar R$ 10 mil por danos morais. Entretanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento à apelação da companhia para afastar a responsabilização por atos de terceiros estranhos à prestação do serviço.
Em seu voto, o relator do recurso especial da passageira, ministro Luis Felipe Salomão, entendeu pela existência de responsabilidade da CPTM, mas ficou vencido.
Caso fortuito
Ao abrir a divergência, que foi acompanhada pelos demais magistrados, o ministro Marco Buzzi explicou que, conforme o entendimento predominante no STJ, “não há responsabilidade da empresa de transporte coletivo em caso de ilícito alheio e estranho à atividade de transporte, pois o evento é considerado caso fortuito ou força maior, excluindo-se, portanto, a responsabilidade da empresa transportadora”.
Segundo o ministro, a jurisprudência do tribunal “estabelece a responsabilidade civil objetiva do transportador, o qual deverá responder pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo a existência de alguma excludente de responsabilidade, como motivo de força maior, caso fortuito, culpa exclusiva da vítima ou de terceiro”.
De acordo com ele, a Segunda Seção do STJ – responsável pelos casos de direito privado – tem entendimento pacífico no sentido de que “o ato de terceiro que seja doloso ou alheio aos riscos próprios da atividade explorada é fato estranho à atividade do transportador, caracterizando-se como fortuito externo, equiparável à força maior, rompendo o nexo causal e excluindo a responsabilidade civil do fornecedor”.
Nesse sentido, a prática de crime, seja ele roubo, furto, lesão corporal ou ato libidinoso cometido por terceiro em veículo de transporte público afasta a responsabilidade da empresa transportadora por danos causados aos passageiros.
Ato reprovável
Buzzi ressaltou haver um único precedente em sentido contrário à jurisprudência dominante do tribunal, de relatoria da ministra Nancy Andrighi (REsp 1.662.551). Nesse julgamento, de maio do ano passado, na Terceira Turma, a relatora entendeu que a empresa de transporte (por acaso, a mesma CPTM) permanecia objetivamente responsável pelos danos causados à passageira que sofreu assédio sexual no interior do vagão, por se tratar de fortuito interno.
Contra a decisão da Terceira Turma, a CPTM interpôs embargos de divergência, que ainda vão ser julgados pela Segunda Seção, sob relatoria do ministro Luis Felipe Salomão.
Para Marco Buzzi, apesar de o ato libidinoso contra a passageira ser grave e reprovável, “não pode haver diferenciação quanto ao tratamento da questão apenas à luz da natureza dos delitos”, não sendo possível imputar à transportadora eventual negligência, pois, conforme consta do acórdão, o agressor foi preso em flagrante após ter sido identificado pelos agentes de segurança. Em consequência, acrescentou o ministro, deve o agressor “responder penal e, inclusive, civilmente pelo seu ato reprovável, pois é ele o único autor do fato”.
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.282.781 - SP (2018/0094032-7)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
AGRAVANTE : DENISE SANTOS TEIXEIRA DE JESUS
ADVOGADOS : MARCELO RODRIGUES BARRETO JÚNIOR - SP213448
RAFAEL HENRIQUE DE SOUZA E OUTRO(S) - SP346085
AGRAVADO : COMPANHIA PAULISTA DE TRENS METROPOLITANOS - CPTM
ADVOGADO : LUCIANA PINHEIRO GONÇALVES - SP134498
DECISÃO
1. Cuida-se de agravo interposto por DENISE SANTOS TEIXEIRA DE JESUS
contra decisão que não admitiu o seu recurso especial, por sua vez manejado em face de
acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, assim
ementado:
CONTRATO DE TRANSPORTE - Indenização por danos morais - Ato
atentatório ao pudor de passageira praticado por outro passageiro no
interior da composição - Natureza da ocorrência estranha ao contrato de
transporte - Equiparação a fortuito que afasta a adoção da
responsabilidade objetiva ou subjetiva do transportador - Rompimento do
nexo causal - Sentença de procedência modificada - Recurso da
transportadora provido, não conhecido o da passageira, destinado ao
aumento do valor da indenização.
Nas razões do recurso especial, aponta a parte recorrente, além de dissídio
jurisprudencial, ofensa ao disposto nos arts. 186, 734, 735, 932, inciso III, 927 e 949, do CC;
302 e seguintes, 348, do CPC de 2015; 6º, inciso VII e 14, caput, do CDC.
Alega, em síntese, que está caracterizada a responsabilidade da ora recorrida
pelos danos sofridos pela recorrente. E continua:
Na propositura da ação a autora descreveu o incidente e comprovou sua
condição de passageira, bem como os fatos que lhe causaram
constrangimento, desconforto, sofrimento, desassossego, pânico e
dissabores, o qual inclusive jamais esquecerá, restando uma trauma que só
quem passa por tal situação é capaz de aquilatar.
Restou evidenciado tudo por que passou a recorrente, portanto faz jus a
indenização pelos danos morais sofridos.
É o relatório. DECIDO.
2. Em face das circunstâncias que envolvem a controvérsia e para melhor
exame do objeto do recurso, com fundamento no artigo 34, inciso VII, do Regimento Interno
do Superior Tribunal de Justiça, DOU PROVIMENTO ao presente agravo para determinar a
sua conversão em recurso especial, sem prejuízo de novo exame acerca de seu
cabimento, a ser realizado no momento processual oportuno.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 14 de maio de 2018.
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator