Lei de Parcelamento Urbano não pode ser invocada para reduzir área a ser recuperada

Lei de Parcelamento Urbano não pode ser invocada para reduzir área a ser recuperada

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu parcial provimento a um recurso do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para determinar o respeito ao limite de 50 metros de Área de Preservação Permanente (APP) na recuperação de uma região de mata atlântica ocupada de forma ilegal em Porto Belo (SC).

No caso analisado, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve a sentença que delimitou a recuperação da APP ao limite de 15 metros a contar do curso de água, justificando a metragem com base na Lei de Parcelamento Urbano (Lei 6.766/79). O Ibama recorreu ao STJ para aplicar a regra de 50 metros prevista no antigo Código Florestal (Lei 4.771/65), vigente à época dos fatos.

Segundo o relator do recurso, ministro Og Fernandes, a controvérsia é saber qual norma incide no caso. Para o ministro, o conflito de normas é apenas aparente, tendo em vista que o próprio ordenamento jurídico fornece diretrizes para superar o suposto conflito, sem a necessidade de afastar a incidência de uma delas.

“Mediante análise teleológica, compreendo que a Lei de Parcelamento Urbano impingiu reforço normativo à proibição de construção nas margens dos cursos de água, uma vez que indica uma mínima proteção à margem imediata, delegando à legislação específica a possibilidade de ampliar os limites de proteção”, afirmou.

Legislação específica

De acordo com Og Fernandes, a Lei de Parcelamento Urbano reconhece não ser sua especificidade a proteção ambiental nos cursos de água, razão pela qual indica a possibilidade de a legislação específica impor maior restrição.

O ministro destacou que o Código Florestal é mais específico no que diz respeito à proteção dos cursos de água.

“Mediante leitura atenta do diploma legal, percebe-se que, ao excepcionar a tutela das edificações, a norma impôs essencial observância aos princípios e limites insculpidos no Código Florestal. Logo, cuida-se de permissão para impor mais restrições ambientais, jamais de salvo-conduto para redução do patamar protetivo”, concluiu.

Direito fundamental

Segundo o relator, a preservação do meio ambiente é prioridade nas sociedades contemporâneas, tendo em vista sua essencialidade para a sobrevivência da espécie humana.

Ele declarou ser inaceitável “qualquer forma de intervenção antrópica dissociada do princípio do ambiente ecologicamente equilibrado, uma vez que se trata de direito fundamental da nossa geração e um dever para com as gerações futuras”.

O ministro ressaltou a necessidade de proteção marginal dos cursos de água e disse que reduzir o tamanho da APP com base na Lei de Parcelamento Urbano implicaria “verdadeiro retrocesso em matéria ambiental”, razão pela qual o particular deverá recuperar integralmente a faixa de 50 metros.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.518.490 - SC (2015/0047822-0)
RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES
RECORRENTE : INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS
RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA
RECORRIDO : JULIUS BRUNO EWALD ARRIO HEIDRICH
ADVOGADO : EDSON LUIZ BARBOZA DE DEOS - SC010095
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
AMBIENTAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO
DO DISPOSTO NO 535 DO CPC/1973. Não OCORRÊNCIA. ANTINOMIA
DE NORMAS. APARENTE. ESPECIFICIDADE. INCIDÊNCIA DO
CÓDIGO FLORESTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE.
MAIOR PROTEÇÃO AMBIENTAL. PARCIAL PROVIMENTO. RESPEITO
AO LIMITE IMPOSTO PELO CÓDIGO FLORESTAL VIGENTE À ÉPOCA
DOS FATOS.
1. A mera rejeição dos aclaratórios não consiste em violação da previsão
normativa do art. 535 do CPC/1973. O aresto combatido fundamentou seu
posicionamento de modo a prestar a jurisdição que lhe foi postulada.
2. A proteção ao meio ambiente integra axiologicamente o ordenamento
jurídico brasileiro, sua preservação pelas normas infraconstitucionais deve
respeitar a teleologia da Constituição Federal. Dessa forma, o
ordenamento jurídico deve ser interpretado de forma sistêmica e
harmônica, por meio da técnica da interpretação corretiva, conciliando os
institutos em busca do interesse público primário.
3. Na espécie, a antinomia entre a Lei de Parcelamento do Solo Urbano
(Lei n. 6.766/1979) e o Código Florestal (Lei n. 4.771/1965) é apenas
aparente, pois a primeira impinge um reforço normativo à segunda,
intensificando o mínimo protetivo às margens dos cursos de água.
5. A Lei n. 4.771/1965, ao excepcionar os casos de construções em área
urbana (art. 2º, parágrafo único), condiciona a hipótese de exceção a
escorreita observância dos princípios e limites insculpidos no Código.
6. A proteção marginal dos cursos de água, em toda sua extensão, possui
importante papel de proteção contra o assoreamento. O Código Florestal
(Lei n. 4.771/1965) tutela em maior extensão e profundidade o bem
jurídico do meio ambiente, logo, é a norma específica a ser observada na
espécie.
7. Recurso especial parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e Herman

Benjamin (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Dr. Gustavo Leonardo Maia Pereira (Procuradoria-Geral Federal), pela
parte recorrente: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis - Ibama
Dr. Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, pela parte interessada:
Ministério Público Federal
Brasília, 09 de outubro de 2018(Data do Julgamento)
Ministro Og Fernandes
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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