Mulher que tentou levar maconha ao marido preso tem prisão substituída por proibição de novas visitas

Mulher que tentou levar maconha ao marido preso tem prisão substituída por proibição de novas visitas

Com base na possibilidade da adoção de medidas que, com igual eficácia e menor dano à liberdade, preservem a ordem pública, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) substituiu a prisão preventiva de uma mulher, flagrada ao tentar entrar com cigarros de maconha em presídio de Hortolândia (SP), pela proibição de que ela frequente unidades prisionais.

Na decisão concessiva de habeas corpus, o colegiado também considerou a inexistência de antecedentes criminais contra a mulher, que possui seis filhos, dois deles com menos de oito anos de idade.

“Na hipótese sob exame, a prisão domiciliar seria excessiva porque impediria a paciente, primária, com emprego e residência fixa, de trabalhar e prover o sustento de seus filhos. Com lastro nos precedentes desta corte, reputo adequada e suficiente, para evitar a reiteração delitiva, a medida de proibição de se aproximar de presídio”, afirmou o relator do pedido de habeas corpus, ministro Rogerio Schietti Cruz.

Na tentativa de justificar a prisão preventiva, o juiz de primeiro grau apontou suspeitas de tráfico em larga escala, pois a mulher, a fim de favorecer seu marido preso, tentou entrar no presídio com 118 cigarros de maconha durante uma visita. De acordo com a denúncia, a droga estava escondida entre alimentos.

O Tribunal de Justiça de São Paulo indeferiu o pedido de prisão domiciliar por concluir que, além de não haver comprovação de que os filhos pequenos dependiam exclusivamente dos cuidados da mãe, a maternidade não poderia servir de salvo-conduto para a prática de infrações penais.

Caráter imprescindível

Segundo o ministro Rogerio Schietti, o juiz relacionou o perigo da liberdade da ré à ideia de que sua conduta, tentando introduzir grande quantidade de maconha no presídio, poderia proporcionar o tráfico de drogas em larga escala entre os detentos.

Schietti assinalou, porém, que o magistrado não explicou por que considerava a prisão, entre todas as medidas legais possíveis, a única capaz de garantir a manutenção da ordem pública.

Para o ministro, não havendo sinais de que a acusada se dedicava ao tráfico de forma habitual, não está demonstrado que a prisão antes da condenação seria imprescindível. “Medidas cautelares menos gravosas ao direito de liberdade alcançariam idêntico fim colimado pela prisão preventiva – de evitar a prática de novas infrações penais”, afirmou.

Menor sacrifício

O relator destacou que a adoção de medidas cautelares diversas da prisão, em casos como esse, tem sido a tendência nos julgamentos dos colegiados da Terceira Seção do STJ, em virtude da realidade dos estabelecimentos prisionais e do encarceramento provisório de pessoas quando existem alternativas aptas a salvaguardar a ordem pública com igual eficácia e menor dano à liberdade.

Em alguns casos, como o examinado nesse habeas corpus – acrescentou Schietti –, mesmo a prisão domiciliar não se mostra a medida mais adequada, porque “impediria a paciente, primária, com emprego e residência fixa, de trabalhar e de prover o sustento de seus filhos”.

O ministro ressaltou então que, embora a escolha da medida cautelar adequada a cada caso seja uma discricionariedade judicial, o princípio da presunção de inocência implica reconhecer que as medidas cautelares de natureza coercitiva devem respeitar o critério do menor sacrifício necessário para satisfazer os requisitos de precaução no caso concreto.

“Em casos análogos ao ora retratado, se não constam do decreto de prisão cautelar sinais de prática habitual de tráfico de drogas, mas apreensão isolada de entorpecentes quando a esposa/companheira/mãe de preso faz visita ao presídio, tem-se entendido que, verificadas condições pessoais favoráveis, a cautela de proibição de ingresso em unidades prisionais é menos gravosa do que a prisão domiciliar e suficiente para evitar a reiteração delitiva”, concluiu o ministro ao determinar a substituição da prisão preventiva.

Apesar da concessão do habeas corpus, o ministro Rogerio Schietti alertou que a violação da medida cautelar poderá implicar o restabelecimento da prisão preventiva.

HABEAS CORPUS Nº 437.538 - SP (2018/0036888-4)
RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ
IMPETRANTE : HENRIQUE CORNACCHIA JUNIOR
ADVOGADO : HENRIQUE CORNACCHIA JUNIOR - SP122531
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : LUCIMARA DE JESUS DA SILVA (PRESO)
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:
LUCIMARA DE JESUS DA SILVA alega sofrer
constrangimento ilegal em decorrência de acórdão do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo (HC n. 2212104-16.2017.8.26.0000).
O impetrante se insurge contra o decreto que homologou o
flagrante e decretou a prisão preventiva da paciente, haja vista a falta dos
requisitos do art. 312 do CPP. Nega a autoria do crime de tráfico de drogas pela
ré e aponta suas condições pessoais, com a informação de que ela possui vários
filhos menores. Indica o excesso de prazo para o término da instrução criminal.
Requer a revogação da medida extrema.
Deferida a liminar, para submeter a acusada a cautelas
alternativas à prisão, os autos foram remetidos ao Ministério Público Federal,
que opinou pela denegação da ordem.

HABEAS CORPUS Nº 437.538 - SP (2018/0036888-4)
EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO
PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS.
PROPORCIONALIDADE. ADEQUAÇÃO E SUFICIÊNCIA DE
MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. ORDEM CONCEDIDA.
1. Para ser compatível com o Estado Democrático de Direito – o qual
se ocupa de proteger tanto a liberdade quanto a segurança e a paz
públicas – e com a presunção de não culpabilidade, é necessário que
a decretação e a manutenção da prisão cautelar se revistam
de caráter excepcional e provisório. A par disso, a decisão judicial
deve ser suficientemente motivada, mediante análise da
concreta necessidade da cautela, nos termos do art. 282, I e II, c/c o
art. 312, ambos do Código de Processo Penal.
2. O Juiz de primeiro grau, ao converter a prisão em flagrante em
custódia preventiva, embora haja mencionado que a ré, durante visita
ao companheiro preso, tentou ingressar em presídio com 118 cigarros
de maconha, não contextualizou, em juízo de proporcionalidade, a
imprescindibilidade da custódia como única medida cautelar suficiente
para evitar a reiteração delitiva.
3. A paciente é primária, servidora pública, possui seis filhos, dois
deles menores, e, no édito prisional, não consta nenhum indicativo de
se dedicava ao tráfico de drogas como meio de vida. Não se justifica
manter a acusada sob o rigor da prisão, conquanto ela deva sujeitar-se
ao processo criminal e, eventualmente, ser punida por conduta que, à
evidência, encontra gravosa tipificação penal.
4. A aplicação do art. 319, II, do CPP é suficiente para evitar a
reiteração delitiva, sem impedir a ré de trabalhar e de prover o
sustento de sua família.
5. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva da paciente
pela cautela pessoal prevista no art. 319, II, do CPP, sem prejuízo do
estabelecimento de outras medidas cautelares pelo Juízo natural da
causa, desde que de modo fundamentado, bem como de nova
decretação da prisão preventiva se efetivamente demonstrada sua
concreta necessidade.
VOTO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):
I. Contextualização
A paciente foi denunciada por incursão nos arts. 33 e 40, III, da
Lei n. 11.343/2006.
O Juiz de primeiro grau, em 30/10/2017, para justificar a
necessidade da prisão preventiva, assinalou: "são fundadas as suspeitas de
tráfico em larga escala, já que, ao que consta, a fim de favorecer seu marido
(preso), tentava interiorizar no presídio de Hortolândia 118 cigarros de
maconha, com certa de 170 gramas de droga, burlando o sistema de disciplina
dos apenados" (fls. 52-53, destaquei). Ressaltou, ainda, que "a indiciada é
servidora municipal e trabalha com educação infantil, dela se esperando
exemplos positivos" (fl. 53, grifei).
O acórdão também reconheceu a periculosidade da ré e, portanto,
o risco de reiteração delitiva, porquanto "o crime foi praticado nas dependências
de unidade prisional" e a suspeita "tentava levar cigarros de maconha para o
interior do estabelecimento" (fl. 148).
Embora a acusada tenha seis filhos, dois deles menores (fl. 137),
o Tribunal a quo indeferiu o pedido de prisão domiciliar (fl. 149):
[...] seja porque não se comprovou que as crianças dependam de
seus cuidados exclusivos, seja porque a maternidade não pode
servir de salvo conduto para a prática de infrações penais.
II. Prisão preventiva – fumus comissi delicti e periculum in
mora
Ab initio, registro não ser possível, em habeas corpus, incursionar
em provas para aferir se a paciente tinha (ou não) ciência de que transportava
entorpecente. Para decretação da medida cautelar, são suficientes indícios
razoáveis de autoria, evidenciados no édito prisional por sua prisão em
flagrante e pelos elementos colhidos durante o inquérito policial.
Dito isso, impõe-se assinalar que o Juiz de primeiro grau
evidenciou o periculum libertatis, ao mencionar que a ré, funcionária municipal,
tentou ingressar em unidade prisional com 118 cigarros de maconha, o que
poderia proporcionar o tráfico de drogas em larga escala pelos detentos.

Verifica-se, contudo, que o Magistrado não explicou a
imprescindibilidade da medida extrema, como única alternativa para a
salvaguarda da ordem pública.
Em que pese a gravidade concreta da conduta, a acusada é
primária, servidora municipal, possui residência fixa e seis filhos, dois deles
menores, "nascidos em 5/12/2011 e 1/3/2013" (fl. 27). Sem maiores sinais de
que ela se dedicava ao tráfico como meio de vida, de forma habitual, não
está demonstrada a imprescindibilidade da custódia ante tempus. Medidas
cautelares menos gravosas ao direito de liberdade alcançariam idêntico fim
colimado pela prisão preventiva – de evitar a prática de novas infrações penais.
III. Medidas cautelares menos gravosas – cabimento
Deveras, "as medidas alternativas à prisão não pressupõem a
inexistência de requisitos da prisão preventiva, mas sim a existência de uma
providência igualmente eficaz para o fim colimado com a medida cautelar
extrema, porém com menor grau de lesividade à esfera de liberdade do
indivíduo" (RHC n. 90.418/RS, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., DJe
6/11/2017).
Por isso, sob a influência do princípio da proporcionalidade,
haja vista: a) o prazo da prisão cautelar; b) a existência de filhos menores de
idade; c) as circunstâncias do crime, que sugerem se tratar de mais uma situação
de mulher que leva droga para estabelecimento prisional com o propósito de
beneficiar o companheiro (o que será melhor elucidado durante a instrução
criminal), e d) a falta de indicação, no édito prisional, de sinais de que a ré faz
do comércio espúrio seu meio de vida, com habitualidade, é adequada a
imposição de medida cautelar diversa da prisão, para a mesma proteção da
ordem pública (art. 319, II, do CPP).
IV. Medida cautelar mais benéfica que a prisão domiciliar –
precedentes
Não se olvida que, em 20/2/2018, a Segunda Turma do Supremo
Tribunal Federal concedeu habeas corpus coletivo para determinar a
substituição de prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas,
gestantes, puérperas ou mães de crianças, excetuados os casos de crimes
praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus
descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas (HC n. 143.641/SP, 2ª
T., Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 20/2/2018).

Na oportunidade, constou do acórdão que: "Se o Juiz entender
que a prisão domiciliar se mostra inviável ou inadequada em determinadas
situações, poderá substituí-la por medidas alternativas arroladas no já
mencionado art. 319 do CPP" (trecho do voto, destaquei).
A adoção de medidas alternativas à prisão cautelar, em casos
análogos ao ora retratado, é uma tendência nos julgados das Turmas que
compõem a Terceira Seção desta Corte, ante a realidade dos estabelecimentos
prisionais e o encarceramento provisório de pessoas, sem antecedentes
criminais, em situações nas quais existem alternativas aptas a, com igual eficácia
e menor dano à liberdade, tutelar a ordem pública.
Na miríade de providências cautelares previstas no CPP, a prisão
preventiva será, como densificação do princípio da proibição de excesso, a
medida a ser adotada somente para aquelas situações em que as alternativas
legais menos gravosas forem insuficientes a proteger os bens e os interesses
tutelados pelo art. 312 do CPP.
Por esse princípio, pretende-se “evitar a adoção de medidas
restritivas de direitos, liberdades e garantias que, embora adequadas, não são
necessárias para se obterem os fins de proteção visados pela Constituição ou a
lei. Uma medida será então exigível ou necessária quando não for possível outro
meio igualmente eficaz, mas menos 'coativo', relativamente aos direitos
restringidos” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 4. ed.,
Coimbra: Almedina, 1989, p. 488).
Muito embora, por óbvio, a escolha da medida cautelar adequada
ao caso concreto constitua uma discricionariedade judicial, à luz do disposto no
inciso I do art. 282 do CPP (adequação da medida à gravidade do crime, às
circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado ou acusado), a
presunção de inocência – que atrai a ideia da excepcionalidade de qualquer
medida cautelar – implica reconhecer que as medidas cautelares de cariz
coercitivo devem respeitar “il criterio del minore sacrificio necessario, secondo
cui la restrizione della libertà personale deve essere contenuta entro i limiti
indispensabili a soddisfare le esigenze cautelari nel caso concreto” (TONINI,
Paolo. Lineamenti di diritto processuale penale. Milão: Giuffrè, 2016, p. 233).
Saliente-se, a esse respeito, que a análise da eficácia da medida
não deve ter em mira o meio mais eficaz, porém o meio suficientemente
eficaz, visto que “a medida mais gravosa assegura com maior intensidade que a
medida mais benigna a consecução do fim perseguido, de sorte que o juízo de

necessidade simplesmente deixaria de existir, sendo substituído pelo critério da
maior eficácia” (FELDENS, Luciano. A constituição penal. A dupla face da
proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2005, p. 164).
Em casos análogos ao ora retratado, se não constam do decreto
de prisão cautelar sinais de prática habitual de tráfico de drogas, mas
apreensão isolada de entorpecentes quando a esposa/companheira/mãe de
preso faz visita ao presídio, tem-se entendido que, verificadas condições
pessoais favoráveis, a cautela de proibição de ingresso em unidades
prisionais é menos gravosa do que a prisão domiciliar e suficiente para evitar
a reiteração delitiva.
Ambas as Turmas que compõem a Terceira Seção já
decidiram pela aplicação do art. 319, II, do CPP: RHC n. 90.860/MG, Rel.
Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe 12/12/2017, e RHC n.
81.839/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., DJe 5/4/2017).
Na hipótese sob exame, a prisão domiciliar seria excessiva
porque impediria a paciente, primária, com emprego e residência fixa, de
trabalhar e prover o sustento de seus filhos. Com lastro nos precedentes desta
Corte, reputo adequada e suficiente, para evitar a reiteração delitiva, a medida de
proibição de se aproximar de presídio.
Essa minha compreensão, como se infere do seguinte excerto de
julgado, não é recente:
[...]
4. Sob a influência do princípio da proporcionalidade e
considerando o prazo da prisão cautelar, a primariedade da
acusada, a falta de registro de seu envolvimento em delitos
anteriores e as circunstâncias do crime - que evidenciam se tratar
de mais uma pequena traficante, que leva droga para o
estabelecimento prisional do companheiro, na maioria das vezes
por vinculação afetiva -, é adequada a imposição de medidas
cautelares diversas da prisão, para a mesma proteção da ordem
pública (art. 319, I e II, do CPP). [...]
(RHC n. 51.221/RS, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., DJe
1°/12/2014)
V. Dispositivo

À vista do exposto, concedo o habeas corpus para, ratificada a
liminar, substituir a prisão preventiva da paciente, com fulcro no art. 319,
II, do CPP, pela proibição de frequentar unidades prisionais, sem prejuízo
de outras medidas que o prudente arbítrio do juiz natural da causa indicar
cabíveis e adequadas para evitar a reiteração de crimes.
A ré deverá ser alertada de que a violação da medida cautelar
poderá implicar o restabelecimento da prisão preventiva, que poderá ser
novamente decretada se sobrevier situação que configure sua exigência.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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