Copa do Mundo: trabalho de voluntários tem respaldo em lei própria

Copa do Mundo: trabalho de voluntários tem respaldo em lei própria

A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve decisão que julgou improcedente pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT) para reconhecer vínculo de emprego entre voluntários e o Comitê Organizador Brasileiro da Copa do Mundo FIFA 2014. A finalidade lucrativa da entidade de futebol, em regra, descaracterizaria o serviço voluntário, mas os ministros concluíram que as contratações tiveram autorização da Lei 12.663/2012 (Lei Geral da Copa).

Voluntários

O Programa de Voluntários da Copa do Mundo no Brasil resultou na contratação de 14 mil pessoas. Uma parte atuou sob a orientação do Ministério do Esporte ou das cidades-sede. A outra frente, dirigida pelo Comitê Organizador Brasileiro (COL), desenvolveu atividades principalmente nos estádios.

Na Justiça do Trabalho, o Ministério Público alegou que o COL não poderia usar trabalho voluntário por ser empresa limitada, de caráter privado e que auferia lucros com a realização dos jogos. Sustentou que, no Brasil, o serviço voluntário só pode ser prestado a entidades públicas ou a instituições privadas de fins não lucrativos, conforme o artigo 1º da Lei 9.608/1998, que dispõe sobre essa modalidade de trabalho. Em função da suposta irregularidade, o MPT pediu o reconhecimento das relações de emprego e o pagamento de indenização de R$ 20 milhões por dano moral coletivo.

Lei Geral da Copa

O Comitê, em sua defesa, sustentou que as contratações ocorreram com base no artigo 57 da Lei Geral da Copa. A norma estabelece que o serviço voluntário prestado por pessoa física para auxiliar o COL consiste em atividade não remunerada, que não gera vínculo de emprego nem obrigações trabalhistas ou previdenciárias. 

O Supremo Tribunal Federal considerou constitucional a Lei Geral da Copa, que também tratou da Copa das Confederações FIFA e da Jornada Mundial da Juventude, realizadas no Brasil em 2013. Apesar de não analisar especificamente o serviço voluntário, o STF julgou válidas as concessões previstas no documento, que decorreu da aprovação e da vontade soberana do Estado brasileiro de receber os eventos. Para o relator no Supremo, ministro Ricardo Lewandowski, os estímulos listados na Lei Geral da Copa foram legítimos para atrair o evento da FIFA.

Justiça do Trabalho

O juízo da 59ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro julgou improcedentes os pedidos do Ministério Público, com o entendimento de que o serviço voluntário previsto na Lei da Copa não está sujeito às limitações determinadas pela Lei 9.608/1998.  O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) manteve a sentença.

Para o TRT, a necessidade da mão de obra voluntária em eventos esportivos de grande magnitude permite que essa modalidade de trabalho assuma contornos específicos para viabilizar as competições. Ainda de acordo com o Tribunal Regional, na relação entre os voluntários e o Comitê Organizador não ficaram evidenciadas as características do vínculo de emprego fixadas nos artigos 2º e 3º da CLT. Não havia, por exemplo, obrigação de comparecimento.

Legislação própria

O relator do recurso de revista do MPT, ministro Cláudio Brandão, votou no sentido de não admitir o recurso, sem, no entanto, deixar de manifestar seu entendimento sobre o caso. Segundo ele, embora o COL seja pessoa jurídica de direito privado, a Lei Geral da Copa permitiu expressamente o serviço voluntário na organização e na realização dos eventos.

O ministro explicou que a lei foi o instrumento adotado para internalizar, no plano jurídico, garantias conferidas pelo país à Federação Internacional de Futebol (FIFA). A Federação exige previamente do país-sede da Copa do Mundo a adoção de procedimentos para viabilizar o evento, entre eles a edição de leis.

Tendo em vista a decisão do STF sobre a constitucionalidade da Lei Geral da Copa, e tendo em vista que ela resultou de compromisso assumido pelo Brasil com a FIFA, o relator concluiu que o serviço voluntário na Copa do Mundo de 2014 não se sujeitou à limitação prevista no artigo 1º da Lei 9.608/98.

A decisão foi unânime.

Processo: AIRR-10704-52.2014.5.01.0059

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE
REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA NA
VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.
NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Em
virtude da natureza especial do recurso
de revista, decorre a necessidade de
observância de requisitos próprios de
admissibilidade, entre os quais o
disposto no artigo 896, § 1º-A, I, da
CLT, introduzido pela Lei nº
13.015/2014, que disciplina ser ônus da
parte a indicação do trecho da decisão
recorrida que consubstancia o
prequestionamento da controvérsia
objeto do apelo. A previsão contida no
novel dispositivo, juntamente com os
incisos que lhe sucedem, representa a
materialização do Princípio da
Impugnação Específica e a dialeticidade
recursal. Objetiva evitar que seja do
órgão julgador a tarefa de interpretar
a decisão impugnada, para deduzir a tese
nela veiculada e a fundamentação que
ampara a pretensão, naquilo que
corresponde ao atendimento dos
pressupostos singulares do apelo
interposto. Transpondo tal exigência
para os casos em que se busca o
reconhecimento da negativa de prestação
jurisdicional, a parte deverá
demonstrar, de forma inequívoca, que
provocou a Corte de origem, mediante a
oposição de embargos declaratórios, no
que se refere à matéria desprovida de
fundamentação. Necessário, portanto,
transcrever o trecho pertinente da
petição de embargos e do acórdão
prolatado no seu julgamento, para
possibilitar o cotejo entre ambos.
Precedente da SBDI-1 desta Corte
(E-RR-1522-62.2013.5.15.0067). No
caso, inexistindo a delimitação dos
pontos sobre os quais o Tribunal

Regional, supostamente, teria deixado
de se manifestar, torna-se inviável a
análise da nulidade. Agravo de
instrumento conhecido e não provido.
PROGRAMA DE VOLUNTÁRIOS DA COPA DO MUNDO
FIFA 2014. COMITÊ ORGANIZADOR
BRASILEIRO LTDA. (COL). PESSOA JURÍDICA
DE DIREITO PRIVADO. FINS LUCRATIVOS.
LEI Nº 12.663/2012 (“LEI GERAL DA
COPA”). ADI Nº 4.976/DF. SERVIÇO
VOLUNTÁRIO. CONTEXTO ATÍPICO.
EXCEPCIONALIDADE DA LIMITAÇÃO PREVISTA
NO ARTIGO 1º DA LEI Nº 9.608/98. DECISÃO
JUDICIAL E ANÁLISE DE SUAS
CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS. SOLUÇÃO
JURÍDICA PROPORCIONAL, EQUÂNIME E
COMPATÍVEL COM OS INTERESSES GERAIS
(ARTIGOS 20 E 21 DA LINDB – INCLUÍDOS
PELA RECENTÍSSIMA LEI Nº 13.655/2018).
Como é cediço, os requisitos para a
caracterização do serviço voluntário
são: trabalhador pessoa física;
entidade pública ou instituição privada
sem fins lucrativos com objetivos
cívicos, culturais, educacionais,
científicos, recreativos ou de
assistência social (artigo 1º da Lei nº
9.608/98); celebração de “termo de
adesão” com a discriminação do objeto e
condições do exercício das atividades
(artigo 2º da lei mencionada); natureza
não onerosa da prestação do serviço. No
presente caso, o programa sob a
responsabilidade do réu previa que o
voluntário deveria ter idade mínima de
18 (dezoito) anos e disponibilidade
para trabalhar no período de 20 (vinte)
dias corridos, em turnos que poderiam
alcançar até 10 (horas) de trabalho,
conforme premissas fáticas delineadas
na decisão regional, observando-se o
requisito legal acerca da celebração
mediante termo de adesão entre a
entidade contratante e o voluntário, e
constituindo prova documental da não
formalização do vínculo de emprego. Já

em relação à natureza não onerosa da
prestação do serviço, relevante
destacar a definição veiculada pela
Organização das Nações Unidas (ONU):
“voluntário é o jovem, adulto ou idoso, que devido a
seu interesse pessoal e seu espírito cívico, dedica parte
do seu tempo, sem remuneração, a diversas formas de
atividades de bem estar social ou outros campos.” A
propósito, vale conferir a lição de
Maurício Godinho Delgado, segundo o
qual a dimensão subjetiva do serviço
voluntário “traduz-se, pois, na índole, na intenção,
no ânimo de a pessoa cumprir a prestação laborativa em
condições de benevolência. Essencialmente tal ideia
importa na graciosidade da oferta do labor, em
anteposição às distintas formas de trabalho oneroso que
caracterizam o funcionamento da comunidade que cerca
o prestador de serviços.” (Curso de direito do
trabalho – 12ª ed. – São Paulo: LTr,
2013, p. 350-351). Nesse aspecto, é
nítida a intenção dos milhares de
voluntários (cerca de 14 mil pessoas
dentre 152 mil cadastros realizados)
que trabalharam em evento internacional
esportivo por interesses alheios ao de
receber remuneração pelas atividades
prestadas. Consta no acórdão recorrido,
inclusive, que, da análise dos
depoimentos transcritos, “restou claro que a
adesão dos depoentes foi voluntária, atendendo o
requisito substancial à configuração do trabalho
voluntário, e que parte deles tinha atividade regular
remunerada, tendo atuado apenas nos eventos
realizados nos fins de semana ou nos períodos em que
tinham disponibilidade.” Aliás, não se pode
olvidar que a Copa do Mundo foi
realizada num país que tem verdadeira
“paixão nacional” pelo futebol e
orgulha-se de ser pentacampeão mundial
nesse esporte. De outra parte, conforme
bem assevera a doutrina trabalhista, é
inconcebível que o serviço voluntário
seja prestado a entidades privadas com
finalidade lucrativa, na medida em que
não pode ser instrumento para o sistema
ampliar seus ganhos ou como expediente

de recrutamento de mão de obra gratuita.
Aqui reside o ponto nodal do exame da
matéria. Isso porque, embora o Comitê
Organizador Brasileiro Ltda. (COL) seja
pessoa jurídica de direito privado,
reconhecida pela FIFA, constituída sob
as leis brasileiras com o objetivo de
promover a Copa das Confederações FIFA
2013 e a Copa do Mundo FIFA 2014, nos
termos do inciso II do artigo 2º da Lei
nº 12.663/2012, certo é que referida
legislação permitiu expressamente o
serviço voluntário na organização e
realização dos eventos, conforme
artigos 57 e 58 da lei em comento. Para
parte da doutrina, referida “permissão”
é fruto do que se denomina “estado de
exceção”, no qual a norma em vigor não
se aplica, ficando suspensa. E,
conforme inúmeras críticas a respeito,
haveria a conformação do Direito
interno ao neoliberalismo, inclusive
por meio da limitação aos direitos da
população em geral para garantir a
acumulação capitalista. Entrementes,
importante consignar que a “Lei Geral da
Copa”, sancionada pela Presidente da
República em 5 de junho de 2012, com
prazo de vigência até o dia 31 de
dezembro de 2014, insere-se no
arcabouço normativo elaborado com o fim
de viabilizar a realização dos grandes
eventos esportivos no Brasil,
constituindo instrumento para
internalizar, no plano jurídico,
garantias conferidas pelo País à FIFA –
Fédération Internationale de Football
Association, associação suíça de
direito privado que regula o futebol em
todo o mundo. Isso em razão de referida
Organização – responsável pela escolha
do país-sede – impor procedimentos que
visam regulamentar o bom andamento do
evento, inclusive mediante alteração
legislativa nacional, com o intuito de
fomentar condições mais favoráveis às

relações comerciais e o interesse dos
patrocinadores (chamado Hosting
Agreement – “acordo para sediar”).
Decerto, não se pode olvidar que, apesar
dos nobres objetivos da FIFA, a
democratização de suas regras políticas
é um desafio para o alcance dos
desideratos propostos, até mesmo em
respeito à soberania dos Estados - suas
normas e direitos fundamentais.
Entretanto, diferentemente do que
pretende fazer crer o Parquet, não se
trata simplesmente da análise de
violação ou não do artigo 1º da Lei nº
9.608/98, diante dos lucros auferidos
pelo réu, sob a ótica formal-legalista.
A matéria trazida ao debate não se
esgota no direito material propriamente
dito; há que se levar em conta o aspecto
imaterial do evento no chamado “País do
Futebol”, reconhecido, inclusive, pela
expressão “Pátria de Chuteiras” -
metáfora preconizada na célebre frase
do escritor e jornalista brasileiro
Nelson Rodrigues, para descrever a
mobilização, a expectativa e o
sentimento que as copas do mundo geram
no País. Nesse diapasão, é fundamental
mencionar o artigo 217 da Constituição
Federal que impõe ao Poder Público, como
valor a ser necessariamente observado,
“a proteção e o incentivo às manifestações desportivas
de criação nacional” (inciso IV). Soma-se a isso o
fato de que no processo de preparação e
realização do evento futebolístico, nos
moldes do artigo 29, I, “b”, e III, da
“Lei Geral da Copa”, foi firmado o
compromisso do País com a valorização do
trabalho e dos trabalhadores, conforme
campanha intitulada “Trabalho decente:
o melhor gol do Brasil”, com o apoio até
mesmo da OIT (Organização Internacional
do Trabalho). A propósito, conforme bem
ressalvado pelo Ministro Ricardo
Lewandowski, Relator da Ação Direta de
Inconstitucionalidade – ADI 4.976/DF -,

ajuizada pela douta Procuradoria Geral
da República, “o futebol, como esporte
plenamente incorporado aos costumes nacionais, deve
ser protegido e incentivado por expressa imposição
constitucional, mediante qualquer meio que a
Administração Pública considerar apropriado.” Em
suas apropriadas palavras, “é escusado
lembrar que, por mais que alguém, entre nós, seja
indiferente ou mesmo refratário a tudo o que diga
respeito ao futebol, a relação da sociedade brasileira
com os mais variados aspectos desse esporte é estreita e
singularíssima, estando ele definitivamente incorporado
à cultura popular, seja na música, seja na literatura, seja
no cinema, seja, enfim, nas artes em geral, fazendo-se
presente, em especial, na maioria das grandes festas
nacionais”. Em referida ação, julgada
improcedente, embora não tenham sido
objeto de análise os artigos 57 e 58 da
“Lei Geral da Copa”, concluiu-se, por
ocasião da alegada
inconstitucionalidade do artigo 23 da
Lei nº 12.663/2012, pela possibilidade
de o legislador optar, em situações
particulares ou contextos atípicos, por
regime de responsabilização civil mais
abrangente do que aquele definido, como
regra geral, no artigo 37, § 6º, da
Constituição Federal. A FIFA, de fato,
é entidade privada de caráter
internacional e, como é de conhecimento
geral, obteve vultosos resultados
financeiros com o evento realizado.
Contudo, nos moldes da decisão
proferida pelo Supremo Tribunal
Federal, a edição da Lei nº 12.663/2012
resultou de compromisso assumido pela
República Federativa do Brasil, ainda à
época de sua candidatura a sediar a Copa
de 2014, em se comprometer com o
conjunto de garantias apresentadas, em
decorrência de decisão soberana do
País. Destarte, lógica semelhante há de
se adotar no presente caso, “como
sistema de gerenciamento de situações
excepcionais”, em que o serviço
voluntário prestado na organização e

realização dos eventos da COPA DO MUNDO
FIFA 2014 não se sujeita à limitação
prevista no artigo 1º da Lei nº
9.608/98. Em arremate, necessária a
menção da recentíssima alteração na
LINDB, introduzida pela Lei nº 13.655,
de 25 de abril de 2018, no sentido de que
“não se decidirá com base em valores jurídicos
abstratos sem que sejam consideradas as
consequências práticas da decisão”, bem assim
que a decisão deverá ser proporcional,
equânime, eficiente e compatível com os
interesses gerais (artigos 20 e 21 da
LINDB) – destaquei. Sendo assim,
conquanto legítima e louvável a
iniciativa do Ministério Público do
Trabalho, inclusive, respaldada pelo
então “MANIFESTO CONTRA O TRABALHO
„VOLUNTÁRIO‟ NA COPA” (assinado por
mais de 200 renomados representantes da
comunidade jurídica), em trazer ao
debate desta Corte Superior tema de
magna importância, principalmente em
razão da polêmica instaurada,
conclui-se pela manutenção de
improcedência dos pedidos iniciais
formulados. Agravo de instrumento
conhecido e não provido.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (TST - Tribunal Superior do Trabalho) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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