Negado trancamento de ação contra policiais denunciados por envolvimento na Chacina do Curió (CE)

Negado trancamento de ação contra policiais denunciados por envolvimento na Chacina do Curió (CE)

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso em habeas corpus que buscava o trancamento de ação penal – com a consequente colocação em liberdade – contra três policiais militares presos preventivamente pelo suposto envolvimento na morte de 11 pessoas em Fortaleza, no episódio conhecido como Chacina da Messejana ou Chacina do Curió.

Por unanimidade, o colegiado concluiu que não houve demonstração de constrangimento ilegal ou de inépcia da denúncia que justifiquem o trancamento prematuro da ação penal. 

De acordo com a denúncia oferecida contra 45 policiais militares, os crimes foram praticados como represália à morte de um colega de profissão que teria reagido a um roubo. Na madrugada de 12 de novembro de 2015, os policiais teriam matado 11 pessoas, quase todas jovens, que estavam em frente ou no interior de suas residências, localizadas na região da Grande Messejana, especialmente no bairro Curió, na capital cearense.

Além dos crimes de homicídio qualificado consumado e tentado, os militares também foram denunciados pelos delitos de tortura e de lesão corporal.

Omissão

Após ter o pedido de trancamento da ação penal negado pelo Tribunal de Justiça do Ceará, a defesa de três dos 45 policiais recorreu ao STJ sob o argumento de que a denúncia não individualizou as supostas condutas dos policiais e não apontou indícios mínimos de autoria do delito de homicídio.

O relator do recurso em habeas corpus, ministro Joel Ilan Paciornik, destacou inicialmente que, em razão do caráter excepcional do trancamento da ação penal, a medida só é possível quando ficar comprovada a total ausência de indícios de autoria e da materialidade delitiva, a atipicidade da conduta ou a existência de alguma causa de extinção da punibilidade.

Segundo o ministro, a denúncia descreveu que, no dia dos crimes, os três policiais recorrentes estavam dentro de viatura que circulou por rua onde havia pessoas feridas a bala e, mesmo estando em serviço no momento, deixaram de prestar socorro às vítimas. A denúncia apontou que os policiais se omitiram dolosamente no cumprimento de seus deveres legais, anuindo com as ações delituosas.

Em consonância com as conclusões do tribunal cearense, o relator entendeu que a denúncia fez a devida qualificação dos acusados, descreveu de forma suficiente as supostas condutas delituosas e apresentou relação de testemunhas, motivos que afastam a alegação de imputações genéricas.  

“Ademais, é certo que, considerando a demonstração da existência de materialidade delitiva e indícios de autoria, a alegação de ausência de justa causa para a ação penal, em razão da atipicidade da conduta, somente deverá ser debatida durante a instrução processual, pelo juízo competente para o julgamento da causa, sendo inadmissível seu debate na via eleita, ante a necessária incursão probatória”, afirmou o ministro.

Múltiplos agentes

Ao negar o recurso em habeas corpus, o ministro Paciornik também ressaltou que o STJ admite a denúncia de caráter geral, nos casos em que a ação criminosa contar com a participação de múltiplos agentes e condutas ou, por sua natureza, for praticada em concurso – como descrito no caso dos autos.

“Em tais hipóteses, não se mostra possível, de pronto, pormenorizar as ações de cada um dos envolvidos. Não se pode descuidar do fato de que da narrativa delitiva deve ser possível o exercício da ampla defesa e do contraditório, bem como lembrar que os acusados se defendem dos fatos e não da tipificação dada pelo Parquet, sendo reservado para a instrução criminal o detalhamento mais preciso de suas condutas, a fim de que se permita a correta e equânime aplicação da lei penal”, concluiu o ministro ao negar o pedido de trancamento da ação penal.

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 83.944 - CE (2017/0102245-0)
RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
RECORRENTE : THIAGO VERISSIMO ANDRADE BATISTA DE MORAES
(PRESO)
RECORRENTE : JOSIEL SILVEIRA GOMES (PRESO)
RECORRENTE : GERSON VITORIANO CARVALHO (PRESO)
ADVOGADO : RÉGIO RODNEY MENEZES E OUTRO(S) - CE023996
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ
DECISÃO
Cuida-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto por
THIAGO VERISSIMO ANDRADE BATISTA DE MORAES, JOSIEL SILVEIRA
GOMES e GERSON VITORIANO CARVALHO, contra acórdão proferido pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, no julgamento do HC n.
0627875-92.2016.8.06.0000.
Infere-se dos autos que os pacientes, juntamente com outros corréus,
todos pertencentes ao quadro da Polícia Militar do Estado do Ceará, foram
denunciados e presos preventivamente pela suposta prática dos delitos tipificados
nos arts. 121, § 2º, incisos I e IV (por onze vezes), art. 121, § 2°, incisos I e IV, c/c
art. 14, inciso II (por três vezes), todos do Código Penal (homicídios qualificados
consumados e tentados), e art. 1º, incisos I, alínea a, II e §§ 2º, 3º e 4º, inciso I, da
Lei 9455/97 (tortura), c/c com o art. 29, do Código Penal, na denominada "chacina
do Curió".
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de
origem, tendo o desembargador relator indeferido liminarmente a impetração, em
decisão juntada às fls. 439/445.
Interposto agravo interno, o Tribunal de origem deu parcial provimento
ao recurso apenas para conhecer o habeas corpus . O acórdão ficou assim
ementado:
EMENTA: AGRAVO INTERNO. HABEAS CORPUS
PARA TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR INÉPCIA DA
DENÚNCIA. ADMISSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS.
DENÚNCIA GENÉRICA. NÃO OCORRÊNCIA. CRIMES
PLURISSUBJETIVOS. CABIMENTO DE DENÚNCIA GERAL.
EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES PARA INSTAURAÇÃO DA
PERSECUÇÃO CRIMINAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Em casos excepcionais, a via do habeas corpus é
admitida como meio de impugnar a decisão do magistrado que aceita
denúncia cm discordância com os ditames do art. 41 do Código de
Processo Penal. Precedentes do STJ.
2. Sabe-se que um mesmo crime pode ser desdobrado
cm várias ações diversas e, se não for feita a correta delimitação de
cada uma delas, impossível se toma não só a defesa dos envolvidos
como a apuração do fato criminoso c a conseqüente responsabilização
dos agentes.
3. De fato, a peça acusatória deve conter a exposição do
fato delituoso em toda sua essência e com todas as suas
circunstâncias. Essa narrativa impõe-se ao acusador como exigência
derivada do postulado constitucional que assegura ao réu o pleno
exercício do direito de defesa.
4. A peça delatória é uma proposta da demonstração de
prática de um fato típico e antijurídico imputado a determinada pessoa,
sujeita à efetiva comprovação e à contradita, e apenas deve ser
repelida quando não houver indícios da existência de crime ou, de
início, seja possível reconhecer, indubitavelmente, a inocência do
acusado ou, ainda, quando não houver, pelo menos, indícios de sua
participação, de modo a permitir o pleno exercício da ampla defesa,
descrevendo conduta que, ao menos em tese, configura crime. Ou
seja, não é inepta a denúncia que, atenta aos ditames do art. 41 do
Código de Processo Penal, qualifica os acusados, descreve o fato
criminoso e suas circunstâncias e apresenta o rol de testemunhas.
5. Além disso, havendo descrição do liame entre a
conduta dos pacientes e os fatos tidos por delituosos, evidenciados
nas assertivas constantes na denúncia, não há que se falar em inépcia
da denúncia por falta de individualização da conduta. A circunstância,
por si só, de o Ministério Público ter imputado a mesma conduta aos
diversos denunciados não torna a denúncia genérica.
6. Ainda, é geral, e não genérica, a denúncia que atribui a
mesma conduta a todos os denunciados, desde que seja impossível a
delimitação dos atos praticados pelos envolvidos, isoladamente, e haja
indícios de acordo de vontades para o mesmo fim.
7. Ao contrário do que sugeriram os agravantes, não se
está fazendo qualquer juízo de valor, neste momento, acerca da sua
culpabilidade pelos crimes praticados na aludida chacina. O que se
pontuou foi tão somente a existência de indícios suficientes para a
instauração da persecução criminal.
8.Como é cediço, a ação penal iniciada com a denúncia
não encerra juízo condenatório. Esta só virá ao final de toda a
instrução criminal tendo o paciente todas as oportunidades de
defender-se segundo os preceitos da lei processual vigente.
9.No caso sub examine, temos uma denúncia geral e não
uma acusação genérica, pois era impossível delimitar-se precisamente
a conduta de cada um dos acusados, já que, aparentemente, todos
estiveram voltados para o resultado criminoso obtido, sendo a
condição de policiais fator que tornou ainda mais difícil a investigação c

detalhamento das circunstâncias em que os crimes ocorreram.
10. Embora não se admita a instauração de processos
temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório,
nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do in dúbio pro
societate. De igual modo, não se pode admitir que o Julgador, em juízo
de admissibilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis
do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa
causa para o exercício da ação penal, o que não ocorre neste caso.
11. Proceder na maneira pretendida pelos agravantes
implicaria cm patente julgamento prematuro da ação penal, ferindo de
morte o postulado constitucional do juiz natural e a distribuição de
competências previstas na Constituição Federal. Cabe ao magistrado
de primeiro grau, neste momento, a primazia de decidir, segundo as
provas apresentadas, a adequação jurídico-penal dos fatos
apresentados, sendo defeso à esta Corte antecipar-se ao seu
pronunciamento sobre a questão.
12. Recurso conhecido e parcialmente provido, apenas
para conhecer o habeas corpus no tocante à alegação de inépcia da
denúncia, mas no mérito negando-lhe provimento (fls. 479/480).
Na presente impetração, sustenta, inicialmente, a existência de um
tribunal de exceção, tendo em vista que, embora não se trate de crime relacionado
com organização criminosa, a ação penal tem sido presidida por um juízo colegiado.
Alega que a decisão que determinou a formação do juízo colegiado foi
fundamentada no art. 1º, da Lei 12.694/2012, todavia, em nenhum momento da
denúncia foi apontada a existência de organização criminosa. Aduz, portanto, a
existência de nulidade de todos os atos praticados pelo referido colegiado, tendo em
vista a violação ao princípio do Juiz Natural.
Assevera, por outro lado, a inépcia da denúncia, bem como a falta de
justa causa para a ação penal, salientando que não foram individualizadas as
condutas dos recorrentes, não tendo sido demonstrados o nexo causal entre suas
condutas e os fatos criminosos imputados.
Aduz não haver indícios mínimos de autoria quanto ao delito de
homicídio, tendo em vista não ter sido demonstrado o animus decandi , nem
tampouco a omissão penalmente relevante, por parte dos recorrentes, tendo a
denúncia se baseado exclusivamente em presunções.
O recorrente pleiteia, em liminar, a suspensão da ação penal, com a
imediata colocação dos recorrentes em liberdade. No mérito, pugna pelo seu
trancamento.
É o relatório.

Decido.
No caso, ao menos em juízo perfunctório, não é possível identificar de
plano o constrangimento ilegal aventado ou, ainda, a presença do fumus boni iuris e
do periculum in mora, elementos autorizadores para a concessão da tutela de
urgência.
Confundindo-se com o mérito, a pretensão deve ser submetida à
análise do órgão colegiado, oportunidade na qual poderá ser feito exame
aprofundado das alegações relatadas após manifestação do Parquet . Por tais razões, indefiro o pedido de liminar. Solicitem-se informações ao primeiro grau.
Após, encaminhem-se os autos ao Ministério Público Federal para
parecer.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília (DF), 10 de maio de 2017.
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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